A equipe de Esportes do Grupo RBS promove uma série de entrevistas para discutir os Jogos do Futuro em um cenário de incertezas para o esporte olímpico no mundo pós-pandemia. Nesta quinta-feira (23), conversamos com Ricardo Fort, vice-presidente global de patrocínios e eventos esportivos da Coca-Cola, uma das empresas patrocinadoras dos Jogos Olímpicos.
Como foi a construção da longa trajetória que a Coca-Cola tem com o Comitê Olímpico Internacional?
A Coca-Cola está envolvida desde 1928. No começo, a motivação era ter novos territórios para expandir o negócio. Isso ajudou a impulsionar o negócio da Coca mundo afora. No final do século, muito do trabalho que era feito com o esporte, com as Olimpíadas em especial, era reforçar a presença da marca em coisas importantes da vida. O esporte é uma delas. Hoje em dia, a gente tem muitas atividades com o COI, com os comitês nacionais, que passam por marketing, por desenvolvimento de negócios, por projetos de sustentabilidade e uma série de outras iniciativas.
A gente sabia do risco, da dificuldade da decisão e estávamos informados do que podia acontecer, mas a gente não tem participação. Quando decidirem, por cortesia, informaram aos patrocinadores algumas horas antes da informação ser pública e a gente apoiou a decisão como parceiros do COI.
RICARDO FORT
Vice-presidente global de patrocínios e eventos esportivos da Coca-Cola
De que forma a decisão de adiar a Olimpíada, tomada pelo COI, pelo governo local e pelos organizadores de Tóquio 2020, chegou a vocês? Em março, circularam notícias de que os patrocinadores poderiam exigir que os Jogos fossem mantidos neste ano. Existe influência dos patrocinadores em relação a essa tomada de decisão?
Os patrocinadores olímpicos não têm nenhuma participação no processo decisório do comitê olímpico. A decisão do que fazer com as Olimpíadas, de onde elas acontecem e, nesse caso, do adiamento, são de responsabilidade exclusiva dos membros do COI, que são representantes de todos os países, das federações e, nesse caso, do governo de Tóquio e do comitê organizador de Tóquio 2020. Uma das coisas que o COI fez, muito bem organizado, com os patrocinadores nesse processo todo foram reuniões semanais para manter todo mundo informado do que estava acontecendo. Quando decidirem, por cortesia, informaram aos patrocinadores algumas horas antes e a gente apoiou a decisão como parceiros do COI. O que eles acharem que garante o sucesso para os Jogos, garante o sucesso para a gente também.
Como o adiamento dos Jogos impacta vocês, empresa e patrocinador do evento?
Depende muito de onde você está nesse ecossistema olímpico. Se você é um patrocinador local no Japão, as implicações para as empresas são muito maiores, porque elas têm acesso aos Jogos do Japão e nada mais. Se tem contratos com atletas, pode ser mais complicado. No caso da Coca-Cola, como a relação com o COI é de longo prazo, não só porque começou há muito tempo, mas porque assinamos um contrato recentemente que estende os direitos até 2032, a gente sabe que a promessa do comitê de entregar os Jogos, e os Jogos como valor para os patrocinadores, vai acontecer. Vão entregar um ano depois, mas vão entregar o que tinham prometido. Isso é o que importa para a gente. Obviamente, quando a gente olha a curto prazo, tem implicações logísticas, de deslocamento, de execução que são importantes e a gente está lidando com isso agora.
Pode dar um exemplo?
A Coca-Cola tem contrato local no Japão como um dos três patrocinadores do revezamento da tocha olímpica. O tour iria começar dois dias depois do anúncio do adiamento, então a gente tinha equipe uniformizada pronta para começar o trabalho, os caminhões decorados, os produtos para fazer amostragem estavam gelados, e tudo isso teve de ser colocado em pausa. A gente não sabe como vai estar o espírito das pessoas no ano que vem. Pode ser que o que está acontecendo neste ano tenha impacto na forma como elas veem os Jogos Olímpicos, como elas veem as empresas, o esporte em geral. Temos um projeto de marketing que estava pronto. Ele pode ser lançado no ano que vem, se os nossos consumidores, os japoneses, os nossos fãs entenderem que faz sentido ainda. Se não fizer, a gente faz alterações para refletir como está o comportamento e a cabeça das pessoas depois de passar por esse ano de 2020, que está sendo muito atípico.
Qualquer coisa que falarem que vai acontecer em julho e agosto de 2021 é especulação. É difícil a gente reagir ou ficar preocupado ou não preocupado por uma coisa que é tão hipotética assim.
RICARDO FORT
Vice-presidente global de patrocínios e eventos esportivos da Coca-Cola
Há temor, por tudo que vocês investem, de um cancelamento dos Jogos por não ter vacina contra o coronavírus até o ano que vem?
Qualquer coisa que falarem que vai acontecer em julho e agosto de 2021 é especulação. É difícil a gente reagir ou ficar preocupado ou não preocupado por uma coisa que é tão hipotética assim. A gente não trabalha com essa possibilidade e está fazendo tudo que pode para apoiar o COI e o comitê local para fazermos os Jogos Olímpicos acontecerem da melhor forma possível. Se daqui alguns meses a decisão for diferente, a gente lida com isso depois. Sou otimista, a Coca é uma empresa otimista por natureza. A gente acha que os Jogos vão servir como uma comemoração do fim deste momento que estamos passando e vão ser mais importantes e mais memoráveis pela representatividade que vão ter. O mundo inteiro se reunindo e celebrando algo tão positivo como o esporte.
Você diria que seria uma sinalização de que o mundo começa a andar, depois de ser paralisado em diversas áreas?
Exato. A gente espera que isso aconteça e tenha uma grande festa através do esporte no ano que vem.
Você acredita que o investimento no esporte vai encolher?
Categorias e segmentos do mercado que foram mais impactados agora e que são investidores do esporte devem reduzir investimentos, mas não posso falar de outros mercados. Quando a gente fala do investimento e do mercado da Coca, a nossa participação e o apoio no esporte são imensos, temos diversos contratos no mundo. Temos a expectativa de que eles continuem acontecendo, porque o esporte, apesar dessa pausa, nunca foi tão importante entre as pessoas como vai ser no momento que voltar. Essa abstinência relembrou muita gente que foi apaixonado pelo esporte, e a paixão estava adormecida, o quão bom é ter a oportunidade de ver seu time jogar, seu atleta competir, ter entretenimento na TV mostrando o esporte que você gosta. Isso vai fazer renascer o interesse que existia pelo esporte, então para muitos esportes acho que vai ter o efeito contrário. Mais marcas vão investir no esporte. Hoje em dia, o esporte é um dos melhores investimentos do ponto de vista de negócio para desenvolver as marcas, para dar visibilidade, para gerar conteúdo, para desenvolver mensagens. Tudo isso vai ser ainda mais importante depois do fim desse momento que a gente está passando.
O esporte no Brasil tem excelentes exemplos de administração esportiva e tem exemplos que ainda não estão no padrão que a maioria das empresas internacionais e que alguns mercados mais desenvolvidos estão.
RICARDO FORT
Vice-presidente global de patrocínios e eventos esportivos da Coca-Cola
O esporte brasileiro ainda caminha para a profissionalização. Não existe mais espaço para não ser profissional para que se tenha parceiros do porte de uma Coca-Cola, por exemplo?
Assuntos como governança e boa gestão são fundamentais para atrair parceiros comerciais. O esporte no Brasil tem excelentes exemplos de administração esportiva e tem exemplos que ainda não estão no padrão que a maioria das empresas internacionais e que alguns mercados mais desenvolvidos estão. Mas é um processo normal de amadurecimento. Há cinco, 10 anos, algumas das organizações que a gente lida no Brasil tinham nível de profissionalização muito menor do que hoje. Contrataram pessoas, têm estruturas mais robustas, são capazes de desenvolver conteúdos digitais para os parceiros, isso tudo não existia há alguns anos e a gente vê esse desenvolvimento com otimismo no Brasil. Obviamente tem muito a se fazer, tem muitos clubes mal administrados, muitas federações do mesmo jeito, isso vai acabar gerar um processo de seleção natural, porque o investidor vai sempre olhar as organizações bem administradas para confiar o seu dinheiro na mão de pessoas que vão usar para o bem e ajudar as empresas a crescerem.
Qual a sua mensagem, não apenas como executivo de um patrocinador olímpico, mas de alguém que é amante do esporte, para quem está aguardando a realização dos Jogos de Tóquio?
Para as pessoas que estão envolvidos com o negócio do esporte, patrocinadores, a minha mensagem é de otimismo. O esporte é uma indústria muito resiliente, vai voltar ao que era muito mais rápido do que outras, porque mexe com emoções, com paixão das pessoas que outros segmentos de negócio não têm a chance de se envolver. Por isso a indústria do esporte vai voltar a crescer e vai seguir sua trajetória natural de investimento e crescimento. Para o torcedor como eu, não vejo a hora de ver meu time jogar novamente, porque é uma parte importante para todo mundo que gosta do futebol, faz parte da sua identidade, de quem você é, dos seus relacionamentos. Essa parte grande da nossa vida está faltando, mas vai voltar em breve. Vai ser muito legal ver e poder consumir essa alegria de novo no esporte. A Olimpíada vai ser um marco importante para isso, vai transcender o esporte, mais do que o evento que vai acontecer no Japão, é o mundo podendo se reunir de novo e ter uma sinalização de que a normalidade da vida chegou. Os próximos meses vão ser melhores para os torcedores do que os últimos e isso me dá muita esperança e alegria.