Uma campanha para arrecadar equipamentos eletrônicos busca amenizar o impacto da pandemia da covid-19 em abrigos e casas lares de Porto Alegre. Isolados, os cerca de 850 acolhidos no município — com idades entre zero e 18 anos incompletos — deixaram de realizar atividades fora dos abrigos, e a necessidade de entretenimento cresce junto à ansiedade dos jovens. Intitulada “Doe Tecnologia, Doe Educação”, a iniciativa pretende distribuir videogames, aparelhos de DVD, celulares, tablets, computadores ou notebooks para utilização dos acolhidos na Capital.
O projeto foi idealizado pela Associação dos Usuários de Informática e Telecomunicações do RS (Sucesu-RS). Presidente da associação, Nilson Ayala Queiróz é também criador do projeto Pais de Coração, organização sem fins lucrativos que tem como propósito inspirar e informar as pessoas sobre o processo de adoção. Ao se tornar pai adotivo de dois irmãos biológicos, Queiróz diz ter deparado com uma terceira criança, que o questionou se ele seria pai do amiguinho.
— Ao dizer que sim, ele ficou triste. A cuidadora do lar me explicou que, pela idade, ele dificilmente seria adotado. Nunca esqueci do que vi, e isso me inspirou a ajudar crianças e adolescentes a buscar uma família feliz, como a que eu tenho hoje — relembra.
As doações podem ser agendadas pelo telefone da Sucesu-RS: (51) 99972-3560. As equipes irão organizar a coleta dos equipamentos, que devem estar em boas condições de uso, higienizados e preferencialmente plastificados, uma medida que visa evitar a propagação do coronavírus.
Na manhã desta quarta-feira (22), a reportagem de GaúchaZH visitou um local que acolhe 20 crianças e adolescentes no bairro Menino Deus. Surpresos com a visita — suspensa para familiares desde março —, os internos interromperam por um breve instante a brincadeira no escorregador do pátio. Para evitar a contaminação do ambiente, não foi permitido o acesso ao interior das casas.
O adolescente que há mais tempo reside no lar está há nove anos na instituição, que integra a Fundação de Proteção Especial (FPE) do Rio Grande do Sul, órgão vinculado à Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Já o hóspede mais recente tem apenas 16 dias de vida. Antes de irem para o cadastro de adoção, há a tentativa de reinserção com seus antigos tutores, segundo a diretora técnica da FPE, Fabiana Nascimento de Oliveira. Com o fim de atividades externas, o ambiente se tornou mais inquieto, de acordo com a diretora.
— Eles saíam pra escola, alguns faziam estágio, outros recebiam algum parente. Agora é tudo por telefone, chamada de vídeo, e entreter é mais difícil, os computadores são disputados — conta, reforçando a expectativa no sucesso da campanha.
Aos 17 anos, uma das adolescentes — que tem seu nome preservado — diz sentir falta do estágio, onde atuava desde dezembro de 2019. O contato com os antigos colegas de trabalho é mantido em conversas de WhatsApp. Ao seu lado, outra adolescente é mais direta:
— Tá chato. Sinto falta de visitar a minha mãe.
Claudete Machado, diretora do núcleo que integra os dois abrigos, ressalta que vale a pena enfrentar as dificuldades da profissão.
— Temos uma grande responsabilidade. Cada história é única e a casa precisa se adaptar. Dependendo do histórico, uma criança precisa ficar sozinha, outros quartos são adaptados conforme a necessidade. Mas é gratificante — afirma.
No lar, os internos têm assistência psicológica, pedagógica e de saúde, além de contar com uma estrutura que reúne 70 servidores de outras áreas.
A campanha para ajudar a crianças e adolescentes tem ainda o apoio da promotora da Infância e Juventude de Porto Alegre, Cinara Vianna Dutra Braga.
— Imagina enclausurar 20 jovens em uma casa, sem poder ter atividades? Eles vivem uma segunda pandemia — compara.