O destino de Nelson Ilha parece ter sido traçado no final da década de 1950, quando nasceu. Ainda criança, do quintal de casa, colocava nas águas do Guaíba o barco da família, na praia de Ipanema, em Porto Alegre, acompanhado do pai. O resultado não poderia ter sido outro: além de velejador, tornou-se juiz de competições da vela. E nada amadoras. Em 2016, aos 58 anos, prepara-se para sua sexta Olimpíada como autoridade do esporte - antes, em Barcelona-1992, compareceu ao evento como responsável por uma revista sobre o tema.
– A semelhança já começa pelo meu nome. É Nelson Horn Ilha. O primeiro é do almirante Nelson (oficial da marinha britânica na época de Napoleão), o segundo lembra o Cabo Horn (encontro entre o Pacífico e o Atlântico, conhecido pela dificuldade de navegação) e o terceiro é Ilha, que nem precisa dizer por quê – diverte-se ele, em conversa com ZH, no clube Veleiros, o qual frequenta desde os 13 anos.
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Tranquilidade é palavra ideal para descrever o semblante de Ilha quando fala sobre a experiência olímpica. Depois de Atlanta, Sydney, Atenas, Pequim e Londres, poucas questões o preocupam para a disputa no Rio de Janeiro. Acredita que nem mesmo a poluição da Baía de Guanabara, tão debatida entre entidades e atletas, poderá tirar o foco da disputa. Sobre o tema, admite que há medidas a serem tomadas a tempo dos Jogos, mas ressalta que já conviveu com águas problemáticas como na Olimpíada de 2008, na competição em Qingdao (China).
– Existem medidas paliativas que incluem as que foram utilizadas para o Pan Americano. Como os "eco-boats", que puxam o lixo para dentro e recolhem, as barreiras de contenção, tratamento biológico. Mas existem algumas ações que eles precisam dar um jeito. Por exemplo, tem um emissário que larga dentro da Marina da Glória, e é grotesco. Onde estão todos os barcos, tem o esgoto ali. Tem que resolver. Mas a imprensa internacional bateu muito nisso, até mais que a nacional, e os dois eventos-teste que tiveram foram um estrondoso sucesso, inclusive com golfinhos na Baía de Guanabara – pontua.
Uma das soluções debatidas no ano passado era a da transferência da competição da vela para Búzios. Ilha admite que a cidade localizada na Região dos Lagos do estado carioca é melhor para velejar. No entanto, ressalta que, com a permanência da Baía de Guanabara, todos os esportes olímpicos serão praticados em áreas próximas, o que dará brilho ao evento.
– Se você for olhar a China, que fez em Qindao (2008), não era o melhor lugar para velejar. Talvez o pior, inclusive de poluição. Mas a cidade bancou o negócio, bancou a grana, e isso faz diferença. O problema lá eram as algas, umas fitas verdes, que tinham mais de quatro ou cinco metros. Se aquilo pegava num barco, parava o barco. Eles contrataram pescadores que passavam redes lá e, depois, você via na marina montanhas de alga, que um caminhão vinha para tirar, e aí deixava a raia razoavelmente despoluída.
Do tempo em que começou até agora, destaca a profissionalização dos atletas como principal mudança. Antes dos anos 1990, avalia ele, muitos competidores não precisavam sacrificar a rotina ou abrir mão de tarefas fora do mundo esportivo para ter bom desempenho nos Jogos. Hoje, o nível de exigência subiu - com isso, para os árbitros, também é de bom tom que estejam em constante reciclagem e evolução.
A atuação nas competições se dá em três frentes: nas regatas, o juiz precisa estar atento a uma regra, a da propulsão. O velejador só pode aproveitar o vento e as ondas para o barco andar – é proibido, por exemplo, remar, balançar o barco ou qualquer ato que altere o que mandam as forças naturais. Em muitos casos, os atletas contestam alguma situação de prova após ela ter sido finalizada. Então, é preciso uma audiência, com a participação dos juízes, quando eles ouvem testemunhas e são apresentadas evidências, e aí há um veredito. Por fim, na regata da medalha, a decisão é tomada após a chegada dos barcos e não há contestação posterior.
Mesmo após uma década de Olimpíadas como juiz, Ilha não abandona o lado competidor. A vela, para ele, representa dois corações. Divide-se entre a paixão de ser um velejador e a de ser um juiz. Quando pode, "escapa" com a família para participar de competições em diferentes países. Após a Olimpíada, por exemplo, tem como destino o Canadá. Até por isso, declinou o convite para ser árbitro da Paralimpíada. Neste caso, não houve jeito: a paixão de esportista falou mais alto.
*ZHESPORTES