Em busca de personagens marcantes e peculiaridades de cidades gaúchas, a série Beleza Interior percorre um destino diferente a cada sábado de 2011. Em Giruá, sítio recebe 5 mil pessoas e 350 automóveis altamente aparelhados em uma espécie de Woodstock de carros.
Eles não usam malas, não se interessam por ocupar bagageiros com mudas de roupas. O que vale é reservar o espaço interno do automóvel para colocar som mecânico; apenas isso. E um som todo-poderoso para acordar mortos, desembrulhar múmias, invencível como as trombetas de Jericó.
É um clássico da juventude do Interior se reunir na praça com o porta-malas aberto, caixas imensas e ensurdecer os vizinhos com os hits do momento.
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Em Giruá, cidade de 17 mil habitantes, a 465 quilômetros de Porto Alegre, a turma de adolescentes foi barrada por lei municipal e ficou proibida de circular com música superior a 80 decibéis. Perdera sentido o ponto de encontro para namoros e exibicionismos eletrônicos no canteiro central Aládio Ferreira.
Sensibilizado com a choradeira dos amigos, o tabelião Rogério Corrêa Trage, 32 anos, não abandonou a irreverência e criou na cidade o Woodstock do som automotivo. Abriu seu sítio no Campo dos Carvalhos a noitadas intermináveis, onde recebe 5 mil pessoas e 350 carros altamente aparelhados. Motoristas disputam troféus em 20 categorias, para descobrir quem tem o melhor conjunto tonitruante.
- Botamos para derreter - avalia o comerciante Sydnei José da Silva, 20 anos, vencedor de 23 títulos em disputas na região.
- É um racha musical. O critério é manter a qualidade com a melodia cada vez mais alta. O candidato que distorce é desclassificado e dá adeus ao pódio - explica Trage.
- Para os mais velhos é poluição sonora, para nós é arte - diz o também multicampeão, Jilsemar Vargas, 21 anos, que acumula 23 canecos.
O encontro mensal, que já está na 4ª edição, converteu uma paisagem rural, bucólica e arcadista, permeada de vacas, ovelhas e cavalos, em autódromo de faróis e luzes piscantes, com torcida organizada nas boleias e nas cabines de picapes.
Um dos veículos mais famosos é a Ranger Tenebrosa, que atinge 180 decibéis, mais do que o dobro do permitido em vias públicas. Pirâmides de alto-falantes são distribuídas na traseira formando um paredão de três metros de altura e dois metros de largura.
- Diante dela, o osso treme e a pele vibra, somos faraós da música eletrônica - brinca o dono Marco Antonio Garcez, 40 anos.
A gurizada valoriza o passatempo como uma carreira. Há competidores que gastam R$ 200 mil para comprar acessórios pelo simples prazer de assistir aos rivais comendo poeira.
- O básico do básico custa R$ 5 mil. Não é pouco investimento - explica Trage, que empenhou R$ 18 mil em uma camionete.
Jilsemar pediu dinheiro emprestado ao irmão. Rafael dos Santos, por sua vez, rogou mesada aos pais. O segredo está em abrir uma linha de crédito familiar para fazer bonito com as mulheres.
- A disputa é uma afirmação da masculinidade, uma forma de delimitar território e chamar a menina para dançar. Manda na festa aquele que toca alto e escolhe música boa - conceitua Francieli Lemos, 24 anos.
- No fundo, não deixa de ser um concurso do tamanho de instrumento entre os homens - completa Jilsemar.
Se perigar, até bicicleta em Giruá circula com amplificadores. Silêncio mesmo somente no cemitério, e olhe lá.