Duas vezes campeã mundial de judô e dona de duas medalhas de bronze olímpicas, Mayra Aguiar está recuperada da cirurgia que precisou fazer por causa de uma ruptura no ligamento cruzado anterior (LCA) do joelho esquerdo, sofrida durante a Missão Europa, período de treinamento organizado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), em Portugal, em setembro do ano passado.
Nesta quarta-feira (14), no dia em que se comemora os 100 dias para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, a gaúcha de 29 anos concedeu uma entrevista coletiva virtual na sede da Sogipa, em Porto Alegre.
Uma atleta bastante descontraída e confiante apareceu diante dos jornalistas que participaram do encontro com uma das principais apostas do Brasil para conquistar uma medalha no Japão.
— Eu estou muito feliz. Estou confiante. Felizmente ou infelizmente, não sei, mas eu estou acostumada mesmo com cirurgias, esta foi minha sétima. Então eu já sei o caminho a seguir, eu sei todas as fases que acontecem — contou a judoca que esteve no pódio em Londres-2012 e no Rio-2016.
Confira como foi a entrevista de Mayra Aguiar.
Cirurgias não são novidade pra você que já voltou de algumas com bons resultados. Como você está depois desse período de recuperação e especialmente tendo que conviver com a pandemia ?
Eu estou muito feliz. Estou confiante. Felizmente ou infelizmente, não sei, mas eu estou acostumada mesmo com cirurgias, esta foi minha sétima. Então eu já sei o caminho a seguir, eu sei todas as fases que acontecem. Mas nesse período que estamos vivendo (pandemia) foi bem mais complicado. Foi um ano bastante difícil o que passei. Eu tive dificuldade em algo que sempre fui muito forte, porque eu sempre me cobrei muito. Então teve um momento em que tive que não me cobrar tanto em algumas situações e tive que aceitar que estava num momento diferente e essa aceitação me ajudou. Eu aceitar o que estava acontecendo comigo. Estava na melhor fase da minha carreira esportiva, com a Olimpíada do lado e veio tudo aquilo (pandemia), aquele pavor, aquela agonia e logo em seguida eu machuquei o joelho. Então pareceu que meu mundo desabou (logo após a lesão). Mas a partir do momento que aceitei, entendi o que estava acontecendo, eu consegui fazer o melhor possível com o que eu tinha. A dificuldade de treinar em casa porque estava tudo fechado. "Vou ter que fazer o melhor com o que tenho agora". E quando aceitei isso, tudo ficou mais fácil, eu consegui me adaptar do mesmo jeito que tinha conseguido em cirurgias e consegui fazer esse caminho, por mais complicado que ainda está sendo. Tem altos e baixos, mas eu consegui me estabilizar, deixar minha cabeça estável e fazer o melhor com o que eu tenho hoje. Faltam 100 dias e estou muito feliz, com energia. Acabei de treinar, foi excelente. Estou cansada, com o corpo dolorido, mas minha cabeça está muito fortalecida. Estou muito psicologicamente e esse vai ter que ser meu diferencial porque lá, elas (adversárias) vão estar melhor fisicamente, tecnicamente, mas a minha cabeça vai estar melhor. Eu tenho que ter mais vontade, tenho que ter esse diferencial. Hoje estou bem porque estou conseguindo trabalhar isso e estou confiante.
Durante a recuperação você fez trabalhos no Rio de Janeiro, no CT do Time Brasil. Qual a importância desse trabalho lá ?
Foi um diferencial também. Fiquei três semanas. Eram pra ser duas, mas estava tendo bons resultados, então adiantei mais uma. Recentemente fiquei mais duas semanas. Estava tudo concentrado muito próximo, hotel, local de treinamentos (CT Time do Brasil). Fazia fisioterapia duas vezes ao dia, massagem. Eu consegui dar um up nesse último momento e fiz muitos exames físicos, clínicos. Fiz um check up no meu corpo e saber o que precisava focar para melhorar e isso me deu confiança para ver que estou bem e eu sei o que preciso melhorar para chegar melhor as Olimpíadas. O mais importante foram esses testes e agora continuar os treinamentos aqui na Sogipa.
Em maio teremos o Grand Slam de Kazan, na Rússia. Essa competição vai marcar o teu retorno ?
O Grand Slam de Kazan é uma competição bem dura. Todas que vão acontecer agora serão bastante difíceis. No ano olímpico todos participam porque querem buscar pontos pro ranking olímpico ou para conseguir uma classificação melhor para ser cabeça de chave. Estamos avaliando se será essa a primeira competição. Teremos um treinamento da seleção em Pindamonhangaba, São Paulo, e eu e os técnicos vamos definir se essa será mesmo a primeira competição. No começo de junho, tem o Mundial em Budapeste e depois os Jogos. E como eu não tive tanto ritmo de competição, a gente deve fazer uns shiais (simulação de luta), aqui na Sogipa ou em Pindamonhangaba. Baixar peso, fazer um dia como se fosse mesmo uma competição.
O que você notou de diferente na recuperação dessa cirurgia em relação as outros que fez ?
O que foi diferente dessa vez e acabou me fortalecendo, porque no começo foi muito difícil, mas as coisas quando vem duras, machucam, me fortalecem, ensinam. Uma das coisas que mais me fortaleceu foi a adaptação. Parou tudo. Cheguei na Sogipa, pronta pra treinar e estava tudo fechado. Foram algumas vezes. Estávamos embarcando pra competir e voltamos pra casa porque fechou tudo de novo, e isso desestabiliza porque estava tudo programado, preparado e mudava de uma hora pra outra. Precisei aceitar o que estava acontecendo e consegui inverter a situação e fazer o melhor que eu podia fazer. Então eu chego nos Jogos com isso na cabeça. Porque vai continuar acontecendo essas situações, de testar positivo, volta pra casa ou até o time inteiro sai. Às vezes, as pessoas me perguntam qual minha estrategia para um luta e eu digo que minha estratégia na hora da luta é estar preparada para qualquer tipo de coisa, o que vier eu tenho que estar preparada. E isso me ajudou a passar por esse momento (recuperação e pandemia). Independente do que fosse acontecer. Chegar mais forte psicologicamente. Eu tenho conversado com os atletas que estão competindo e está totalmente diferente, porque chega fica no quarto, faz exames. A rotina da competição está bem diferente. Eu estou preparada pro que vier. Estou me preparando sem saber o que vai acontecer e estando pronta pra tudo.
" A gente precisa de uma energia boa. O esporte vai muito além de medalhas. Ele traz alegria, felicidade, saúde"
MAYRA AGUIAR
Judoca destaca a importância do esporte em meio à pandemia
Qual a mensagem que você acredita que os Jogos Olímpicos de Tóquio poderão passar para as pessoas ?
Vai ser muito importante pra ter um momento de calmaria, alegria, uma emoção gostosa, uma torcida, um sentimento bom, vai ser importante pra todo mundo. O brasileiro é muito emotivo, torce, vibra, ele vive aquilo. E poder vivenciar tudo isso vai ser uma energia boa. A gente precisa de uma energia boa. São tantas coisa pesadas e o esporte vai muito além de medalhas, troféus. Ele traz alegria, felicidade, saúde. As crianças vão poder assistir e ter o sonho (de estar ), ter objetivos dentro delas. Ter sonhos é muito importante. Não podemos perder isso nunca, por mais que se passe um momento difícil. É acreditar, vibrar, torcer, ter um momento de alegria. Os atletas estão com muita vontade. Eu brinco que "alguém vai ter que pagar essa conta", as meninas vão ter que estar preparadas, porque a gente pode não estar bem fisicamente, mas a cabeça está com muita vontade. Vamos com tudo mesmo. Foi e está sendo um período bastante duro e na hora vai ser emoção batendo mais forte. Meu dia a dia está sendo isso. Acordo e durmo pensando nisso. Nesses 100 últimos dias, os detalhes fazem muito diferença e estou fazendo tudo para dar essa alegria para quem estiver em casa acompanhando.
Como você faz a análise das rivais, trabalho psicológico. O que o COB disponibiliza ?
Na questão de análise por vídeo, eu não vejo tantos quanto eu deveria. Mas como disse, sempre entro numa luta preparada para tudo que possa acontecer e todas as atletas que eu tenho alguma dificuldade, com alguma pegada diferente, eu treino no dia a dia, no tatame . Eu prefiro assim. Nós temos uma equipe técnica, que faz essa análise (de imagem) e passa os detalhes imediatamente. A parte psicológica tem, mas eu prefiro algo mais particular. Gosto de livros de autoajuda, conversar com atletas que passam pela mesma situação. Essa conexão ajuda bastante pra saber que você não está sozinho ali. A parte psicológica eu trabalho dia a dia. Às vezes não estou bem, cansada, mas eu digo que tô bem, eu engano minha cabeça e acaba dando certo. É uma estratégia que tenho. Ser positivo sempre me ajudou para estar equilibrada e fazer o que preciso fazer.