Os autores dos atos racistas contra Vinicius Junior dificilmente serão punidos. Ao menos, de forma rigorosa. Das dez partidas da última temporada em que o atleta foi vítima de injúria racial, em sete não houve sequer denúncia ou indiciamento por parte das autoridades espanholas. Já nos casos em que os criminosos foram identificados, as perspectivas de uma punição efetiva na esfera criminal espanhola são pequenas. Segundo ativistas, dirigentes, jornalistas e até integrantes do governo, a atual legislação da Espanha favorece à impunidade nos casos de racismo.
— Eu nunca tive notícia de alguma pessoas ter sido presa por ato de racismo. Existe uma lei, mas na prática não funciona — conta a GZH a costureira baiana Jeanne Bomfim, que vive na Espanha há cinco anos e integra a Associação Cultural Brasileira Maloka, coletivo de defesa da cultura afro-brasileira e de combate ao racismo em Madri.
Já Antumi Toasijé, presidente do Conselho para Eliminação da Discriminação Racial na Espanha (Cedre), órgão vinculado ao Ministério da Igualdade, critica a falta de uma legislação mais específica para punir atos racistas.
— O racismo, no código penal espanhol, está vinculado a uma lei muito abrangente, que fala em "crimes de ódio". Nós defendemos que exista uma lei específica contra o racismo. Porém, isso não quer dizer que hoje não haja leis na Espanha para punir os crimes de discriminação racial. O problema é que na prática a gente não vê a aplicação da lei. E isso é um problema especialmente no esporte. O futebol, para mim, é uma área em que essa situação saiu completamente do controle — opina.
Além disso, segundo ativistas e entidades espanholas que defendem a inclusão racial, os dados existentes sobre crimes de racismo não retratam à realidade, devido à resistência dos negros em denunciar, seja por medo, seja pela crença de que nada será feito pelas autoridades.
— O sistema jurídico da Espanha é fraco para punir os casos de racismo. Mas também temos um problema muito grave de subnotificação. E isso é relacionado ao fato de que as pessoas que sofrem de racismo não confiam nas instituições do Estado para protegê-las. Afinal, nos momentos em que os casos de racismo foram levados ao tribunal, a resposta judicial foi demorada e, em muitos casos, a questão racial foi descaracterizada da denúncia pelos juízes — protesta o cientista político e ativista antirracismo costarriquenho Yeison Garcia, 31 anos, que vive em Madri há 22 anos.
A ineficiência das autoridades em punir o racismo na Espanha não é exclusividade do poder judiciário. No âmbito do futebol, as disputas políticas entre a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) e a La Liga, que organiza a Primeira Divisão, dificultam a aplicação de punições tanto na esfera esportiva quanto no âmbito criminal.
— O caminho que precisa ser percorrido na Espanha entre o ato de racismo e a punição é um processo muito complexo. Quando acontece um insulto racial dentro de um estádio na Primeira Divisão, a La Liga denuncia ao Comitê Anti-Violência, que é um órgão vinculado ao governo. Aí esse comitê passa para a justiça o que eles acham que tem que ser feito. Por ser um processo tão longo, a punição praticamente inexiste. Quando o processo chega ao final da ponta, não existe uma solução. Além disso, há uma briga entre a La Liga e a Real Federação Espanhola de Futebol. Então, quando acontece qualquer coisa dentro do Campeonato Espanhol, existe um entrave constante, porque essas duas entidades não conversam — relata a jornalista Tatiana Mantovani, correspondente da TNT em Madri e que reside na Espanha há 11 anos.
Já as entidades esportivas alegam que não têm poder para punir no âmbito desportivo os casos de injúria racial que ocorrem nos estádios.
— Nós temos no futebol espanhol diversos conflitos de competência e conflitos jurisdicionais para punir os casos de racismo. No passado, quando tentamos punir os clubes com interdição de estádio, perda de mando de campo ou determinar jogos com portões fechados, os clubes sempre recorreram à Justiça. E aí os órgãos do Estado tiram as competências da Federação para punir os clubes. Ficamos sem ter o poder de punição — protesta o presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), Luis Rubialess, em entrevista exclusiva a GZH.
Em dezembro do ano passado, contudo, foi aprovada no Congresso espanhol a nova Lei Geral do Esporte no país, que dará mais poder às federações esportivas para punir casos de discriminação. Contudo, ainda faltam trâmites burocráticos para a legislação entrar em vigor.
— Com esta lei, teremos o poder para atuar com toda a força necessária contra o racismo. E quando isso ocorrer, nós iremos punir com rigor. Essas pessoas racistas são vermes indesejáveis que não têm que estar na sociedade — completa Rubiales.
Na visão de Toasijé, presidente do Conselho para Eliminação da Discriminação Racial do governo espanhol, as autoridades esportivas não podem se esquivar de punir os clubes quando os autores dos atos de racismo não forem identificados.
— As punições têm que ser duras o suficiente. Não podemos continuar com o argumento de que, como não é possível identificar os responsáveis, o clube não pode ser punido. Na minha opinião, se há um insulto racial em um estádio, a partida deve ser interrompida imediatamente. E até adiada, se necessário. E há que se expulsar do estádio as pessoas que forem identificadas. E se elas não forem identificadas, então aquele jogo não deve ser realizado. Ou então que seja realizado com portões fechados. Tem sim que se punir os clubes porque senão não, não há como atacar essa questão — finaliza.