Em meio às preparações para a abertura das Olimpíadas de Paris em 26 de julho, a Agência de Testagem Internacional (ITA) informou o primeiro caso de doping dos Jogos 2024.
O órgão afirmou que o judoca iraquiano Sajjad Sehen teve “resultado analítico adverso” — popularmente chamado de positivo — para duas substâncias proibidas e, por isso, foi suspenso da competição. Afinal, quais agentes podem tirar atletas das disputas e como funciona o controle antidoping?
O antidoping foi implementado nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos na década de 1960, com o primeiro controle nas competições do México, em 1968. Desde então, o Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Comitê Paralímpico Internacional (IPC) estabeleceram uma série de regras para as competições.
Elas se baseiam no código da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) — configurada, em 1999, como um órgão que integra governos, federações e atletas para tornar o controle antidoping uniforme no mundo inteiro. Em 2019, o COI concedeu a organização e gestão dos testes nas Olimpíadas ao ITA — os Jogos Paralímpicos seguem sendo supervisionados diretamente pelo IPC.
Alexandre Velly Nunes, professor doutor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que já participou de seis Jogos Olímpicos como oficial de controle de doping, explica que existe uma lista de substâncias e métodos proibidos, que é revisada e atualizada anualmente.
Essa relação é apresentada a partir de outubro aos oficiais de controle de doping e aos órgãos esportivos e passa a vigorar em 1º de janeiro de cada ano, sendo válida até 31 de dezembro.
— Essa lista, em cada período, sofre modificações, que podem tanto incluir quanto excluir substâncias. Então, para saber se é permitida ou não, tem de se atualizar e conhecer a lista, que fica disponível online — afirma.
A lista é dividida entre substâncias e métodos proibidos, abrangendo três métodos e diversas substâncias, que são classificadas pelos grupos S0 até S9. Esses grupos representam agentes anabólicos, hormônios peptídicos, beta-2 agonistas, moduladores metabólicos, diuréticos e agentes máscaras, estimulantes, narcóticos, canabinoides e glicocorticosteroides.
O especialista em medicina esportiva e oficial de controle antidoping da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) e da Federação Internacional de Futebol (Fifa), Felix Drummond, esclarece que há substâncias proibidas durante todo o tempo, apenas em competições ou em esportes específicos. Também comenta que agentes esteroides anabolizantes são os mais presentes nos resultados analíticos adversos, seguidos dos estimulantes, diuréticos, hormônios e corticoides.
De acordo com os especialistas, as substâncias e métodos são incluídas na lista quando oferecem aumento irregular da performance, prejuízo à saúde do atleta e interferência ao espírito esportivo. Diante disso, ao longo dos anos, algumas substâncias já entraram na lista e, depois, foram retiradas, como a cafeína, aponta Nunes.
— O corticoide foi proibido a partir de 2022 para proteger a saúde do atleta e, mais recentemente, um agente narcótico para dor bastante utilizado, o tramadol, entrou na lista por ser uma substância que interfere no desempenho e causa dependência. Não pode haver discrepância no aumento do desempenho. Os anabolizantes e estimulantes melhoram o desempenho e uma grande parte deles também causa risco à saúde dos atletas, há relatos até de morte de atletas por uso dessas substâncias — acrescenta Drummond.
Ingestão acidental
Diante da extensa lista, os especialistas comentam que existe a possibilidade de que os atletas consumam alguma substância proibida sem intenção — o que pode ocorrer durante o tratamento de problemas de saúde, como lesões, por exemplo.
— Existe a possibilidade, infelizmente, de doping por contaminação. E isso chega ao nível de 18% a 20% dos casos de resultados analíticos adversos, porque uma substância proibida pode fazer parte de algum alimento, suplemento ou de alguma medicação de uso corriqueiro. E o atleta pode, eventualmente, se contaminar sem dolo — afirma o professor da UFRGS.
Conforme Drummond, que também é fundador e diretor médico do Instituto de Medicina do Esporte (IME), esse é um problema visto no dia a dia. Por isso, os treinadores, médicos, nutricionistas, preparadores físicos e todos os outros profissionais que acompanham os atletas têm que ter conhecimento sobre a lista para que possam ter cuidado até com substâncias simples. Como exemplo, cita a neosaldina, que é proibida por ter estimulante em sua fórmula.
— Outra coisa que alertamos é a questão dos suplementos, porque alguns são contaminados. Whey protein e creatina podem ter contaminação com esteroide e diurético — aponta o especialista em medicina esportiva.
Exceções
A maioria dos tratamentos pode ser feito sem o uso de substâncias que estão na lista, acrescenta Drummond. Mas há casos em que se precisa utilizar medicamentos que contém agentes que melhoram o desempenho, como diabéticos tipo 1 e asmáticos, que usam insulina e nebulímetro (conhecido como bombinha), respectivamente. Nessas situações, os atletas podem fazer uso dessas substâncias, mas são obrigados a comprovar o quadro clínico, com relatório médico e exames:
— E aí é submetido para a autorização de uso terapêutico, antes do início da competição, e se faz isso anualmente, tem que apresentar para as autoridades esportivas e comitês olímpicos.
Como é feito o controle
O controle antidoping é feito, principalmente, a partir de exames de urina — mas a coleta de sangue também é utilizada para algumas substâncias, que são difíceis de detectar, como o hormônio do crescimento. Segundo os especialistas, as coletas ocorrem durante todo o ano, dentro e fora do período de competições.
— O exame de competição é feito logo após o atleta sair do tatame, da piscina, da quadra, de onde ele estiver competindo. Terminou a competição, o atleta sai da área, é notificado e acompanhado por um profissional de escolta até a sala de controle de doping para fazer o exame — explica Nunes, destacando que cada modalidade tem uma regra específica para esse controle em competição.
Já para o exame fora de competição, o atleta alvo é indicado a partir de pedido da Wada ou da Federação Internacional. Nesses casos, o oficial de controle de doping procura o atleta em qualquer lugar da sua vida cotidiana, seja casa, local de treino, estudo ou trabalho, entre às 6h e 23h, para que faça o exame. Com esses testes, são analisadas substâncias dos grupos S0 até S5 — os grupos restantes são proibidos somente durante competições.
Diante de um resultado analítico adverso, dependendo da substância, o atleta pode tomar uma suspensão que vai de algumas semanas até quatro anos. O especialista em medicina esportiva ressalta que substâncias mais pesadas determinam sanções maiores e que há um julgamento, no qual o atleta pode fazer sua defesa. O professor da UFRGS acrescenta que alguns esportes, como ciclismo, atletismo e natação, têm uma incidência maior de resultados analíticos adversos. Por isso, essas modalidades costumam ser mais monitoradas.
De acordo com o Olympics.com, os Jogos Olímpicos de Paris contam com mais de mil pessoas envolvidas nas diversas fases do controle antidoping, sendo que 800 atuarão como acompanhantes para avisar os atletas sobre seus testes e acompanhá-los durante todo o processo.
Todos os locais de competição têm um espaço dedicado aos exames, onde cerca de 360 funcionários realizam as coletas de amostras, que são encaminhadas aos laboratórios responsáveis pelas análises.