Na sequência da apuração do Caso Rai Duarte, mais quatro vítimas prestaram depoimento na auditoria da Justiça Militar do RS nesta quinta (18). Os quatro homens recordaram os momentos que passaram em Porto Alegre, quando afirmam terem sido torturados por policiais da Brigada Militar.
Assim como ocorreu no primeiro dia de audiência, os torcedores do Brasil de Pelotas responderam questionamentos da juíza Karina do Nascimento, da promotora do Ministério Público Janine Soares e dos advogados de acusação e defesa. Além disso, também fizeram reconhecimento facial dos policiais acusados pelo Ministério Público de tortura.
O primeiro que participou da oitiva desta quinta (18) foi Vitor da Silva Moscarelli. Ele relatou que, quando detido, foi algemado e, deitado no chão, pisoteado, chutado e recebeu spray de pimenta no rosto. Sobre o momento, ele destacou:
— Ouvi um policial dizer que desde 1994 eles batiam na nossa torcida. E que sempre seria assim.
O homem também afirmou que uma policial feminina gravou o rosto dos detidos e disse que colocaria em um grupo de WhatsApp. Nas participações dos advogados de defesa, Moscarelli foi questionado sobre sua participação na briga e por comentários no YouTube em um vídeo que reproduziu o conflito.
Segundo depoimento
Eduardo Gonçalves Rita foi o segundo a ser ouvido. Seu relato foi semelhante ao das demais vítimas. O homem também comentou que, quando os detidos foram levados ao hospital, foram impedidos de relatar o que estavam sentindo.
— Foi complicado. Antes de a gente entrar, fomos coagidos a dizer que estávamos bem. Não tinha como dizer outra coisa, mesmo estando mal. Assim não nos examinaram — disse.
Emocionado durante o depoimento, Rita destacou que não voltou a viajar para acompanhar os jogos do Brasil depois do ocorrido:
— Naquele dia, pensei que nunca mais voltaria para casa.
Sala exclusiva
Samuel Pinto Gonçalves, terceira vítima a ser ouvida, disse que foi agredido por PMs por não saber ditar seu RG.
— Falei meu CPF e eles me bateram na cara. Eu já tinha levado duas pancadas na cabeça, e aí tive uma tontura. Depois o PM disse: “olha para mim, deixa eu dar um jato (de spray de pimenta) na tua cara para tu não apanhar mais. Essa é minha palavra — destacou.
Conforme Gonçalves, Rai Duarte foi levado para uma sala separada dos demais detidos e teve um “tratamento especial”, citando a expressão utilizada pelos policiais.
A vítima também destacou que um dos policiais se identificou como “Duarte” e reclamou de ter o mesmo sobrenome de Rai. E seria ele quem comandava os movimentos dos demais PMs.
“Foi humilhante”
Por fim, quem finalizou a série de depoimentos foi Rogério Hax Hartleben. A vítima relatou que se sentiu humilhada pela punição que recebeu por ter se envolvido em uma briga.
— Eu cometi um erro de brigar. Teria que ter sido detido e respondido pelo que eu fiz na delegacia, não passar por tudo que passamos. Foi humilhante — comentou.
Hartleben também contou o que viu Rai Duarte sofrer:
— Batiam muito. Bastante. Tiveram que arrastar ele, pois ele não conseguia caminhar de tanto que apanhou. Parecia que eles tinham sangue nos olhos, faziam aquilo por prazer.
As demais oitivas com vítimas e testemunhas serão realizadas em 25 de abril (quando Rai Duarte prestará depoimento) e 6 de maio. Os PMs denunciados serão ouvidos somente no final da instrução, ainda sem data definida.
Lembre o caso
Em 1º de maio de 2022, torcedores do São José e do Brasil de Pelotas brigaram em razão do furto de uma bandeira por parte da torcida do Zequinha, no Estádio Passo D’areia. Após esta confusão, os torcedores do Xavante foram detidos em uma sala do estádio. Rai Duarte, que não esteve na briga e já havia retornado para seu ônibus de excursão, foi retirado e também detido.
Conforme a denúncia do Ministério Público, os torcedores foram torturados em uma sala do estádio. Na sequência, passaram por um Hospital de Pronto-Socorro e duas delegacias.
Foram 17 policiais militares denunciados pelo MP-RS por tortura contra os 12 torcedores do Brasil de Pelotas. Com lesões no abdômen, Rai Duarte ficou 116 dias internado no Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre, e foi submetido a 14 cirurgias.
Ele recebeu alta no final de agosto do mesmo ano, porém ainda está em recuperação e afastado do trabalho após quase dois anos do ocorrido.