A equipe de Esportes do Grupo RBS promove uma série de entrevistas para discutir os Jogos do Futuro em um cenário de incertezas para o esporte olímpico no mundo pós-pandemia. Nesta segunda-feira (20), conversamos com Rogério Sampaio, diretor-geral do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) sobre os impactos do coronavírus no esporte brasileiro e na projeção para as Olimpíadas de Tóquio em 2021. Até então, são 177 atletas do Brasil que já garantiram vagas para o ano que vem, mas a projeção do comitê é alcançar 270 nomes no Japão.
Para o atleta, qual é o desafio de mudar a chave na preparação de 2020 para 2021?
Realmente é um momento muito difícil para um atleta que se preparou, muitas vezes está entre os melhores do mundo na sua prova. Muito importante lembrar que tivemos um ano de 2019 com conquistas das mais importantes para o esporte olímpico brasileiro. Tivemos a melhor participação do Brasil na história do Pan, tivemos vários atletas campeões do mundo, com medalhas de prata e de bronze.
Estávamos muito otimistas em relação à participação do Brasil nos Jogos Olímpicos e, inclusive, conscientes de que teríamos uma participação melhor do que em 2016, ou seja, teríamos mais de 19 medalhas e mais de sete de ouro. A grande dificuldade para o atleta mudar a chave para a participação em relação à Olimpíada em 2021 é exatamente prolongar essa linha de empenho que já se aproximava do auge da forma física e técnica, caso os Jogos fossem em 2020. Então, isso vai ter que ser prorrogado e do ponto de vista emocional não é só virar uma chave para o atleta, porque o atleta, ao fim de cada ciclo olímpico, também diminui o ritmo de treinamentos, vai curar suas lesões e se preparar para o próximo ciclo, que é sempre duro. A gente observa que o medalhista olímpico, quando muda o ciclo, ele tem, em um primeiro momento, uma queda de rendimento, mas logo em seguida ele volta a crescer.
O que o COB está fazendo para tentar reduzir os efeitos dessa mudança no planejamento?
O COB colocou à disposição de todos os atletas seus profissionais da área de psicologia, de coaching para tentar fazer com que os atletas consigam manter o foco, não caiam nesse momento de isolamento em um processo de depressão ou de desânimo. Importante sempre lembrar que o caminho para uma medalha olímpica é sempre de muitos obstáculos, de muita dificuldade, de superação, de resiliência. Sempre foi assim no esporte e será ainda mais nesses Jogos de 2021, que pela primeira vez na história foram adiados. O atleta que quiser conquistar a medalha vai ter que superar isso tudo.
O que é possível projetar do "novo normal" no esporte?
Esse é um momento de muito aprendizado, não temos total conhecimento e entendimento de tudo que poderá acontecer nos próximos anos caso a gente não encontre uma vacina, então ainda estamos discutindo os retornos aos treinamentos. Mas logo em seguida, quando voltarmos, teremos outra discussão: como serão as competições? É necessário ter aglomeração de pessoas nas competições. É simples falar em competição sem público, mas competições de natação, atletismo, judô são modalidades que geralmente começam cedo da manhã e vão até começo da noite, com a participação da família. Como você deixa um garoto de oito anos o dia inteiro no mesmo lugar sem o acompanhamento do pai e da mãe? Sou muito confiante na descoberta da vacina ainda neste ano e isso vai fazer com que as atividades esportivas possam voltar ao normal.
O que dá para tirar de aprendizado da situação atual?
Ao mesmo tempo, a gente vê que esse momento de isolamento está sendo muito aproveitado por todos os profissionais que trabalham com o esporte, nas áreas de preparação física, nutrição, psicologia, os treinadores, e os próprios atletas em cursos a distância. Uma grata surpresa é o número de atletas que também tem se preocupado nesse momento de isolamento para se preparar, para participar cada vez mais das decisões do movimento olímpico, tanto do COB quando das entidades. Hoje, as entidades olímpicas têm, dentro das suas assembleias, a participação de um terço de atletas, com direito a voto. Os atletas já entenderam a importância de se preparar para ocupar esse espaço, então os cursos à distância, de administração esportiva, enfrentamento ao assédio e ao abuso sexual, estamos preparando agora um curso de enfrentamento ao racismo, temos o curso de gestão para treinadores, os atletas estão procurando muito os nossos cursos para se prepararem. O que eu espero é que tenhamos cada vez mais um grupo de profissionais mais bem preparados e atletas também mais dispostos a participar desse movimento olímpico, podendo participar das decisões com mais profundidade. Então, se por um lado a gente fica um pouco apreensivo, por outro lado fica muito otimista com essas notícias.
Você poderia traçar um paralelo do que você vê hoje e do que você vivenciou nesse aspecto, do atleta ter voz, quando o Rogério foi judoca e campeão olímpico. O que mudou do tempo em que você foi atleta para agora, em que você é dirigente?
É importante a gente lembrar que essa luta para que o atleta pudesse participar mais ativamente de decisões sobre calendário e participação em assembleia (das federações esportivas) é uma luta de muito tempo. É um anseio de gerações anteriores a minha, inclusive. Essas gerações vieram trabalhando para que hoje o atleta tivesse direito de ocupar um terço de assembleia, com direito a voto, podendo opinar no regulamento dos torneios, no calendário de competições. Hoje, a responsabilidade dessa atual geração é se preparar melhor para poder ocupar esse espaço, tendo em vista sempre a necessidade de trazer temas e pautas para o debate que não tenha objetivos pessoais, tem de ser sempre para toda a coletividade, ou da sua modalidade ou dos esportes em geral.
A responsabilidade dessa atual geração é se preparar melhor para poder ocupar esse espaço, tendo em vista sempre a necessidade de trazer temas e pautas para o debate que não tenha objetivos pessoais, tem de ser sempre para toda a coletividade, ou da sua modalidade ou dos esportes em geral.
ROGÉRIO SAMPAIO
Diretor geral do COB
E o no aspecto esportivo, que mudanças você destacaria?
Você me fez lembrar da minha época de competidor, o presidente do CBJ era o professor Joaquim Mamede. Naquela época, nossa estrutura era muito fraca, treinávamos em tatame de palha, com uma lona em cima, e quando competíamos no Exterior era tatame sintético, que hoje temos no Brasil e o mesmo utilizado nos Jogos. Não tínhamos apoio financeiro para fazermos as nossas viagens e treinamentos no Exterior, viajávamos bem menos vezes e competíamos muito menos do que os nossos adversários, mas o judô brasileiro naquela época estava começando a construir uma tradição de conquistas das primeiras medalhas.
Não tínhamos a mesma estrutura, mas éramos cobrados pelos melhores resultados. Então, tivemos um momento, outubro de 1989 até janeiro de 1992, em que a seleção brasileira de judô se afastou das competições, e eu fazia parte. Nosso movimento era liderado pelo campeão olímpico Aurélio Miguel, foi uma batalha muito dura e vários benefícios vieram daquele movimento que pleiteava tudo. A partir dali, o judô brasileiro começou a ter uma melhor estrutura, a ter seletivas, viagens ao Exterior começaram a ser custeadas por patrocinadores e, depois que presidente Paulo Wanderley (hoje à frente do COB) assumiu em 2001, aí sim a modalidade cresceu enormemente e hoje é uma das mais organizadas e com o maior número de praticantes no Brasil.
Assim como outros esportes, o judô se profissionalizou. Hoje os atletas, em sua essência, são profissionais. Na sua modalidade, aqui no RS a Sogipa tem quase a metade da seleção brasileira, com atletas de excelência que estão em uma estrutura do clube. O quanto esse profissionalismo beneficiou e pode beneficiar ainda mais o esporte brasileiro?Aproveitando que você falou da Sogipa, é um clube exemplar para o Brasil inteiro, no caso do judô, a estrutura liderada pelo professor Kiko (Antônio Carlos Pereira), um dos treinadores mais vitoriosos do judô brasileiro e que faz um excelente trabalho com todos os atletas do Rio Grande do Sul. O profissionalismo, tanto das entidades quanto dos atletas e da estrutura existente para que eles se desenvolvam, é fundamental.
O equilíbrio entre todos os atletas no mundo em determinadas provas faz com que as medalhas de ouro, prata e bronze sejam decididas nos pequenos detalhes, tamanho o alto nível de preparação dos atletas. Um exemplo é a prova dos 50m livre na Olimpíada. Se não tiver uma câmera, você não consegue ver quem é o primeiro e quem é o oitavo. Quando a gente transporta esse equilíbrio para outras modalidades, como o judô, as medalhas de ouro, prata, bronze vão se definir no detalhe.
Nesse momento, o profissionalismo, a estrutura bem montada, uma entidade dando suporte na preparação, isso tudo tem reflexo nos pequenos detalhes, que vão definir se o atleta vai ganhar ouro, prata ou bronze ou não vai ganhar medalhas. Tivemos vários atletas que foram grandiosíssimos, mas acabaram não ganhando uma medalha olímpica, isso não os diminuem como atletas, mas às vezes são pequenos detalhes que acabaram faltando, como essa estrutura. É fundamental essa estrutura profissional para que a gente possa conquistar cada vez mais títulos e mais medalhas olímpicas.
Hoje temos uma política de enfrentamento e combate aos assédios sexual e mora para evitar esse tipo de agressão que impacta o ser humano para o resto da sua vida. Assim será também no caso do racismo, que ocorre no esporte brasileiro e mundial, na sociedade, de maneira muitas vezes velada, mas que ocorre
ROGÉRIO SAMPAIO
Diretor geral do COB
Como o COB avalia possíveis punições a manifestações antirracistas de atletas nos Jogos Olímpicos, no Pan-Americano e em outras competições?
Nos últimos anos, o COB levantou uma bandeira e trabalha incessantemente em debates como, por exemplo, os assédios moral e sexual que ocorre não só no esporte, mas em todas as áreas profissionais. Hoje temos uma política de enfrentamento e combate aos assédios sexual e moral para evitar esse tipo de agressão que impacta o ser humano para o resto da sua vida. Assim será também no caso do racismo, que ocorre no esporte brasileiro e mundial, na sociedade, de maneira muitas vezes velada, mas que ocorre.
Estamos trabalhando nesse curso a distância de enfrentamento a esse mal da sociedade. Em relação à disputa do Pan e da Olimpíada, o COB entende que os organizadores desses eventos são a Panam Sports e o COI. Temos confiança de que o presidente Thomas Bach (COI), também ex-atleta e medalhista olímpico, tomará a melhor decisão para o movimento olímpico. O COB vai seguir a decisão dessas entidades e entendemos que toda reivindicação, toda manifestação, é importante. Mas entendemos que também a entidade organizadora deve tomar essa decisão.
Os comitês têm a possibilidade de fazer sugestões ao COI sobre esses temas?
O COI se reúne com as entidades, não só os comitês nacionais, mas também com a comissão de atletas, com as federações (internacionais de cada modalidade olímpica). É escutando todas as entidades que o COI toma as suas decisões. Entendo que essa é uma decisão em que serão ouvidas todas as entidades para a melhor solução possível. O COI tem, nos últimos anos, escutado a todos e dado uma resposta muito rápida a todos os anseios da sociedade e é uma entidade que vem se modernizado, se atualizando. Acho que temos de ter tranquilidade e calma para que a melhor solução seja adotada na organização dos Jogos. Esses movimentos contra o racismo, pela liberdade, têm tomado corpo por toda a sociedade e entendo que o COI não vai ficar de fora desse debate.
Qual é o futuro dos Jogos depois que superarmos esse momento atual?
Essa pandemia deixa uma mensagem para toda a sociedade mundial da importância da atividade física no seu desenvolvimento, da importância do desenvolvimento esportivo na formação de um povo. A gente entende que o esporte traz saúde, isso tudo ajuda no enfrentamento dessa pandemia e de outras que possam aparecer, a alimentação saudável também é fundamental. Sou um otimista, acho que os Jogos continuam com a missão de paz, de envolvimento de todos os povos, de não diferenciação das pessoas por conta da sua cor de pele, pelo nascimento em determinado país, diferença de gênero. A mensagem olímpica fortalece a ideia de igualdade entre todos. Acho que por isso os Jogos devem se fortalecer ao longo dos próximos anos e cada vez mais mostrar sua importância.