Poucos brasileiros devem ter ouvido falar em Thiago Wild até a manhã desta terça-feira (30), quando na quadra central de Roland Garros ele derrotou o russo Daniil Medvedev, vice-líder do ranking mundial, que já ocupou o posto de número 1 e que tem no currículo 20 títulos do circuito da ATP, entre eles o Aberto dos EUA de 2021.
Mas o jogador nascido em Marechal Cândido Rondon, cidade do oeste paranaense colonizada predominantemente por gaúchos, já foi campeão júnior do Aberto dos Estados Unidos em 2018, quando derrotou na final o italiano Lorenzo Musetti, atual 18º do mundo. Em 2020, já como profissional, venceu o ATP 250 de Santiago, no Chile, derrotando o norueguês Casper Ruud na decisão.
Thiago se mudou para o Rio de Janeiro em 2014, ao lado dos pais e da irmã, para treinar. Após a vitória em Nova Iorque, passou a conviver com o estigma de ser um "novo Guga", algo que sempre ocorre quando um tenista brasileiro se destaca nas categorias de base. Com um estilo agressivo, facilidade no saque e golpes com bolas bastante profundas, como demonstrou contra Medvedev, o tenista brasileiro agora terá que encarar os holofotes de ter derrotado um dos principais nomes da atualidade.
— Vi Daniil jogar durante toda a minha carreira júnior até hoje. Sempre sonhei em jogar nesse tipo de quadra jogando com esses jogadores. Nos meus melhores sonhos, acabei vencendo eles, então é um sonho que se tornou realidade — declarou ainda na quadra Philippe-Chatrier, onde por mais de quatro horas encarou o favoritismo de Medvedev, contra quem disparou 69 winners (bolas vencedoras).
E mesmo que não queira carregar o estigma de ser um novo Gustavo Kuerten, Thiago Wild, 23 anos, tem sob seus ombros uma expectativa depositada pelo próprio tricampeão de Roland Garros.
— A nova geração está aparecendo. Ano passado, já comentei sobre o Thiago (Wild) ser o grande protagonista desta geração, acho que foi campeão em todas as categorias que disputou no juvenil. Vejo ele (Thiago) muito seguro, até mesmo pela personalidade dele, por vezes motivo de crítica, mas ele precisa acreditar em si mesmo e parece estar disposto a suportar todas as etapas — disse Guga, após o jovem vencer o espanhol Alejandro Davidovicj Fokina, hoje 34º do ranking, na estreia do ATP 500 do Rio de Janeiro de 2020.
Esta partida no Rio ocorreu dias antes de Thiago se sagrar campeão em Santiago, quando estabeleceu alguns recordes. Na capital chilena, ele se tornou o brasileiro mais jovem a vencer um torneio da ATP, superando Guga, que venceu seu primeiro Roland Garros com 20 anos e 9 meses, em junho de 1997 , o mais jovem a vencer na gira sul-americana da ATP desde Rafael Nadal em Acapulco-2005.
Mas a pandemia acabou freando o crescimento de Wild e trazendo a ele algumas polêmicas fora da quadra. De personalidade forte, o paranaense testou positivo para coronavírus e logo depois foi investigado pela polícia de sua cidade natal por ter descumprido medidas de isolamento social e acabou penalizado pelo Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná, que determinou que ele e sua família permanecessem em quarentena sob multa de R$ 30 mil em caso de novo descumprimento.
Na mesma época, outro caso surgiu e ele foi acusado pela ex-namorada, Thayane Lima, de violência psicológica, injúria, ameaça e agressão. Em sua defesa, o jogador afirmou ser vítima de tentativa de extorsão por parte da ex-companheira e conseguiu uma ação favorável na Justiça para que ela não publicasse nenhum conteúdo nas redes sociais sobre o relacionamento. O caso ainda está em andamento.
Nesta terça, o assunto foi levado à coletiva de imprensa e irritou o tenista brasileiro.
— Não acho que aqui (coletiva de imprensa) seja o local para se falar sobre isso. Essa é uma pergunta que não deve ser feita a ninguém. Não é você quem decide qual o lugar que deve ou não ser falado. Você pode escrever o que quiser, mas eu nunca fui casado, ok ? Então tira isso daí— disse ao ser indagado sobre a acusação que tem contra si e que fez com que ele perdesse patrocinadores.
Quando os torneios voltaram a ser disputados, ainda em 2020, Wild jogou o Aberto dos EUA e acabou eliminado na estreia. Nos anos seguintes, disputou os qualificatórios dos Abertos da Austrália e da França e de Wimbledon, mas não tentou a sorte nos Estados Unidos. Esse foi um período em que passou a jogar torneios de menor porte, para tentar pontos que o dessem condições de participar nas principais competições do circuito da ATP.
E após jogar quatro finais de Challenger e vencer duas, em Viña del Mar (Chile) e Buenos Aires (Argentina), ambas em março deste ano, Thiago viu seu melhor jogo reaparecer. Ele ainda ficou com o vice-campeonato de duplas do ATP 250 de Santiago. Nesta terça, ao superar Medevedev, impressionou outro nome histórico do tênis, o sueco Mats Wilander, ex-número 1 do mundo e que disputou 11 finais de Grand Slam, vencendo sete delas, três em Roland Garros.
— Foi incrível a forma como ele bateu a direita. O público ficou rapidamente todo do lado dele porque ficaram encantados com o som que sai daquela raquete. É muito impressionante. Há ali algumas coisas de Guga. É um verdadeiro conto de fadas para o Thiago — declarou o sueco ao site Bola Amarela.
Agora, o brasileiro tentará seguir seu sonho em Roland Garros. Na segunda rodada, não entrará em quadra como surpresa, e sim como o jogador que acabou de derrotar o vice-líder do ranking mundial.