A seleção brasileira de futebol feminino, que bateu na trave nas Olimpíadas de 2008, tinha Maurine na lateral-direita de um time que encantou o Brasil. A visibilidade daquela medalha de prata no país do futebol mostrava, em TV aberta, todo talento e dedicação de atletas profissionais que não encontravam condições de trabalho em solo nacional. Quase 13 anos depois, Maurine deixou os gramados orgulhosa da trajetória dela, e dessa geração de prata — cujo algumas referências seguem na ativa.
A missão de conquistar o ouro inédito da técnica Pia Sundhage será capitaneada por Marta, seis vezes melhor do mundo, e Formiga, recordista dentro das quatro linhas em participações em Jogos Olímpicos. Maurine, que se aposentou em junho, estará na torcida pelas companheiras, enquanto planeja o novo desafio, agora na vida pessoal: ser mãe. Ela foi a convidada especial do Medalha Olímpica desta sexta-feira (16), em GZH.
— Sempre deixei claro o desejo de ser mãe. Estou com 35 anos e foram 20 vivendo o futebol, acho que chegou o momento certo de parar para dar continuidade a outros sonhos que tenho como mulher — comentou Maurine, complementando:
— Sou muito realizada com o que fiz no esporte, conquistei muitas coisas boas. Amizades, conheci lugares, títulos, sou realizada. Muita gente ficou triste pela aposentadoria, mas tenho meu lado mulher. Queria ter como fazer as duas coisas, ao mesmo tempo, mas não tem condições. Ou parava ou adiava para ser mãe daqui uns anos. Porque está difícil manter o nível com a idade, isso também pesou.
Além da medalha de prata em Pequim, a porto-alegrense Maurine também esteve na seleção que conquistou o ouro no Pan-Americano de Toronto, em 2015, e a prata no de Guadalajara, em 2011.
Veja outros destaques da live Medalha Olímpica com Maurine
Como foi o começo no futebol?
Sou de Porto Alegre, comecei no Grêmio. Antes já jogava na escola, não tinha muita menina que gostasse então jogava no meio dos meninos mesmo. Fomos vendo, eu e a família, que eu gostava. Meu pai foi um grande incentivador da minha carreira.
Como o preconceito afeta a jogadora?
Não é fácil estar fazendo o trabalho e ouvir coisas negativas. Infelizmente, sempre tinha uma ou outra pessoa que dizia que lugar de mulher não é no futebol, mas, sim, na cozinha. Me doía no momento, mas não levava para o coração, porque o mais importante era o que eu e minha família queríamos, e eles me apoiavam a todo momento. Algumas pessoas que me criticaram antes, me agradecem hoje, porque sou uma inspiração. Fiz minha parte, fui uma das que "roeu o osso", desde 2000 quando comecei no Grêmio, então tenho muito chão. Passei momentos bons nesses 20 anos, mas também momentos ruins que me fizeram crescer para ser a Maurine que sou, dentro e fora de campo.
Qual o teu legado e da tua geração para o futebol feminino?
Fico feliz por ter passado pelo que passei e ver que hoje as meninas novas podem desfrutar do que a gente conquistou, enfrentando o que existia. Sinto orgulho de ter feito parte das gerações da seleção e de ver que, hoje, a CBF apoia mais as meninas da seleção e dos clubes. Isso é importante e fico feliz, porque a gente não trabalha só pensando na gente, pensa na modalidade, querendo que ela cresça de uma maneira geral, não só onde nós estamos jogando, mas, sim, em todo país, conquistando este espaço merecido. O futebol feminino merecia ainda mais apoio no nosso país, que é o país do futebol, independente do gênero. Joguei um ano e meio nos EUA e vi a baita estrutura que eles têm. Estou falando de times, imagina seleção. Os clubes são fortes, isso faz diferença dentro de campo. Quando se tem apoio, centro de treinamento, tempo para treinar, isso ajuda muito.
Qual a sensação de ganhar uma medalha olímpica?
É uma experiência única. Só quem tá lá sabe a emoção que é representar uma nação, vestir a camisa da Seleção. Conseguimos com toda força, mesmo com menos apoio que hoje, a medalha de prata. Eu valorizo muito, e infelizmente aqui poucas pessoas valorizam tanto o segundo lugar. Eu sei o quanto o grupo se dedicou pela medalha de ouro, mas tínhamos um adversário que trabalhava tanto quanto a gente e tinha tradição de ter sido campeão mundial, algumas vezes. Faltou, talvez, alguma experiência, para nós, naquele momento. Mas valeu pela conquista. É tão difícil uma medalha numa competição tão curta. Sou muito feliz por ser medalhista com a Seleção, é uma coisa que contarei para meus filhos.
E a interminável Formiga, quão grande é esta figura?
Ela é um exemplo de pessoa. É dedicada, busca sempre ajudar. Fora a experiência, é uma atleta completa. Para mim, ela só não foi a melhor do mundo porque jogou muito tempo no Brasil, mas se tivesse passado mais tempo na Europa chegaria a estar na premiação, sem dúvida. Eu chamo ela de "Formito", porque tem 43 anos e parece uma menina de 20 correndo em campo. São pouquíssimas atletas que performam como ela, menos ainda, com esta idade, no mundo. Mantém a forma, se cuida muito e é centrada, há anos. Brinco com ela para passar a fórmula para as amigas, porque nem o nível do futebol cai. Seria normal que caísse, mas para ela não muda nada, força física e técnica.
Qual tua expectativa para o futebol feminino em Tóquio?
O coração fica a mil até a hora da estreia. Acho que a Pia vai fazer um bom trabalho, tem histórico de títulos. Ela está implementando tudo que sabe e espero que as meninas possam abraçar para que as vitórias venham a cada jogo. São partidas difíceis, é um leão por jogo. Estamos com um grupo jovem, foi feita uma boa renovação. Espero que elas cheguem na final e possam trazer este título inédito. Ainda que a gente não tenha conquistado, e nem esteja mais lá, vou me sentir feliz e representada se o ouro vier.
Quais adversárias podem atrapalhar o Brasil na caminhada até o pódio?
Nessa competição a gente se surpreende. Temos que tomar cuidado com todas, porque, se estão lá, têm condições e trabalharam bem. A Holanda vai dar mais dificuldade, a China é muito organizada… Então, temos que ter pé no chão, colocar o futebol em prática, tudo que treinou, para não sermos surpreendidas. Nós temos que surpreendê-las.
Qual a importância da Duda Luizelli no cargo de coordenação na CBF?
Tive o prazer de jogar contra ela até. Ela entende muito o futebol, é bom ter gente assim para trabalhar pela modalidade. São atletas que entendem e vão acrescentar muito para o crescimento das seleções e do esporte no país.
O que acha da técnica Pia Sundhage?
É a primeira técnica estrangeira que temos. Vem com coisas diferentes, talvez fosse o que faltava para a Seleção, uma treinadora experiente com bagagem em seleções pelo mundo. Creio que vai acrescentar muito, torço para que ela conquiste esse título, que muitos tentaram, mas não conseguiram. Ela é diferenciada, tomara que faça essa diferença com as meninas em campo.
Quais melhorias necessárias na modalidade no Brasil?
Vi em muitos times que joguei: falta de campo para as meninas, tem que dividir com os dos meninos e tem clube que não libera estádio. Já passei por isso, ter que jogar em outros campos, sem poder atuar no oficial do clube. Não pode acontecer mais. É futebol, representa o clube, não tem porque não jogar no campo principal da equipe. Isso tem que ser imediato. Elas são profissionais, têm que jogar nos melhores campos. É difícil trabalhar em campo ruim, porque a cobrança vai vir sempre.
Marta é “tudo isso” mesmo? Como é a convivência?
Sou suspeita para falar, é uma grande amiga e profissional. Uma pessoa espetacular, gosto muito e sou fã. Tive o privilégio e a honra de jogar ao lado dela. Espero que dê mais um espetáculo nas Olimpíadas e seja, de novo, a melhor do mundo. Não gosta de perder nada. Joga tênis, jogo de dado, tudo, e odeia perder. Muito competitiva, uma referência.