Aos 26 anos, Daniel Cargnin carrega consigo uma força e uma obstinação impressionantes. Além de ser um dos melhores judocas do mundo nos últimos quatro anos, o medalhista de bronze na categoria até 66kg nos Jogos de Tóquio subiu de peso após os Jogos de Tóqui e deu início ao novo ciclo olímpico nos 73kg. Os resultados chegaram rapidamente e logo no primeiro ano, ele foi bronze no Campeonato Mundial e ouro no World Masters, a segunda competição mais importante do mundo.
Em 2023, no tradicional Grand Slam de Paris, ele foi prata. Um início de ciclo na nova categoria, de forma arrasadora. Mas em abril do ano passado, uma hérnia discal com compressão das raízes nervosas o forçou a passar por uma cirurgia. O retorno ocorreu três meses depois, com o título do Campeonato Pan-Americano e tudo parecia correr bem. E no dia 29 de outubro, nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, ele sofreu uma nova lesão: uma entorse no tornozelo esquerdo durante a luta semifinal e ficou impedido de disputar a final contra o também brasileiro Gabriel Falcão. O diagnóstico pesaria nestes últimos nove meses de preparação para Paris. Ele foi avaliado pelo departamento médico da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) e do COB e foi constatada uma fratura na fíbula, o que levou o judoca da Sogipa a se submeter a uma cirurgia.
Na atual temporada, foram apenas três competições e 11 lutas. Ele caiu nas oitavas de final do Grand Prix da Áustria, foi prata no Campeonato Pan-Americano e terminou em quinto lugar no Campeonato Mundial, disputado em Abu Dhabi, quando competiu com a bandeira do Rio Grande do Sul no quimono, como forma de homenagear a população gaúcha após as enchentes de maio. Assim como outros atletas, Cargnin também prestou socorro às vítimas e se viu envolvido emocionalmente com o episódio climático que arrasou o Estado.
Sexto colocado no ranking mundial, Daniel Cargnin está no rol dos candidatos ao pódio em Paris. A delegação brasileira já tem parte da delegação treinando em território francês, mais precisamente em Sainte-Geneviève-des-Bois, cidade nos arredores de Paris e que recebe o judô brasileiro para períodos de treino há 16 anos. E foi lá, no Dojo Gérard Bailó, do SGS Judo Club, que o ex-lateral-direito das escolinhas do Grêmio conversou com a equipe do Grupo RBS.
É possível dizer que aqui (em Sainte-Geneviève-des-Bois) vocês estão em casa?
Aqui é um lugar que durante o ciclo nós viemos bastante. No Grand Slam de Paris que eu participei, fui prata e a gente estava aqui também. Então traz boas recordações. A recepção, eles são muito carinhosos com a gente. Em outros momentos, eles traziam atletas franceses para treinar conosco. E agora estamos aqui com um objetivo comum, de todos, atletas e comissão técnica.
Como você está se sentindo agora, há poucos dias do início dos Jogos Olímpicos?
Um misto de nervosismo. A gente se cobra bastante, mas a felicidade acima de tudo. Em Tóquio já foi um ciclo difícil. Depois eu subi de categoria. O sonho de todos os atletas é estar participando de uma Olimpíada. E como eu trouxe uma medalha (de bronze) na primeira, quem sabe agora mudar de cor dela. Um dia de cada vez, com sorriso no rosto. Mas quando entrar no tatame é fechar a cara e tentar fazer o melhor.
Ainda em Porto Alegre você disse que iria reservar um espaço na mala para trazer mais uma medalha....
Com certeza. Me perguntaram sobre cerimônia de abertura e tudo. Mas eu sou um cara concentrado na competição. Tudo que eu faço é pensando nela (medalha). É tudo bonito, tem alegria (em Paris). Mas meu objetivo é sair com a medalha porque foi um ciclo difícil. Eu tive lesões e quando estava parado em casa eu só pensava nesse momento. Chegou a hora. É hora de ter coragem e sair de lá vitorioso.
As enchentes no Rio Grande do Sul afetaram todos nós, de forma direta e indireta. Como está sua cabeça agora ?
Eu tive um tempo do Mundial para cá. Eu tinha ficado bem triste pelo que aconteceu. Mas eu penso que tenho que ter força. No outro ciclo eu era estreante e hoje para quem está estreando eu tenho que ser um símbolo de força para eles. Em Tóquio, outros foram pra mim, a Mayra (Aguiar), por exemplo. Eu tento dar uma alegrada no ambiente. Quando a gente está feliz tudo tende a ser melhor, a gente é mais criativo. Sei pelo que passamos lá no Rio Grande do Sul, mas agora é manter a cabeça no lugar. Manter 100% de foco na Olimpíada porque assim a gente vai trazer mais alegria para o nosso povo.
No Mundial, você pode competir com bandeira do Rio Grande do Sul no quimono....
Em tudo que a gente (gaúchos) faz, nós somos bons né? Estamos acostumados com as dificuldades, desde a Revolução Farroupilha. Nós somos um povo aguerrido. E como diz a música: “não tá morto quem peleia”. É mais um símbolo de superação. Se eu pudesse eu lutaria com a bandeira do Rio Grande do Sul (no quimono), porque antes de ser brasileiro eu sou gaúcho e a gente merece trazer essa medalha pra comemorar porque torcer pro Grêmio tá difícil.
A sua competição acontece no dia 29 de julho. O que fazer até lá?
É um momento de ajustaras coisas para chegar o dia. Hoje (sábado, 20 de julho) eu voltei a treinar no tatame. A gente está num clube vitorioso (Sogipa). Nosso treinador está aqui também (Antônio Carlos Kiko Pereira). Então temos tudo para ir bem.
"Antes de ser brasileiro eu sou gaúcho "
DANIEL CARGNIN
Judoca medalhista de bronze nos Jogos de Tóquio
Em Tóquio, após conquistar a medalha de bronze, no microfone da Rádio Gaúcha, você conversou com sua mãe, dona Ana Rita, que não pode viajar para o Japão em função da pandemia de covid-19 e com muita emoção comemorou a medalha e falou em ter medo. Ela vai estar aqui em Paris ?
Me perguntaram porque eu tive medo em Tóquio. Era medo da expectativa. A gente viaja de Porto Alegre, quatro anos de preparação. Medo de não cumprir. Não é porque é atleta, que não é humano. Era medo de não cumprir com as próprias expectativas. E depois de um tempo eu cheguei a conclusão de que a coragem tem que sobressair sobre esse sentimento. Em Tóquio estava nervoso demais. Mas eu pensei enquanto meus dedos tremiam: ”eu treinei tanto e não vou perder por isso (medo)”. E só de não ter medo, é ato de coragem. As arquibancadas vão estar cheias. A minha mãe vai estar aqui, junto com a minha esposa(a ex-ginasta e atual treinadora da modalidade Julie Kim). Elas sabem que eu dou tudo de mim no tatame. Meu objetivo é esse. Saber que dei tudo. Isso é uma definição de sucesso. Não garante a medalha, as competições são difíceis.
E como está o seu tornozelo esquerdo ?
Assunto que me deu uma dificultada nesse último ano de ciclo. Mas não será a primeira vez que eu vou lutar com dor e não será a última. No Mundial eu tinha uma dor no menisco. Mas quando eu quero muito uma coisa, eu esqueço a dor. Eu tenho um propósito. E quando eu comecei no judô e deixei de morar com a minha família, eu pensei que não poderia voltar de mãos vazias. Eu falei isso pra minha mãe, antes de Tóquio. E eu só vou voltar pra casa depois que eu colocar uma coisa importante (medalha de ouro) na minha mala. E eu sinto que isso não acabou.