Um olhar diferenciado sobre costumes e peculiaridades gaúchos é a proposta da série Beleza Interior, que vai percorrer um destino diferente do Rio Grande do Sul todos os sábados de 2011. Nesta edição, a descoberta de uma peculiar personagem que agita um pequeno balneário gaúcho com seu bom-humor
Elisete Varani Mattos, 53 anos, acabou de fazer escova. O cabelo loiro, curto, não tem nenhum fio fora da moldura do rosto. Os lábios estão pintados e nem parece que ela faxinava naquele momento.
Ela trabalha com o que aparecer pela frente. Durante a semana, é pedreira, é zeladora, é manicure, é caminhoneira. Quase impossível prever como os moradores a encontrarão na rua: de bermuda, conduzindo carrinho em construção, ou de boné, liderando fretes. Ela se autodenomina Serviços Gerais de Quintão, balneário de Palmares do Sul, cidade de 11 mil habitantes, a 78 quilômetros de Porto Alegre.
- Nunca digo que não sei, aceito para depois aprender, não tenho escolha - afirma.
Nos últimos três meses, assumiu uma nova função que aumentou sua popularidade no litoral norte do Estado: a de motorista do Clube da Saudade, baile que acontece domingo, das 19h à 1h, no salão da esquina das ruas Esparta e Alegrete.
Separada há duas décadas, mãe de três filhos (Isaías, 29 anos, Everton, 27 anos, e Letícia, 14 anos) e vó de uma neta (Isabela, dois anos), a fã de música sertaneja aceitou a missão de levar os boêmios para suas casas num antigo ônibus de linha. É uma viagem por semana, que permite que os outros bebam sem problema algum. Elisete recebe R$ 100 por mês e carrega 30 pessoas no final da festa, numa cansativa baldeação pelas praias vizinhas.
Foto: Emílio Pedroso
- Já me sustentei como motorista de caminhão, o pé na estrada é herança de meu pai José Renato. Ele realizava longas viagens pelo interior do Estado em seu Mercedes-Benz cinza. Quando regressava, era sempre feriadão para nossa família de 11 irmãos. O maravilhoso de ir é ter motivo para voltar: a saudade me mantém viva.
O ônibus é velho, a poltrona de couro preto tem o estofado rasgado, o motor tosse e enguiça, mas nada é obstáculo para seu capricho obstinado. Ela não desanima com a feiúra da lataria, nem com a pouca grana - o que é torto tem direito de ser simpático.
Assim como não perde a pose nas atividades braçais, enfeita seu ônibus para receber os passageiros noturnos. Colocou fitas rosa e lilás em todos os bancos. O corredor do veículo lembra a decoração de um casamento.
- Falta apenas um marido, as guirlandas e o órgão tocando "tan na na nan".
O banco da motorista é um autêntico altar, com ursinhos balançando no retrovisor.
- É uma carruagem do amor! - explica.
Para quem não achou sua cara-metade no bailão, que reúne 200 clientes ao preço de R$ 8 (ingresso masculino) e R$ 5 (feminino), tem uma repescagem no retorno.
- Muitos casais se formam ao sentar lado a lado no transporte, quando haviam abandonado a esperança de se dar bem. Relaxados, conversam melhor, não querem impressionar e se apaixonam.
Sem aparelho de som, ela não se nega a cantar no trajeto. Interrompe o silêncio da madrugada com animado karaokê.
- Ah... Sou também metida a mecânica e cantora, tudo a ver - ela ri.
A amizade cura ressaca. A motorista é a confidente predileta dos clientes, o pronto-socorro das desilusões. Oferece dicas, orienta relacionamentos, conforta os clientes com exemplos de suas desventuras amorosas.
- Do mesmo modo em que os bebês dormem facilmente no carro, meus bebês grandes se acalmam com o sacolejo da minha voz e das pedras irregulares.
Se a noite é uma criança, Elisete é a babá das estrelas e das dunas de Quintão. Põe os baladeiros a dormir com segurança.
Carruagem do amor
Beleza Interior: Motorista de todas as saudades
Conheça uma peculiar personagem que agita um pequeno balneário gaúcho com seu bom-humor
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