O Comitê Olímpico do Brasil segue com o planejamento da Missão Europa, como está sendo chamado o período de treinamentos para atletas e equipes em países europeus entre julho e dezembro deste ano. O objetivo é oferecer a volta aos treinos com segurança aos brasileiros já classificados ou em vias de classificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2021. No momento está previsto o atendimento a 207 atletas de 15 modalidades.
A primeira parada brasileira deverá acontecer em Portugal. O Centro de Treinamento de Rio Maior, um equipamento público-privado a 75km de Lisboa deverá abrigar os primeiros atletas do país, começando com as equipes de judô e vela e logo depois atletismo.
Serão 28 atletas convocados pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), entre eles o triplista Almir Junior, da Sogipa. Com vaga assegurada nos Jogos de Tóquio, ele é uma das esperanças de medalha para o país, que nesta prova já obteve seis pódios olímpicos.
Depois de sonhar em ser jogador de futebol, o mato-grossense veio para Porto Alegre em 2009 e na Sogipa praticou o salto em distância, por quase uma década. Mas em 2017, por influência do treinador José Haroldo Loureiro Gomes, o Arataca, Almir mudou para o salto triplo e passou a fazer história. O ponto culminante seria no próximo dia 4 de agosto, quando ele disputaria as eliminatórias da prova, no Estádio Olímpico de Tóquio.
A pandemia de covid-19 forçou o adiamento dos Jogos e gerou uma frustração em Almir Junior, que aos poucos começa a voltar aos treinamentos e que vê uma grande oportunidade de aprimoramento no camping que será oferecido pelo COB em Portugal. Em entrevista ao programa Gaúcha2020, da Rádio Gaúcha, neste sábado (20), o atleta de 26 anos falou sobre como superou a decepção para chegar ainda mais forte em 2021 e realizar o grande sonho de sua vida.
Como foi para você ter que enfrentar esse período sem treinos e especialmente ter adiado o sonho de disputar uma Olimpíada ?
— Um momento difícil por tudo que o mundo está passando, com momentos de incertezas e dúvidas. Particularmente foi frustrante por ser um trabalho que estava sendo feito por dois anos. Muita dedicação para chegar nesse momento, para chegar bem. Eu nunca me preparei tanto para uma competição, como estava para a Olimpíada e nós estávamos conseguindo isso. Ainda estava numa fase inicial e eu iria começar a competir logo depois de tudo paralisar. E isso é frustrante porque você vê todo o teu trabalho e da equipe sendo jogado no lixo. Nós nem competimos. Nos preparamos bem para ficar em casa. Mas é um momento em que tem que deixar de ser egoísta e aceitar que a decisão tomada foi certa. Mas claro que por tudo que foi feito até aqui, ainda segue um sentimento de frustração.
Você passou por um período de férias. Como foi desacelerar e deixar para trás tudo que havia sido feito ?
— O treinamento tem planejamento de ciclos para atingir o ápice na competição. E a preparação era para chegar muito bem na Olimpíada. Eu tive que desacelerar, parar tudo e agora os objetivos estão distantes. Primeiro defender o vice-campeonato mundial indoor em março do ano que vem e depois tem a Olimpíada. Foi bom para recuperar do treinamento, o salto triplo é uma prova muito traumática. Então esse tempo foi para zerar e recomeçar com tempo, paciência e tranquilidade e para superar a frustração. Eu tirei umas férias, com a família no Mato Grosso, na fazenda com a família, não fazer o isolamento sozinho aqui. Lá retomei os treinos e aqui na Sogipa estamos recomeçando a programação, até porque não se sabe quando vão acontecer as competições. Agora é fazer uma preparação ainda melhor do que já foi feito.
Mas ao menos você tem a vaga olímpica assegurada....
— Para quem busca uma vaga olímpica é um cenário horrível. Porque não sabe quando vai ter competições, o que será classificatório. Se eu tivesse que ainda buscar a vaga, eu não teria tirado férias. Mas já classificado eu me dei ao luxo de descansar e já me preparar 100% focado nos Jogos e nas competições importantes e isso é essencial, sem pensar em vaga, índices, ainda mais num momento de incerteza das competições.
O COB prepara a Misssão Europa, ação que vai enviar mais de 200 atletas para o exterior entre julho e dezembro. Qual a importância deste trabalho para você ?
— Isso é uma atitude muito legal do COB e demonstra a preocupação que eles tem com os atletas. Essa oportunidade de ir para um país mais tranquilo (Portugal), com uma preocupação não tão alta com a covid-19, isso é muito bom para que possamos nos concentrar e focar nos objetivos, sem essas preocupações de sair de casa, o treinador (Arataca), a família correr riscos. O grande objetivo disso é focar nos treinos e nas competições que virão. A viagem deve ser até o final da primeira quinzena de julho.
O local escolhido, em Rio-Maior, também servirá de base para os Jogos de Paris 2024. Será uma preparação dupla ?
— Eu já conheço o CT em Portugal. No inverno aqui, geralmente a gente vai para lá. É um local com infraestrutura absurda e que proporciona treinar da melhor forma e seguir pensando em defender o pódio no mundial e a Olimpíada, logo depois. E melhor ainda saber que será local de aclimatação para Paris 2024. Assim você já tem dois focos e ainda mais num lugar conhecido para que se possa usufruir do local, da cidade. E sabendo disso fico mais a fim (motivado) ainda.
Em março de 2021, você vai disputar o Mundial Indoor, na China. E depois terá a Olimpíada em Tóquio. Quais as grandes diferenças na preparação para provas em ginásios fechados e ao ar livre ?
— O vento é a grande variável, sem dúvida. Mas o indoor é um temporada mais curta e exige uma preparação diferente, tem que otimizar o tempo para chegar bem. E isso dificulta para alguns atletas, além de você ter que fazer duas temporadas num ano e necessitar de dois picos, um para cada. Além disso, o espaço de corrida é um pouco curto por ser mais justo, a pista é menor. O corredor de saltos não consegue o mesmo número de passadas do que no outdoor. Eu corro com 18 passadas lançadas. No indoor eu corro com 16, 15 e até 14, em algumas pistas, por não ter espaço para a corrida completa. Mas a dificuldade maior é sustentar dois picos numa temporada, para ir bem no indoor e seguir no outdoor, onde tem mais competições.
"A Mayra é uma das maiores atletas do Brasil"
ALMIR JUNIOR AO FALAR SOBRE COMPANHEIRA DE SOGIPA E DONA DE DUAS MEDALHAS OLÍMPICA
Ao ouvir Tóquio, qual a primeira coisa que vem à sua cabeça ?
— Não tem como dizer que não é uma medalha. Eu venho trabalhando muito bem pra isso. É o meu sonho e da minha equipe. E nós temos condições reais para isso. Dizem que tem males que vem para o bem. E com o adiamento, eu vou para minha terceira temporada no triplo. Sou o mais jovem dos triplistas e sou o que mais tem a ganhar com isso. Eu ganhei mais um ano de experiência. E ficou algo pessoal. Me preparei tanto para esse ano que tenho chegar melhor ainda (em 2021) ainda em Tóquio e vou seguir trabalhando para conseguir.
Você vai para sua primeira Olimpíada e sempre se fala em pressão, em gigantismo do evento. Como você aproveita a experiência de outros atletas do clube, como a Mayra Aguiar, que já disputou três vezes os Jogos e tem duas medalhas ?
— A Mayra é o maior exemplo que nós temos não só Rio Grande do Sul. Ela é uma das maiores atletas do Brasil. Tem duas medalhas olímpicas, um currículo invejável. Ela participa dos Jogos Pan-Americanos desde os 17 anos, uma bagagem absurda. Sempre que possível a gente conversa. Ela é muito receptiva, me ajuda. Já falamos sobre Olimpíada, ela disse que a primeira é muito difícil. Na Sogipa temos muitos atletas e estou sempre conversando com eles. E pegar a experiência de quem já participou para saber o que é mais difícil, questão de horário, tamanho do evento e isso ajuda, ouvindo essa experiência. Tento conversar muito com esses atletas para não ser pego de surpresa no momento.
Mesmo com pouca experiência você tem uma prata no Mundial Indoor de 2018, foi finalista do Mundial de Doha em 2019 e quarto no Pan de Lima, além de estar entre os primeiros do ranking mundial. Qual o segredo ?
— Eu gosto muito de grandes competições. A Olimpíada é a grande competição da minha vida e eu gosto disso. Esta sensação me faz bem, principalmente para que eu treine todos os dias pensando na grandiosidade do evento e do tanto que vou ter que me preparar para isso. Porque é a competição, a Olimpíada. Se eu errar terei que esperar mais quatro anos. Aqui tem o Fabrício Romero, o Jorge Teixeira (atletas que disputaram os Jogos Olímpicos), que me ajudam muito. A gente sempre conversa para que eu possa aprender com o que eles já viveram.