As últimas carretas de boi cruzam o pampa, carregando a produção de pequenos agricultores como Ireno Aguiar da Costa, 59 anos. Ele partiu na manhã de um domingo, 12 de agosto, rumo ao perímetro urbano de São Gabriel, aonde chegaria três dias depois. A viagem foi acompanhada por Zero Hora e ilustra um meio de vida que ajudou a formar o Estado, mas hoje está quase esquecido.
Desde as origens da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul até a chegada do trem e do automóvel, o Estado andou a reboque dos carros de boi. As carretas riscaram os primeiros caminhos do pampa, ajudaram a fundar cidades e abastecer bolichos. Transportaram mantimentos em tempos de paz, armas em períodos de guerra, sempre ao passo vagaroso do gado. Hoje, um dos mais tradicionais meios de locomoção do gaúcho está em extinção.
Mesmo no interior de São Gabriel, que pela insistência no uso do veículo campeiro se consagrou nas últimas décadas como o derradeiro refúgio dos carreteiros, os conjuntos de homens e bois vivem seu ocaso.
- Hoje temos apenas dois ou três agricultores que ainda usam a carreta como meio de transporte entre suas propriedades e a cidade para vender mercadorias. Acredito que serão os últimos - atesta a funcionária da Emater em São Gabriel Elusa Andrade.Para o comerciante, comunicador e entusiasta das carretas Valdir Borin, que produziu um vídeo sobre o tema nos anos 90, o declínio não condena apenas os veículos de madeira e metal à deterioração.
- Sem eles, também se perde uma parte da nossa cultura - avalia.
Já somaram centenas na região, e trilhavam o caminho entre os grotões pampianos e a cidade em comboios de até 10, 15 carretas. As longas filas de juntas de bois e o burburinho festivo dos acampamentos à beira da estrada deram lugar a viagens solitárias e esporádicas dos últimos herdeiros de uma tradição milenar - que remonta a sociedades anteriores a Cristo, a egípcios, a gregos e romanos, todos hábeis tocadores de carros de boi.
Em solo gaúcho, as razões para o abandono da carreta incluem a lentidão do gado e as agruras da viagem, que sujeitam o condutor a intempéries, a dormir e comer ao relento, sem banho ou troca de roupa.
Para documentar os estertores de um ofício que ajudou a construir o Rio Grande, Zero Hora acompanhou a jornada de um dos últimos gaúchos que ainda se submetem a uma dura rotina que já foi regra, mas hoje assume ares de heroísmo em plena era digital, veículos velozes e comodidades modernas. Para percorrer 55 quilômetros, foram necessários três dias e duas noites de incursão no pampa, contando com o auxílio de moradores da região.
Comércio do pampa
Zero Hora revela o cotidiano dos últimos carreteiros do Estado
Tradição desde as origens do Rio Grande do Sul, transporte de mercadorias em carros de boi ameaça desaparecer
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