Johnny Depp tinha 35 anos quando viveu o escritor e jornalista Hunter S. Thompson no filme Medo e Delírio (1998), dirigido por Terry Gilliam. Aos 48 (faz 49 na semana que vem), ele revive o mesmo personagem, mas uma década mais jovem, em Diário de um Jornalista Bêbado, longa que estreia nesta sexta em Porto Alegre.
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Ainda assim, a boa performance do ator, o visual e toda a ambientação esmerados do filme dirigido por Bruce Robinson garantem a sua verossimilhança, mesmo para quem ainda tem as imagens do título anterior bem presentes na memória. E isso que o Thompson que surge neste novo longa é bem mais inocente, quase um romântico. Já é aquele sujeito egocêntrico que se tornaria conhecido nos anos seguintes, mas, aqui, ainda se mostra propenso a um jornalismo mais próximo do que se pode chamar idealista.
Tinha 22 anos quando saiu dos EUA em direção a Porto Rico, em 1960, para trabalhar na revista El Sportivo. A experiência foi curta, mas rendeu um de seus primeiros romances: The Rum Diary, lançado pela editora Conrad como Rum: Diários de um Jornalista Bêbado - livro no qual Robinson se baseou para conceber o filme que chega agora à Capital. Robinson que só dirige esporadicamente (como em Jennifer 8, de 1992): ele na verdade é ator (o soldado por quem a protagonista se apaixona em A História de Adéle H, de Truffaut, de 1975) e foi indicado ao Oscar como roteirista (por Os Gritos do Silêncio, de 1984).
Thompson é, de fato, uma figura muito particular, que Depp novamente compreende em suas nuanças. Diferentemente do doidão visto em Medo e Delírio - que cobre a década de 1970 e as experiências mais radicais de Jornalismo Gonzo -, em Diário de um Jornalista Bêbado ele está relativamente comedido. Chega verde ao paraíso caribenho em busca de um de seus primeiros empregos na imprensa. Encontra um diretor de redação comprometido com interesses escusos (personagem de Richard Jenkins) e dois colegas cujo comportamento serviria de inspiração para o Hunter Thompson do futuro (o fotógrafo interpretado por Michael Rispoli e o beberrão vivido por Giovanni Ribisi).
O grande conflito do filme é o dilema que ele vivencia: seguir as ordens do patrão e dos endinheirados dos Estados Unidos e reportar as maravilhas do lugar ou investigar a especulação imobiliária que está tirando o poder dos porto-riquenhos sobre seu território. Sua aproximação do ganancioso empreendedor Sanderson (Aaron Eckhart) e de sua bela mulher Chenault (Amber
Heard) - que se separaria do empresário e se casaria com Thompson anos depois, em Nova York -, tinha tudo para fazer Diário de um Jornalista Bêbado engrenar. Mas acaba provocando efeito contrário.
É que Bruce Robinson não concilia bem o desenvolvimento do triângulo amoroso e as questões morais que recaem sobre o protagonista. Do ponto de vista dramatúrgico, Diário... é pobre. Faz rir em seus momentos de humor mais espontâneo (talvez o melhor do filme), traz aquelas boas tiradas do personagem ("Porto Rico parece aquela pessoa que você comeu e ainda não saiu debaixo de você"), mas deixa uma sensação de que podia, ou melhor, deveria ter ido mais fundo.