Único treinador tricampeão olímpico na história do vôlei, o brasileiro José Roberto Guimarães apresentou uma das mais concorridas palestras do II Congresso Olímpico Brasileiro. Sob o tema "Transição da Fase de Desenvolvimento Esportivo do Atleta ao Alto Rendimento", ele falou sobre o trabalho como treinador nas seleções brasileiras campeãs nos Jogos de Barcelona 1992 (masculina) e Pequim 2008 e Londres 2012 (feminina), além das derrotas em outras edições, que segundo ele trouxeram importantes aprendizados.
— Lá na seleção masculina, no começo, eu sentia que tinha provar pra eles o porque tinham que acreditar em mim — citou o treinador que hoje tem 67 anos.
Zé Roberto lembrou seus tempos de levantador e suas experiências em outras atividades como fazer ballet ou dirigir clubes de futebol. Segundo ele, toda essa bagagem sempre foi decisiva na sua carreira vitoriosa. Porém, por mais vencedor que seja, ele fez um importante alerta para que não se cai nas armadilhas da vitória, em especial a vaidade.
— Em 1992 ganhamos o ouro com um time fantástico. Tínhamos quatro jogadores que atacavam de todas as posições, as exceções eram o Paulão (central) e o Maurício (levantador), que aliás eu considero o maior de todos os tempos. Porém, todos ficaram famosos, e em 1996 veio a derrota em Atlanta — comentou antes de dizer que "o perigo vem depois do ouro".
O treinador assumiu o comando da seleção feminina em 2003 e desde então a equipe se transformou numa das maiores potências do esporte mundial. Mas para chegar lá foi preciso superar um grande trauma.
"O perigo vem depois do ouro"
JOSÉ ROBERTO GUIMARÃES
Técnico tricampeão olímpico de vôlei sobre como manter um grupo vencedor
— Todos vocês aqui lembram do jogo contra a Rússia em Atenas 2004. Tivemos cinco match points. Era só derrubar uma bola e ela não caiu. Perdemos. Me senti envergonhado de voltar pra casa, tive dificuldades em falar com meus amigos mais próximos. Mas tinha um contrato a cumprir até Pequim — rememorou.
E para ele, o árduo trabalho com o time feminino foi fundamental para tornar a equipe campeã. Em determinado momento, Zé Roberto disse que foi trabalhar no voleibol italiano para conhecer as rivais mais de perto e estudá-las. Dessa forma, junto com sua comissão técnica pode mapear as principais características das maiores jogadoras de outras seleções. No período até os Jogos de 2008, o Brasil perdeu o Mundial para a Rússia em 2006, mas fez 120 jogos e obteve 112 vitórias.
Segundo o treinador para chegar a este nível, foi necessário quebrar paradigmas e aumentar potência de ataque, força, velocidade e altura das jogadoras brasileiras. Zé chegou a lembrar uma conversa que teve com o grupo, já que na preparação para Pequim, em determinado momento, elas sentiram que estavam com o corpo mais musculoso, em virtude do trabalho implementado pelo preparador físico José Elias Proença.
— Foi aí que depois de um treino eu coloquei essa estatística pra elas e fiz uma pergunta: que cor de medalha vocês querem ? A resposta foi o ouro e argumentei que, da forma como estavamos jogando, se diminuíssemos para três sessões de treinos semanais chegaríamos no pódio, sem dúvida. Que com quatro poderíamos disputar a final, mas que para vencer precisavamos manter o nível. Na China, perdemos apenas um set, na final para os Estados Unidos.
O bicampeonato em Londres, segundo Zé Roberto, a maior dificuldade voltou a ser a vaidade. Ele lembrou que a derrota para a Coreia do Sul, ainda na fase de classificação, que colocou o Brasil com pequenas chances de classificação foi decisiva, porque a partir dali as atletas se comprometeram e perceberam que "todo ponto é decisivo".
Aliás, a derrota que veio para a China em 2016, no Rio de Janeiro, ainda incomoda o tricampeão olímpico. Ele lembrou que depois de vencer cinco partidas por 3 a 0, a equipe brasileira perdeu por 3 a 2, com 15/13 no tie-break.
— Apenas dois pontos decidiram a nossa vida no Rio. Dois pontos. Por isso digo que cada ponto é fundamental e que não podemos dar nada de graça.
Sobre a edição passada em Tóquio, Zé Roberto voltou a valorizar o trabalho em uma época de dificuldades e em período de transição de geração. Por isso, a prata tem um valor importante em seu rol de conquistas.
Durante o bate-papo, o técnico que busca o inédito ouro em Mundial para a seleção feminina e que já projeta Paris 2024, também apresentou vídeos com profissionais de outras áreas para falar sobre a transição de juvenil para profissional. Entre eles, o ex-jogador e hoje técnico do time sub-20 de futebol do São Paulo, Alex.
— A transição do atleta é algo muito complexo. É por isso que busquei trazer o depoimento de profissionais que trabalham em diversas modalidades e as dificuldades que eles enfrentam para melhorar o seu atleta. Acredito que serve de lição para todos nós desenvolvermos a saúde mental, física, bem como a parte técnico e tática para que possamos tratar desses pilares da melhor maneira possível, respeitando cada fase e faixa etária do atleta — afirmou ao mostrar os quatro pilares que considera fundamentais para que o planejamento seja bem executado: físico, técnico, tático e psicológico.
José Roberto Guimarães ainda fez parte de uma mesa-redonda sobre a mulher atleta. Mediado pela medalhista olímpica da vela, Isabel Swan, o debate também contou com as presenças de Adriana Behar, medalhista olímpica de vôlei de praia; Tathiana Parmigiano, ginecologista e Adriana Lacerda, psicóloga. Os profissionais falaram sobre as perspectivas do treinamento esportivo, da área médica, da psicologia e da gestão.
A segunda edição do Congresso Olímpico Brasileiro, promovida pela Comitê Olímpico do Brasil (COB), acontece em Salvador e será encerrada na tarde deste domingo.