A equipe de Esportes do Grupo RBS promove uma série de matérias chamadas Jogos do Futuro. Além de apresentar entrevistas para discutir o cenário de incertezas para o esporte olímpico no mundo pós-pandemia, também contará a história de atletas que treinam no Rio Grande do Sul e que ou estarão em Tóquio ou brigam para estar. Neste sábado (25), apresentamos Vanderson Chaves, atleta da esgrima paralímpica do Grêmio Náutico União.
O sonho de praticamente todo garoto nascido no Brasil é ser jogador de futebol profissional. Não foi diferente com Vanderson Luís Chaves, nascido em Porto Alegre há 26 anos. Colorado fanático, fez um teste para ingressar nas categorias de base do Inter, mas nunca soube do resultado. Antes disso, um triste episódio mudou sua vida para sempre. Vanderson foi vítima de um tiro acidental por descuido em casa.
— Fazia um curso de informática. Quando cheguei em casa, meu tio estava brincando com um revólver. Acidentalmente, disparou e atingiu o meu pescoço. Caí no chão e já não conseguia mais me levantar, já perdi o movimento das pernas — relembra.
Aos 12 anos, o guri que imaginava uma carreira nos gramados se viu em uma cadeira de rodas. Foi um choque para ele, para a sua família e para todos que o cercavam. Sofreu no colégio, teve de abdicar do sonho de ser jogador de futebol, mas conseguiu superar as dificuldades com o apoio de todos que o queriam bem. Aos poucos, foi recuperando sua vontade e sua autoestima:
— Lembro que até chegar perto da escola, vinha conversando tranquilo com a minha mãe. Chegava perto da escola, eu tremia de nervosismo, assim foi por dois, três meses. Aí depois eu fui me enturmando com outras pessoas, conversando, porque eu sou e não sou tímido, vai da conversa. Daí fui me enturmando de novo e a vergonha foi passando, deixando de lado.
Aos 17 anos, a pedido da mãe, compareceu em uma entrevista de estágio na prefeitura de Porto Alegre, onde conheceu Maurício Stempniak. O encontro mudou a vida de Vanderson novamente. O recrutador perguntou se Vanderson gostaria de conhecer o mundo, praticar esgrima em cadeira de rodas — uma das modalidades paraolímpicas — e, assim, voltar ao esporte. Na ocasião, fez pouco caso. Mas o convite estava feito. Não demorou para o gaúcho se convencer da oportunidade e resolver abraçá-la. Começou na esgrima entre o final de 2011 e o começo de 2012. Em 2013, foi convocado pela primeira vez para a seleção brasileira. Não conseguiu classificação para os Jogos Paraolímpicos do Rio 2016, mas herdou a vaga com a punição da Rússia no escândalo de doping às vésperas do evento carioca.
O esporte paraolímpico propiciou para Vanderson uma vida diferente daquela que o garoto nascido no bairro Bom Jesus sonhava. O futebol deu lugar à esgrima. As chuteiras foram substituídas pela espada e pelo florete. Em vez dos pés, mostra talento com braços. Graças à modalidade, viajou para destinos inesperados do mundo.
— Conheci até países que não imaginava conhecer. Hoje em dia até brinco com meus amigos. Se a gente está vendo algum filme, comento: "Bah, já fui ali". Não tinha essa perspectiva. Até por morar na Bom Jesus, vim de classe baixa, não imaginava. Hoje, não esperava ter essa autonomia toda que eu tenho. Moro sozinho, pago minhas contas. Na verdade, não dependo de ninguém da minha família.
Mas ainda tem uma coisa que falta na carreira de Vanderson, segundo o próprio atleta: uma medalha olímpica em Tóquio, em 2021. Ele está perto da classificação para os Jogos. Ainda faltam duas competições na corrida paraolímpica: a Copa do Mundo e o Regional das Américas, ambas em São Paulo, adiadas em decorrência da pandemia do coronavírus. As disputas devem ocorrer em fevereiro, e basta que o esgrimista complete as provas para garantir sua vaga em Tóquio.
— Meu mundo é a esgrima.
*Colaboraram Paula Menezes e Lucas Bubols