A auditoria da Justiça Militar do RS começou a ouvir nesta quarta (10) as vítimas do Caso Rai Duarte. A audiência apura o episódio em que torcedores do Brasil de Pelotas alegam terem sofrido tortura de policiais militares após uma partida contra o São José, no Estádio Passo D’Areia, em Porto Alegre, em 1º de maio de 2022.
Quatro vítimas e uma testemunha responderam questionamentos da juíza Karina do Nascimento, da promotora do Ministério Público Janine Soares e dos advogados de acusação e defesa. Além disso, também fizeram reconhecimento facial dos policiais acusados.
O primeiro que participou da oitiva desta quarta-feira (10) foi Dejanir Neves. Ao ser perguntado sobre o início do tumulto, quando torcedores do São José e do Brasil arremessaram objetos em razão do furto de uma bandeira, Neves afirmou que foi agredido por policiais quando estava deixando o estádio e teve traumatismo craniano.
— Olhei para trás e a BM estava entrando. Quando estava saindo no portão, tomei dois golpes na cabeça de cacetete. A partir daí, só me lembro de estar algemado no chão, com eles (policiais) nos pisoteando, caminhando por cima de nós — disse a vítima, que complementou:
— Quando acordei do desmaio, estava em um lugar fechado. Como eu estava com a cabeça machucada, escutei eles falando: "acho que esse aí está morto". Quem tentava se levantar, eles agrediam com tapas, socos e spray de pimenta. Isso durou quase uma hora.
Dejanir Neves afirmou que Rai Duarte chegou depois ao local aonde os outros torcedores estavam detidos, foi levado para um canto e também foi agredido:
— A gente ouvia os gritos dele, as batidas. Ouvi que ele disse que tinha trabalhado na BM, e aí eles disseram: “vamos dar um tratamento especial para o colega”.
Segunda vítima faz reconhecimento facial
O depoimento foi corroborado pelas declarações de Matheus Leocádio, a segunda vítima a participar da oitiva, que acrescentou:
— Todo tempo fiquei com medo de morrer, pois ouvia os barulhos e gritos, com eles sempre nos batendo e ameaçando. Tive o braço quebrado.
A segunda vítima a ser ouvida contou que durante aquela noite os torcedores foram levados para o hospital amontoados dentro de uma viatura da BM. Além disso, destacou que durante o trajeto e no atendimento clínico estavam sendo ameaçados.
— No hospital, eles sempre estavam nos coagindo, querendo que disséssemos que foi a torcida do São José que nos bateu. Depois perguntou o que eu faria no presídio junto com uma facção — disse.
Quase dois anos depois do ocorrido, o homem disse que segue traumatizado.
— Eu estou com medo agora. Quando enxergo BMs, eu tenho medo. Trabalho viajando, às vezes em Porto Alegre, e penso que eles estão me perseguindo — concluiu.
Depois do depoimento, ele realizou o processo de reconhecimento facial para identificar a identidades dos suspeitos.
Testemunha relata ameaça
Outras duas vítimas foram ouvidas pela 1ª auditoria da Justiça Militar nesta quarta: Denilson Silva Júnior e Gabriel Schild. O primeiro destacou que, quando era agredido, pensava muito no filho que estava prestes. Schild, por outro lado, afirmou que levou uma pancada no ouvido, teve sangramentos, e os policiais diziam que as vítimas tinham que gritar "Viva o Choque" durante o deslocamento para o hospital.
O último depoimento foi de Denilson Silva. Ele estava presente no jogo, mas não foi detido. Porém, foi em busca do filho e dos demais envolvidos na delegacia e afirmou ter sido ameaçado por policiais. Os três também fizeram reconhecimento facial dos suspeitos.
As demais oitivas com vítimas e testemunhas serão realizadas em 18 de abril, 25 de abril (quando Rai Duarte prestará depoimento) e 6 de maio. Os PMs denunciados serão ouvidos somente no final da instrução, ainda sem data definida.
Foram 17 policiais militares denunciados pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) por tortura contra os 12 torcedores do Brasil de Pelotas. Com lesões no abdômen, Rai Duarte ficou 116 dias internado no Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre, e foi submetido a 14 cirurgias. Ele recebeu alta no final de agosto do mesmo ano, porém ainda está em recuperação e afastado do trabalho após quase dois anos do ocorrido.