Quinze meses depois do anúncio de adiamento dos Jogos de Tóquio, no começo da pandemia do coronavírus, a contagem regressiva para o maior evento poliesportivo do planeta atinge um marco simbólico nesta quarta-feira (23). Ainda cercada de desconfiança, mas sem chance de cancelamento, apesar da forte rejeição da população japonesa, a Olimpíada terá início em 30 dias com uma cerimônia de abertura que será acompanhada por uma quantidade de público limitada no Estádio Nacional da metrópole asiática.
Nos últimos meses, as autoridades japonesas e os organizadores do evento conviveram com uma pressão local contra a realização dos Jogos, mesmo com o começo da vacinação e um cenário que indicava maior controle no combate a covid-19. No fim de maio, o Sindicato dos Médicos do Japão indicou que a união de pessoas vinda de mais de 200 países em um mesmo lugar poderia provocar o surgimento de uma nova cepa do vírus.
Ainda que a situação tenha melhorado ligeiramente (o que fez o governo tirar Tóquio da situação de emergência), já que atualmente a média de mortes por dia está em 50 — em maio, a média chegou a ser de 111 mortes diárias —, a população segue reticente. Ao todo, o país asiático acumula 14,5 mil mortes entre os seus mais de 126 milhões de habitantes.
— O clima está muito diferente do que se previa antes da pandemia. Tóquio sediou em 2019 a Copa do Mundo de Rugby, que é um grande evento esportivo, mas muito menor do que os Jogos Olímpicos. Na época, o clima era de festa. A cidade ficou cheia de torcedores e turistas, havia voluntários uniformizados pelas ruas de áreas mais visitadas. A expectativa era que isso se repetisse na Olimpíada. Hoje, as pessoas com quem conversamos estão no mínimo reticentes com o acontecimento dos Jogos. Há um medo grande de trazer tantas pessoas de todas as partes do mundo para se reunirem no país em meio a uma pandemia — explica Laura Bolze, gaúcha de Montenegro que mora em Tóquio desde 2018.
A impressão trazida pela moradora da capital japonesa é corroborada com a última pesquisa divulgada pela Kyodo News, maior agência de notícias do Japão, que aponta que a maioria da população japonesa (57%) segue contra a realização das Olimpíadas no período previsto, entre julho e agosto, e que 87% dos entrevistados temem que o evento provoque um aumento dos casos de covid-19 no país.
— Parece que Tóquio estacionou em 2020. Vemos sinais e placas com os logos do evento, mascotes da Olimpíada e bandeira de outros países por todos os lados, mas todos os meus amigos japoneses não estão muito animados com a realização dos Jogos. Eu, sinceramente, só conheço uma pessoa que possui ingresso para um evento de canoagem e só vai ir porque não quer perder o dinheiro — relata Diane Hoshino, gaúcha de Porto Alegre e que trabalha na Amazon Web Services Japan.
As restrições mais recentes no Japão, diferentemente de medidas mais rígidas de muitos países, se concentraram principalmente em pedir para que os restaurantes não sirvam álcool e funcionem até as 20h.
Até agora, a vacinação da população japonesa segue a passos lentos. Apenas 7,72% dos japoneses foram completamente vacinados, conforme o portal Our World in Data, projeto ligado à Universidade de Oxford.
Isso faz com que o Japão seja um dos países desenvolvidos com menos habitantes imunizados. No entanto, a vacinação está em crescimento. Os asiáticos têm aplicado mais de 1 milhão de doses nos últimos dias, número significativo frente à outras nações.
Protocolos
Com todo esse contexto, o país asiático prometeu a criação de uma rígida bolha sanitária — como ocorreu durante os playoffs da temporada de 2020 da NBA, liga de basquete americana. A minimização de riscos de contágio da doença dentro do país começa já na chegada ao Japão. Nos primeiros três dias, as pessoas serão testadas diariamente.
A princípio, os atletas e as delegações precisarão se locomover através dos veículos oficiais dos Jogos e não estarão autorizados a usar o transporte público japonês. Haverá restrição ainda nos locais de alimentação permitidos — o que impossibilita a visita a pontos turísticos em Tóquio. O uso de máscaras é também obrigatório, exceto nas refeições ou durante a competição. Os 11 mil atletas não poderão se abraçar, sejam nas disputas ou na Vila Olímpica.
Eles só poderão fazer deslocamentos entre a base das delegações e os locais de treinamento ou competição. As sanções em caso de violação das regras vão de uma simples advertência verbal até a exclusão dos Jogos (o de Tóquio ou até mesmo do movimento olímpico, o que impossibilitaria de participar das Olimpíadas posteriores), passando por eventuais multas. Os esportistas terão que seguir um livro de regras, publicado pela organização na última semana.
Como regra geral da Olimpíada, os atletas serão testados diariamente, com expectativa de que o resultado saia depois de 12 horas. Em caso de resultado positivo, o esportista volta a ser testado, com PCR, dali a no máximo cinco horas, até que o exame seja negativo.
Os protocolos já começaram a surtir efeito. Um membro não identificado da delegação de Uganda, que seria o treinador da delegação de boxe do país, testou positivo para o coronavírus na chegada a Tóquio no último domingo e teve sua entrada negada. O ugandense em questão foi totalmente vacinado e apresentou resultado negativo 72 horas antes da viagem — o que é exigência do Japão. Na terça, os oito atletas da equipe nacional do país da África foram considerados casos de contato e ficarão em quarentena até o dia 3 de julho.
Com público, sem estrangeiros
Uma das primeiras restrições impostas pelos japoneses foi a proibição da entrada de turistas estrangeiros, ainda em abril deste ano. A questão do público nos locais das disputas era uma incógnita até a última segunda-feira, quando foi anunciado que até 10 mil moradores do Japão poderão assistir presencialmente as competições. A organização explicou que o limite será de 50% do local de competição, com o teto de 10 mil espectadores, algo que só deve afetar partidas de futebol, beisebol e softbol, além do golfe.
O presidente da Associação Médica de Tóquio, Haruo Ozaki, em comunicado na madrugada da última terça-feira no Brasil, lamentou a decisão do Comitê Organizador Local e do governo japonês de liberar público. Ainda que o limite seja de 10 mil pessoas em cada estádio, o médico disse ser incompreensível a decisão.
— Em comparação com outros municípios, o estado das infecções em Tóquio não melhorou. Se realizarmos as Olimpíadas daqui a um mês neste estado e aumentássemos o fluxo de pessoas, o número de infectados subiria, e uma carga excessiva será colocada no sistema médico.
Os gritos nos estádios e arenas estão proibidos (para evitar a proliferação do vírus através da saliva), mas os aplausos autorizados.
Existem mudanças efetivas dentro das competições também. Na última semana, o COI aprovou uma regra que permitirá duas medalhas de prata nos esportes individuais. Isso acontecerá caso um dos finalistas da modalidade seja diagnosticado com covid-19 antes da disputa.
Assim, o finalista contaminado não disputará a final e será chamado outro atleta para competir em seu lugar. O pódio, então, terá quatro lugares: o vencedor, com a medalha de ouro; o perdedor da final e o que foi contaminado, com a prata; e o vencedor da disputa de 3º lugar, com a de bronze.
Exigências para jornalistas
Ao contrário dos atletas, os profissionais de imprensa serão testados com menos frequência durante os Jogos, a cada quatro dias. Os jornalistas estrangeiros serão localizados por GPS e, caso descumpram as regras, correm o risco de perderem seus credenciamentos, conforme informado pelo presidente do comitê organizador, Seiko Hashimoto, no começo de junho.
Os quase 6 mil representantes da mídia do Exterior (número previsto) devem indicar uma lista detalhada dos locais onde vão trabalhar durante as duas primeiras semanas em Tóquio, tanto as instalações olímpicas quanto os hotéis.
Até a abertura dos Jogos, o comitê organizador do evento publicará um novo livro de regras com demais regras sanitárias para os jornalistas.
Partiu, Tóquio!
O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) enviou no último dia 17 os primeiros brasileiros para os Jogos Olímpicos. Os precursores da chegada da delegação brasileira no Japão são profissionais das equipes da área de logística e infraestrutura do COB que farão um reconhecimento do ambiente para os atletas e os treinadores a partir do começo de julho. Os primeiros desportistas a pisarem em território japonês serão da canoagem slalom, no dia 6 de julho, conforme programação do comitê.
Acrescida a ansiedade de faltar 30 dias para o começo das atividades em Tóquio, os dias que antecedem o evento trazem preocupação para o COB.
— Inicialmente, estruturamos o nosso plano para Tóquio pensando na melhor adaptação dos atletas ao clima, ao fuso horário e à alimentação. Mas a pandemia exigiu que nosso planejamento fosse ajustado. Além desses aspectos, precisamos ter atenção redobrada à saúde dos atletas, buscando reduzir os riscos de contaminação pela doença. Por isso, nosso foco está 100% em seguir os protocolos de segurança, treinar, descansar e competir — explica Paulo Wanderley, presidente do órgão.
A tentativa de deixar tudo mais próximo da perfeição fez com que o COB reforçasse alguns protocolos, como por exemplo a testagem dos atletas e das delegações.
— O comitê organizador local exige dois testes antes da viagem. Estamos fazendo quatro. A delegação é grande, as situações são muito diversas, e não temos 100% de certeza de que não vai acontecer a contaminação, mas estamos trabalhando para isso — disse Jorge Bichara, diretor de esportes do comitê, em entrevista recente ao jornal Folha de São Paulo.
Apesar da vacinação não ser obrigatória, a maioria da delegação brasileira no Japão deve chegar ao país imunizada. O comitê brasileiro ainda não tem os números finais, algo que só deve ser de conhecimento público dias antes do começo da Olimpíada, mas a expectativa é de que 80% dos brasileiros cheguem com a imunização completa.
Neste momento, o COB tem 272 vagas confirmadas. Ao todo, 33 modalidades têm ao menos um representante brasileiro garantido.