– Eu nem sei como explicar. Eles são outras crianças.
Lisandra Gourgues é mãe de trigêmeos, e o que tornou Pedro, Antônio e Helena, de três anos, crianças mais irritadiças e impacientes de uns meses para cá foi a distância de um lugar que, ironicamente, está bem pertinho. A casa onde estão desde 19 de março fica a 50 metros da Escola de Educação Infantil Trem da Alegria, no bairro Fátima, em Canoas.
– Tem crianças que passam por aqui e pedem para os pais baterem na porta. Se estamos, elas entram, circulam e espiam as salas só para se certificar de que a escola ainda está aqui – conta a administradora da escola há 28 anos, Rejane Selistre.
Daí a iniciativa de sete escolas de Educação Infantil de Canoas de unir o útil ao agradável. A exemplo do que já fazer em outros anos às vésperas do inverno, montaram um drive thru para doação de agasalhos, mas neste sábado (30) incentivaram os pais a colocarem os pequenos no banco de trás para matar, aos menos por alguns minutinhos, a saudade das profes.
A ideia era só acenar de dentro do carro, mas Pedro, Antônio e Helena acabaram desembarcando em frente à escola para conversar – infelizmente, nada de abraços por ora– com a profe Mariane. Voltariam para casa caminhando sorridentes, abanando para a equipe.
Enquanto as aulas não retornam, as escolas vão adaptando as estruturas para a rotina pós-pandemia e tentam manter o vínculo com as crianças mesmo de longe. A Trem da Alegria faz sugestões de brincadeiras e elabora até cardápio para a semana. Aos sábados, promove uma recreação à distância, por videoconferência. Também cantam Parabéns a Você em vídeo nos aniversários, para que um coleguinha enxergue o outro e saiba que todos estão bem.
Segundo Rejane, o reencontro – salvo novo adiamento, previsto para julho pelo governo do Estado– é aguardado ansiosamente pela maior parte dos pais. Em uma enquete feita pela escola perguntado aos pais se trariam os filhos se as aulas retornassem em 1º de julho, 85% responderam que sim. Lisandra, mãe dos trigêmeos, é uma delas.
– Claro que tem toda uma incerteza sobre o vírus, mas não adianta. Eu e o meu marido somos autônomos, então sempre ou eu ou ele precisa deixar de trabalhar para cuidar das crianças. Não tem como ser esse ritmo sempre, sempre trabalhando metade – declara.
Na medida do possível, a escola vai se adaptando. Alguns equipamentos, como a piscina de bolinhas, terão de se abandonados por um tempo. As fantasias, hoje compartilhadas, serão trocadas por modelos descartáveis, em TNT. As recreações terão de ser intercaladas e as salas terão a capacidade reduzida.
– Se é possível ser 100% livre de contágio, eu não sei. Mas alguns pais dizem ter mais segurança nas medidas de prevenção da nossa escola do que nas condições que as crianças estão hoje. Sei de caso de crianças que estão com cuidadoras de condomínio junto com outras nove, 10, no mesmo apartamento – conta Rejane.
No drive thru deste sábado, em troca dos agasalhos, as crianças receberam sementes de girassol. A ideia é que elas plantem em um vasinho, em casa, e tragam para formar um jardim quando puderem voltar.
Junto às sementes, o bilhete da escola traz uma mensagem que talvez os alunos sejam pequenos demais para entender, mas não para aplicar: “Nos dias nublados, os girassóis se viram uns para os outros buscando a energia de cada um. Sejamos sempre girassóis”.