É no km 17, em ambos os lados da freeway, em Santo Antônio da Patrulha, que os caminhoneiros têm sido surpreendidos, há três semanas, por uma grande quantidade de afeto, bom humor e o mais importante: comida. Às margens da estrada, munida de bandeirolas e placas indicativas, uma família tem disponibilizado gratuitamente café da manhã, almoço e café da tarde aos motoristas que cruzam a rodovia na boleia de um caminhão. São cerca de 1,2 mil refeições entregues diariamente.
Ex-cegonheiro, o autônomo Rodrigo de Fraga Löff, 36 anos, propôs à esposa, Maria Aparecida Salvador Caldeira, 39 anos, e aos filhos Jenifer, 21, Jeferson, 19, Ênio Luiz, 14, Maria Luiza, 13, João Vitor, 11, Maria Eduarda, três anos, fazerem algo pelos que seguiam trabalhando, enquanto o casal — proprietário de um foodtruck na Lagoa dos Barros — e os filhos — estudantes — estavam em casa cumprindo o distanciamento social.
Jeferson foi o primeiro a abraçar a causa. Entusiasmado, o jovem aprendiz em ocupações administrativas sugeriu divulgar a ação aos caminhoneiros por meio do Facebook do pai, que ainda tem muitos amigos na função. Rodrigo foi o responsável por pedir em um mercado algumas doações. Do estabelecimento, recebeu pães e mortadelas.
Na manhã seguinte, por volta das 6h, munidos de quatro térmicas com café preto e cerca de cem sanduíches, a família seguiu até a estrada.
— O pai ficou no sentido Porto Alegre e eu, no sentido Litoral. Não estava acreditando que eles parariam, até por conta da covid-19. Quando os vi parando, um atrás do outro, foi uma emoção muito grande. Eles (caminhoneiros) começaram a contar que estão passando muito trabalho nas estradas e que aquele nosso ato era muito importante — recorda Jeferson, sensibilizado.
Percebendo a real necessidade dos motoristas, a família decidiu seguir os alimentando na estrada. O que seria uma ação única, acabou alterando a rotina de todos. As manhãs passaram a iniciar às 5h, quando todos levantam para preparar os sanduíches e passar o café. Entre 6h30min e 9h45min, parte do grupo se divide na estrada, enquanto a outra segue preparando o almoço. Uma placa convidando os caminhoneiros a pararem para o lanche é colocada a cerca de meio quilômetro do ponto onde fica a família. Bandeirolas ao vento também servem para atrair.
A turma da freeway recomeça 11h, distribuindo mais de 200 quentinhas recheadas de feijão, arroz, carne e salada. Tudo acompanhado de suco. A ação diária é concluída com a entrega do café da tarde, entre 15h30min e 18h.
No terceiro dia da ação, percebendo que a família não conseguiria sustentar financeiramente a iniciativa sozinha, o jovem passou a pedir via internet auxílio aos conhecidos. Uma amiga de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, por exemplo, doou toda a comida para o café e para o almoço do dia seguinte e utensílios, como copos e pratos.
Com a divulgação, as doações começaram a surgir de todos os lugares. Elas veem de empresários e supermercados locais e, até, de motoristas que passam pela freeway. Num dia que a família já pensava em desistir por não ter alimentos, surgiu um casal para doar R$ 1 mil. Eles não disseram nem o próprio nome. O valor serviu para completar a ação de toda a semana. Dias depois, um homem ligou oferecendo ajuda e apresentou-se como sendo o mesmo da outra doação. Morador de Igrejinha, ele decidiu repassar outros R$ 1 mil e mais 30 quilos de frango.
— Não tem como explicar, foi maravilhoso! Uma mão ajudando a outra — acredita o jovem.
Além do casal e dos seis filhos, dois outros parentes e três vizinhos auxiliam na preparação e na entrega dos alimentos. Enquanto estiverem envolvidos na ação social durante a pandemia de coronavírus, os pais de Jeferson optaram por manter fechado o foodtruck que sustenta a família. Já o jovem, que voltou ao trabalho no período da tarde, continua sendo o responsável por preparar os lanches da manhã seguinte, quando retorna para casa por volta das 18h. A meta é estar um dia adiantado.
— Meu pai sempre ajudou ao próximo, mas é a primeira vez que toda a família está fazendo algo assim. Uma pessoa me enviou uma mensagem dizendo que somos como a orquestra que tocou enquanto o Titanic afundava, porque, em meio à pandemia, tomamos os devidos cuidados e passamos a servir ao próximo. Eu acho que é isso mesmo. E sempre com alegria — resume Jeferson.
Nesta quinta-feira (16), o fotógrafo de GaúchaZH Omar Freitas acompanhou a distribuição do almoço. Em menos de uma hora, toda a comida preparada no dia anterior foi distribuída pelos Löff.
Caminhoneiro há mais de 10 anos, Valdocir Ribeiro de Freitas, morador de Portão, voltava de São Paulo quando viu a placa indicando almoço grátis.
— Estamos passando dificuldades para almoçar porque os poucos locais abertos estão cobrando preços absurdos dos caminhoneiros. Graças a Deus, tem esta turma boa que está ajudando a categoria — destacou.
Há mais de 30 anos na estrada, Gilmar Reis, de Santa Cruz do Sul, foi outro que parou e fez questão de agradecer a iniciativa da família de Santo Antônio da Patrulha.
— É muito importante esta ajuda para nos manter na estrada — resumiu.
Jeferson conta que são constantes os buzinaços de agradecimento daqueles que passam e não param. Nas redes sociais, a família tem se tornado conhecida por meio das fotos tiradas pelos próprios caminhoneiros, compartilhadas como forma de agradecimento.
— Não paramos de distribuir, mesmo quando surgem dificuldades. Eles precisam muito. Não esperamos nada em troca. Só queremos plantar o bem. A gente faz de coração — destaca o jovem.
PARA AJUDAR:
- O projeto, que já atendeu caminhoneiros de todas as partes do país, está buscando voluntários e precisa de doações. Interessados devem entrar em contato via WhatsApp: (51) 98961-8355.