O sucesso da Copa do Mundo não autoriza que Andrei Augusto Passos Rodrigues relaxe. Desde 2013 à frente da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, este gaúcho de 45 anos conduz a operação para garantir Olimpíada e Paraolimpíada sem incidentes. Missão dificultada em um cenário com ameaças de ataques terroristas.
Adepto da preparação minuciosa, de testes em cima de testes, Andrei garante que o Brasil está pronto. Nos últimos anos, sua equipe enviou observadores a competições, trocou informações com polícias estrangeiras e terá um centro de combate ao terrorismo para os Jogos, esforço complementado pela expertise adquirida nos eventos que o país sediou.
Natural de Pelotas, com 22 anos de serviço público e 14 de Polícia Federal, Andrei atuou como delegado no combate ao tráfico de drogas, crimes fazendários e de colarinho branco. Em 2010, chefiou a segurança da então candidata Dilma Rousseff. Após um período como adido na Espanha, foi escolhido pela presidente para comandar a secretaria.
Lotado em Brasília, ele vive na ponte aérea com o Rio. A menos de cem dias da abertura da Olimpíada, em 5 de agosto, o centro integrado de comando e controle nacional está funcionando, com câmeras, monitoramento e informações de todas as instalações dos Jogos.
O primeiro desafio é garantir o tour tranquilo da tocha olímpica, a partir de terça-feira, que começa a materializar a estratégia registrada em um plano entregue ao Comitê Olímpico Internacional quatro meses antes do início das competições. A ação envolverá 47 mil profissionais das forças de segurança pública e outros 38 mil das Forças Armadas, responsáveis pela integridade de mais de 10 mil atletas, dezenas de chefes de Estado e milhares de espectadores.
– O Brasil virou referência internacional para realização de grandes eventos. O caminho indica que, no Rio, teremos outro evento com segurança – afirma Andrei.
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O que é mais complexo: garantir a segurança da Copa do Mundo, com 12 sedes, ou da Olimpíada, concentrada no Rio?
Os Jogos são muito mais complexos. São mais de 200 países e mais de 10 mil atletas só na Olimpíada. Temos 42 campeonatos mundiais ocorrendo paralelamente. Por dia, saem da Vila Olímpica 1,5 mil vans ou ônibus com atletas, num total de 30 mil saídas. Na Copa, havia deslocamento das seleções para treinos, hotéis e jogos em determinados horários. Nos Jogos, o parque abre às 6h e só se encerra no final da noite. A intensidade é maior.
A segurança na Copa foi um sucesso. É possível repetir nas Olimpíadas?
Sim, porque o Brasil viveu um período de grandes eventos, com Copa das Confederações, Jornada Mundial da Juventude, Rio+20. É uma sequência que chega ao ápice nos Jogos. Não trabalhamos com planos abstratos, nós falamos de coisas que fizemos há dois anos, que servem de base. É importante dizer: o fato de ter dado certo na Copa não dá conforto algum. Temos infraestrutura e profissionais mais experientes, tudo indica que teremos outro evento com segurança.
A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) admitiu que o Brasil pode ser alvo de um ataque do Estado Islâmico. Mudou a preparação para evitar atentados?
Não divulgo dados, porque eles são estratégicos. Tampouco posso comentar esse episódio. Nosso trabalho é consistente. Temos análises de risco para todas as delegações e protocolos em todas as áreas de competições. Nossa preocupação é garantir a segurança de todos: atletas, torcedores, trabalhadores e chefes de Estado.
Os Jogos têm histórico de ataques, e o esporte recentemente teve episódios de atentados, como na França. Isso preocupa?
Temos mapeados os principais riscos, dentre eles o de atentado terrorista. O Brasil não tem histórico de ataques, e o nosso trabalho é incessante para seguir assim. Trabalhamos com troca de informações entre polícias. Na Copa, estiveram no Brasil policiais de 40 países. Nos Jogos, teremos policiais de 55 países. Ainda teremos a criação de um centro específico antiterrorismo, coordenado pela Polícia Federal, que vai trazer policiais com expertise no tema.
A cooperação será suficiente?
Temos contato com a Interpol, que recebe dados de 190 países. Criamos um programa de observadores, no qual enviamos policiais para eventos como Tour de France, Maratona de Boston, Pan de Toronto, Super Bowl, Assembleia Geral da ONU, Mundial de Atletismo. Onde houve evento importante, havia policiais brasileiros colhendo informações.
No caso dos ataques, muito se fala no lobo solitário. Por que é difícil identificá-lo?
Não gosto desses rótulos. O terrorismo tem várias facetas, e temos de estar prevenidos. A prevenção se faz com capacitação, treinamento e cooperação internacional. Acabamos um treinamento com os Estados Unidos, da Divisão de Segurança Diplomática com a nossa área de inteligência.
Houve na Copa um cuidado com os barra-bravas, a maior parte da Argentina. Qual perfil exige maior atenção nos Jogos?
Esse mapeamento faz parte da cooperação internacional, na formação da black-list. Todas as informações são úteis na avaliação de admitir ou não o ingresso de determinada pessoa no Brasil. No caso dos barra-bravas, as autoridades argentinas nos repassaram as informações e entendemos que eles não deveriam entrar no país. Um entrou, foi preso e deportado. Também teremos uma atenção contra o turismo sexual.
Outra preocupação da segurança no Rio é a criminalidade decorrente do tráfico, não?
A criminalidade urbana é um risco mapeado, não só no Rio, pois há cidades de aclimatação para delegações e competições em outras cidades. Temos um trabalho afinado com o Estado e o município do Rio. Não é o primeiro evento que a cidade recebe. Teve final de Copa do Mundo, Rio+20, visita do Papa, todo ano tem Réveillon e Carnaval. Há tradição de grandes eventos, todos com segurança.
A final da Copa é o momento mais delicado do evento. Qual seu equivalente na Olimpíada?
É a abertura, sem dúvida. Reúne chefes de Estado, atletas, mais de 6 mil artistas e 30 a 40 mil espectadores. Em todo grande evento, o começo é sempre um momento de tensão, porque há um esforço absurdo para que tudo dê certo. Só vou conseguir relaxar quanto terminar a Paraolimpíada, em setembro.
Como está a preparação do Brasil faltando pouco mais de três meses para a abertura?
O Brasil demonstra maturidade, e o Comitê Olímpico reconhece a qualidade da preparação. Já entregamos ao COI todos os planos operacionais de cada instalação. O Maria Lenk, que receberá a natação, por exemplo, tem um plano próprio com 17 anexos, que envolve a vida da instalação: horários, tipo de competição, plantas, mapas, vulnerabilidades e meu plano com posicionamento de efetivo. Isso a gente reproduz em 54 planos. A quatro meses dos Jogos, temos tudo pronto.
Qual foi a avaliação dos eventos-teste?
O Comitê Olímpico tem cinco principais eventos usados para testes. Fizemos quatro e falta o quinto. A avaliação foi muito boa, sentiu-se como vai ser o padrão dos Jogos. Recebemos a avaliação do COI, que fez uma pesquisa com espectadores, na qual a segurança levou nota 8. Foi a melhor nota dos itens avaliados pelo comitê.
A instabilidade política do Brasil atrapalhou ou atrapalha a preparação?
Trabalhamos com instituições sólidas. Todo nosso efetivo é composto por servidores concursados, temos um projeto de Estado. Tivemos dois ministros da Justiça em pouco tempo, e isso em nada alterou o planejamento.
Nas cooperações internacionais, perguntam ao senhor quem será o presidente do Brasil em agosto?
Tive vários encontros bilaterais e reuniões com vários países. Todos têm serviço diplomático e acompanham a situação do Brasil. O importante é que todas as unidades percebem, na nossa preparação, segurança e maturidade.
A tensão social, provocada pela crise política, preocupa para os Jogos?
Nós não toleraremos violência em manifestações. É um dever nosso garantir a liberdade de expressão, mas com manifestação pacífica e ordeira, legítima em países democráticos como o nosso. Se alguém se aproveitar desse ambiente para cometer crimes, é um dever nosso de atuar e coibir.
Como garantir o deslocamento de 80 chefes de Estado em uma cidade tomada por turistas e atletas?
Na Rio+20, havia mais de 80 chefes de Estado, durante a Copa, estiveram 40 no Brasil. Existe um grupo de trabalho específico só para a cerimônia de abertura, que identifica roteiros, formas de deslocamento, análises de risco. Já fizemos isso e estamos pronto para repetir.
A Copa de 2014 teve algum momento crítico para o senhor?
Quando a Alemanha fez o quinto gol, que a gente viu que não tinha mais volta (risos). Naquele momento ficou uma apreensão diante de possíveis conflitos, mas a derrota foi tão impactante que ninguém teve ânimo nem para protestar. Houve tensão até começar o evento, a relação nem sempre foi confortável com a Fifa.
Por quê? É mais fácil lidar com o COI?
O Comitê tem organização melhor, corpo mais técnico e preparado. A interlocução é mais qualificada com o país sede.
Qual o perfil do turista que virá ao Brasil?
Tem-se ideia pela venda de ingressos. Historicamente, EUA são um grande cliente. Também virão nossos vizinhos sul-americanos pela proximidade. A estimativa é de que teremos em torno de 700 mil turistas estrangeiros, sendo que, na Copa, foi um pouco mais de 1 milhão. O perfil do visitante dos Jogos é diferente. São muitas pessoas que gostam de apreciar o esporte, sem aquela paixão do futebol. Quem vai à ginástica, por exemplo, vai para admirar um esporte de elite, uma bela apresentação.
Muda a operação de segurança para atletas valiosos, como Usain Bolt?
Teremos estrelas do tênis e do futebol, o próprio Bolt, a seleção de basquete dos EUA. As delegações também têm seus protocolos de segurança. Há uma operação especial para a Vila Olímpica, os atletas só deixam o local em veículos inspecionados e varridos, e só param para treinar ou competir.
Como será a segurança da Vila Olímpica?
Ela é toda vigiada por profissionais de segurança pública, com controle de acesso, que usa portal e raio-X, como nos aeroportos. A vila é um grande condomínio de apartamentos, um condomínio de um bom padrão, que tem seu muro de proteção e mais um cercamento. Tudo é monitorado com câmeras.
O que mudará no controle de fronteiras terrestres e nos aeroportos?
Haverá reforço na área de imigração e maior controle em rodovias e faixas de fronteiras, como ocorreu na Copa do Mundo. Também haverá reforço de efetivo nos aeroportos, com um procedimento próprio para chefes de Estado e atletas, que precisam despachar equipamentos de competições. Na fronteira, contamos com auxílio da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Ministério da Defesa.
Há 10 anos, o senhor imaginava que o Brasil realizaria grandes eventos com sucesso?
Muitos duvidaram que o Brasil fosse capaz de fazer grandes eventos. Dias antes da Copa, revistas diziam que seria um fiasco. Uma revista alemã tinha uma capa com uma bola de fogo caindo no Rio. Depois, ela pediu desculpas em uma notinha de rodapé. São ondas. Nos Jogos, se vê as ondas em menor intensidade, pois os testes são feitos, temos obras no prazo, segurança definida. O Brasil hoje é referência internacional em segurança de grandes eventos.
O Brasil virou modelo?
Fui convidado pela Interpol, num projeto em parceria com o Catar, para criar um banco de dados de boas práticas em grandes eventos. Japão, próxima sede dos Jogos, e Rússia, sede da Copa, virão ao Brasil acompanhar nossa operação. A Eurocopa na França segue muitas coisas que fizemos aqui, fui a Paris a convite do governo para explicar o funcionamento da secretaria. Eles adotarão algo muito similar, com centros de controle.
Os Jogos encerram a leva de grandes eventos. Qual o futuro do senhor?
A secretaria foi criada com data para ser extinta, em julho de 2017. É o tempo de se fazer o fechamento e o repasse do legado. Eu sou delegado da Polícia Federal. Com muito orgulho voltarei à minha casa.
O senhor se imagina voltando às investigações de tráfico e crimes fazendários?
É o meu trabalho, sou policial, gosto de fazer isso, sempre trabalhei na área operacional. Não recebi convite para atuar em outros órgãos. Minha missão é entregar os Jogos com segurança.
Muito se falou do legado da Copa. Que legado deixará a secretaria?
Fica o patrimônio para os Estados. Da Copa, o centro de comando e controle está funcionando no Rio Grande do Sul, construído com recursos da União. Também fica o treinamento para os policiais. Desafio aquele que mostre um parafuso que investimos que não seja útil para o patrimônio da segurança. Aqui em Brasília, a estrutura da secretaria passa a integrar o Ministério da Justiça.
Uma mazela do futebol brasileiro é a briga entre torcidas. Como resolver o problema?
Dentro dos estádios, o clima já é mais tranquilo. Ainda tem muito confronto nas ruas. Não é uma medida simples, se fosse já estaria resolvida. Exige presença de Estado, dos clubes e das federações. Exige punições severas. Os clubes precisam colaborar, não podem receber os brigões como associados ou dentro das organizadas, dando benesses. Se ficar só por conta da atuação das polícias, será aquele prende e solta que não resolve. O Brasil precisa olhar exemplos bem-sucedidos, como Inglaterra e Espanha.
Qual a sua opinião sobre consumo de bebida alcoólica nos estádios? Na Copa, era permitido.
O melhor é proibir. Uma das situações que potencializa brigas nos estádios é a ingestão de bebidas alcoólicas. Quem quiser beber e ver futebol, que vá ao bar. Na Copa, o público é distinto do dia a dia dos estádios brasileiros, não tem aquela paixão clubística que, por vezes, é raivosa, não tem rivalidade local. A Copa teve confusões pequenas, algumas pelo excesso de bebida.
O senhor fez a segurança da presidente Dilma Rousseff, então candidata, na campanha de 2010. Como foi trabalhar com ela?
A presidente é uma pessoa muito disciplinada e compenetrada, isso ajudou bastante no nosso trabalho. Ela marcava agenda às 6h e chegava no horário para começar as atividades. Por três meses, foi tudo muito intenso, com equipe pronta 24 horas. Se ela iniciava a agenda às 6h, nossa equipe chegava antes. Era normal a agenda ir das 6h até meia-noite.
Quais as dificuldades para garantir a segurança de um candidato com chances de ganhar?
A dificuldade do candidato está no paradoxo que se estabelece entre segurança e proximidade. Na segurança de um chefe de Estado, você faz área de isolamento, um cordão ostensivo, e ele não tem contato com público. O candidato, ao contrário, quer o contato público para conquistar votos. Essa é a maior dificuldade, conseguir conciliar o interesse do candidato e sua segurança.
Como delegado da Polícia Federal, o senhor acredita que a Operação Lava-Jato poderá ser barrada pela política?
Esse tipo de comentário é uma avaliação de quem desconhece como funcionam as instituições, que são maduras no nosso país. A Polícia Federal conta com profissionais de alto nível. Ela faz um trabalho técnico e jurídico, que busca autoria e materialidade de crimes. Isso é feito independentemente do interesse político. Podem tentar interferir, mas a seriedade da instituição ficará acima.