A vida de um treinador campeão olímpico é estranha. Sente a emoção da conquista, participa de toda festa, compartilha suas lágrimas com os comandados, mas não tem medalha e não tem pódio. Mas tem o hino nacional ouvido na beira da quadra. E ninguém colocou tantas vezes para tocar o “Ouviram do Ipiranga” em Jogos Olímpicos quanto José Roberto Guimarães.
Único brasileiro com três títulos olímpicos, ele comemora nesta terça-feira (9) os 30 anos do ouro do vôlei em Barcelona. Além da vitória com o masculino em 1992, também colocou as meninas no lugar mais alto do pódio em Pequim 2008 e Londres 2012.
Aos 68 anos, Zé Roberto ainda não parou. À frente da seleção feminina desde 2003, prepara a equipe para o Mundial, com início em 23 de setembro. Durante a preparação para o torneio a ser disputado na Holanda e na Polônia até 6 de outubro, ele atendeu GZH para falar do aniversário do primeiro ouro brasileiro em esportes e coletivos e sobre o futuro. Acompanhe a conversa.
Olhando 30 anos depois, o time de Barcelona envelheceu bem?
Todos estão mais velhos, próximos dos 50 anos, passando um pouco. Acho que o voleibol que esses caras jogaram vai ser sempre contemporâneo, sempre moderno porque a qualidade técnica, a velocidade que esse time jogava, poucos times no mundo conseguiram imprimir tanta competência, tanta virtude como aquele time de 1992.
O que aquele time tinha de mais especial?
Acho que o primeiro o carinho que uns tinham com os outros, né? A paixão pelo jogo. A terceira é o amor que eles tinham para vestir a camisa da seleção.
Qual foi o legado que aquele time deixou?
Por onde eu vou, muita gente ainda vem falar comigo sobre esse time. Acho que a maioria dos brasileiros sabe quem foram os jogadores da seleção de 1992. Então, esse foi o grande legado. E também de deixar uma vitória muito importante, abrindo o espaço para as vitórias que vieram no futuro. A primeira medalha de ouro em esporte coletivo do Brasil e também do voleibol brasileiro. Aquilo foi um marco, no qual nós mostramos para o mundo que tínhamos condições de jogar de igual para igual com qualquer time.
Como foi chegar à seleção poucos meses antes dos Jogos? Como foi a montagem daquele time?
Foi um começo, pra mim como técnico muito novo, complicado. Difícil porque eu estava substituindo um dos melhores treinadores do mundo (Bebeto de Freitas), sem nenhuma experiência com times de ponta. Acho que eu só tenho que agradecer a acolhida que eu tive, a forma como eles (jogadores) me receberam, como eles me ajudaram, se comportaram do começo ao fim da preparação.
Em que momento a campanha de vocês virou a chave? Que ganhar ficou mais concreto.
Acho que depois do jogo contra Cuba, que foi o terceiro jogo da Olimpíada. Primeiro, Coreia. Depois, Rússia (os russos jogaram sob a bandeira da CEI - Comunidade dos Estados Independentes). Um mês antes, a gente tinha ganho de Cuba duas vezes em São Paulo na Liga Mundial. Ali, o time já estava mostrando uma cara bem diferente, uma possibilidade diferente. Foi quando a gente começou a ter as primeiras vitórias. A gente viu que tinha a possibilidade de jogar contra qualquer equipe do mundo. Foi assim até o final.
"Pouca gente acreditava. Quando a gente começou a ganhar os primeiros jogos, começaram a nos seguir, a ir para os treinos"
JOSÉ ROBERTO GUIMARÃES
Técnico do ouro em Barcelona
Como foi lidar com a ansiedade do público e da imprensa sem perder o foco no campeonato?
Acho que essa foi a parte legal, de nos descobrirem. Pouca gente acreditava. Quando a gente começou a ganhar os primeiros jogos, começaram a nos seguir, a ir para os treinos, as pessoas do Brasil começaram a assistir um pouco mais o vôlei, incentivaram. Tínhamos poucas informações porque não tinha celular, não tinha computador. Tudo foi muito rápido e quando a gente viu já estávamos em uma final olímpica.
Na sequência, como foi lidar com a superexposição do ouro olímpico?
Acho que pra mim eu só tenho a agradecer ao povo brasileiro tudo aquilo que nos fez sentir. Que nós tínhamos representado um povo, um país, uma bandeira, e que todo mundo agradecia o fato de nós termos ganhado uma medalha de ouro em uma competição tão importante. Foi muito prazeroso e o sentimento de dever cumprido em relação ao que a gente tinha conquistado em Barcelona.
Já ouvi que houve algum deslumbramento por parte dos jogadores naquele ciclo até os Jogos de Atlanta. O quanto essa experiência ajudou o senhor a gerir a equipe feminina no bicampeonato olímpico?
Todas as experiências, lógico, você tira de várias situações que acontecem. Foi normal, eles eram muito jovens, eu também. Ocorreu o que nos deixou uma lição muito grande para todos, principalmente para mim que continuei sendo técnico, mudando de naipe e disputando mais Jogos Olímpicos.
Era um título que a gente só pensava que ia existir nos nossos melhores sonhos
JOSÉ ROBERTO GUIMARÃES
técnico no ouro em Barcelona
Antes de 1992, o senhor imaginou que algum dia seria tricampeão olímpico?
Não. Jamais. Era um título que a gente só pensava que ia existir nos nossos melhores sonhos. A gente sempre via os melhores jogadores do mundo, as melhores seleções no pódio, ouvindo o hino nacional, esses jogadores sendo idolatrados nos seus países, mas chegou a nossa hora em 92 e aquilo foi como se a gente estivesse vivendo um sonho, que ele continua até hoje.
Depois de tantas vitórias, o que lhe faz seguir em quadra, seja na seleção feminina ou no seu projeto em Barueri?
Acho que a primeira coisa é o amor ao esporte, que eu conheci com 13 anos. A paixão com o que eu faço, o que é mais importante para mim, que é representar o meu país em competições internacionais, principalmente nos Jogos Olímpicos, e continuar minha missão de professor, que é de ensinar e tentar fazer com que a nossa juventude, nossa gente, consiga cada vez ser cidadãos melhores.
Alguma chance que em 2052 a gente esteja falando dos 30 anos do primeiro título mundial feminino?
Acho que o Mundial é um sonho distante. Não complicado de ser realizado, mas que a gente sabe da dificuldade, da quantidade de jogos, as equipes que vamos encontrar, mas a gente tem que ter sempre a esperança de que é possível, e trabalhar para que seja possível.