Como presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro proclamou há exatas duas décadas o resultado histórico da votação que afastou Fernando Collor do Planalto. Aos 77 anos, o ex-parlamentar recorda de momentos marcantes daquela crise política.
Zero Hora - Por que Collor caiu?
Ibsen Pinheiro - Sempre sustentei que o presidente Collor não caiu necessariamente pelas coisas que fez ou pelos desvios praticados. Antes e depois dele, tivemos problemas iguais ou até mais graves. No caso de Collor, as condutas que tiveram grande repercussão se conjugaram com a incapacidade política do governo.
ZH - Como o senhor tomou conhecimento dos problemas do governo?
Ibsen - A entrevista do Pedro Collor foi importante. E a CPI teve grande cobertura e repercussão. Lembro que o doutor Ulysses Guimarães dizia: "A CPI depende de sua excelência, o fato". Às vezes, está tudo pronto, tudo acertado para levar a CPI para um lado morno, mas vem um fato e a sacode.
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ZH - O que sacudiu a CPI?
Ibsen - Alguns fatos são pequenos, mas de grande significado. O automóvel popular comprado com sobras de campanha (o Fiat Elba) foi um fato pequeno, mas, no contexto, foi um elo entre o que surgia e a figura do presidente. Isso conjugado com a baixa sustentação política produziu a combustão, o incêndio da CPI. E o Congresso foi o bombeiro desse incêndio.
ZH - Qual era o clima no Congresso nos dias anteriores à votação?
Ibsen - As convicções sofreram grande aceleração na reta final. Na semana antes da votação, recebemos uma comitiva da Austrália no Congresso. No almoço, perguntaram como conseguiríamos obter os dois terços dos votos, escore necessário para afastar um presidente com eleito com 35 milhões de votos. Respondi que era mais fácil obtermos a unanimidade.
ZH - Collor estava tão isolado assim?
Ibsen - Em condições normais, se fosse preciso que os líderes da oposição buscassem votos, o impeachment não passaria, pois a correlação de forças não daria os dois terços a favor do impeachment. Usei a frase para sintetizar o andamento da crise política. Os votos contrários foram mais manifestações pessoais de apoio ao presidente do que uma resistência.
ZH - E o clima no plenário? O impeachment era dado como certo?
Ibsen - Nas ruas, o Brasil fervia, mas no plenário o clima era glacial. Diante do potencial explosivo da sessão, conseguimos dar andamento a um ritual britânico. Poucos deputados quiseram falar em defesa do presidente. E quem queria a cassação não discursou, limitou-se a orientar a bancada, a fim de acelerar a sessão.
ZH - Com o impeachment aprovado, havia o medo do retorno dos militares?
Ibsen - Quando o colégio eleitoral consagrou Tancredo Neves, foi um sinal de que o regime militar estava esgotado. A campanha das Diretas esgotou o regime militar. Não havia temor, clima, nem desejo dos militares de voltar. Ficou claro que a arbitragem seria política.
ZH - O que representou o impeachment?
Ibsen - Esse pedido que prosperou foi o 12º que chegou à Câmara naquela oportunidade. O impeachment foi a culminância de uma crise política. A nossa tradição republicana é de arbitragem militar, de presidente deposto pela força. Foi a primeira vez na história da República que a arbitragem de uma crise política foi feita pelo Legislativo.
ZH - E que lições esse processo deixou?
Ibsen - Certos momentos da história são simbólicos na medida em que representam mais do que efetivamente são. O impeachment teve conteúdo consolidador. Não tínhamos experiência de um processo maduro de impeachment e ele marcou para o bem nossa democracia. Espero e confio que a nossa opção democrática seja permanente e eterna.
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