A curitibana Bárbara Domingos precisou de apenas uma semana, em abril, para fazer história na ginástica rítmica do Brasil. No início daquele mês, ela obteve dois grandes resultados em competições na Europa e rompeu barreiras antes intransponíveis para outras atletas do País e até da América Latina. Aos 23 anos, Bárbara sonha agora com novos resultados históricos, se possível na Olimpíada de Paris-2024.
Tudo aconteceu muito rápido, até mesmo para a atleta, que ainda digere o sucesso repentino. No dia 2 de abril, ela faturou a medalha de bronze na prova da fita na etapa de Sofia da Copa do Mundo, na Bulgária. Tornou-se, assim, a primeira atleta do Brasil e da América Latina a subir ao pódio numa competição deste nível. Somente a classificação para a final já era feito histórico nacional para a modalidade.
No final de semana seguinte, Bárbara foi ainda mais longe. Brilhou novamente na fita, desta vez no Grand Prix de Thiais, na França. E conquistou o ouro. Mais uma vez, acumulou resultados inéditos para a ginástica rítmica brasileira. Nenhuma outra atleta do País havia se destacado desta forma em competições deste peso. Antes, em 2021, já mostrava estar no caminho ao ficar em 17º no individual geral no Mundial, o melhor resultado de uma brasileira em um evento deste nível.
— Fiquei até um pouco sem entender o que estava acontecendo. Até achava que era possível alcançar estes resultados, mas não na primeira competição do ano, não agora. Talvez mais para a frente. Por ser início de ciclo, pegando o ritmo de competição. Na Europa, as meninas começam a competir mais cedo. Todas já estavam competindo — diz Bárbara ao Estadão.
Importante destacar que, para os diferentes gêneros de ginásticas, a Copa do Mundo não tem o mesmo peso de um Mundial. Mas isso também está nos planos de Bárbara até porque é o caminho natural para a sonhada vaga em Paris-2024. Ela terá duas oportunidades para tentar a classificação olímpica, ambas no segundo semestre.
No fim de agosto, ela disputará o Mundial, na cidade espanhola de Valência. Em outubro, estará nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, no Chile. O foco, contudo, está no Mundial. Para carimbar o passaporte para Paris-2024, Bárbara precisará terminar entre as 17 melhores ginastas no geral. A classificação é individual e não depende da seleção brasileira, que buscará vaga na prova do conjunto.
Será a segunda tentativa da brasileira de disputar uma Olimpíada. Em Tóquio, bateu na trave.
— Cheguei perto da classificação, pelo Pan. Mas a pandemia acabou mudando o regulamento. Se não fosse o Pan, eu estaria classificada, por conta do Mundial de 2019. Foi bem frustrante— lembra.
O maior obstáculo para Bárbara é a forma de disputa e classificação. Na ginástica rítmica, diferentemente da artística, não há provas por aparelhos na Olimpíada. As atletas disputam apenas no individual geral. Logo, precisam se destacar nos quatro "aparelhos": fita, bola, arco e maças. A brasileira é destaque mundial na fita e já foi bem na bola. No entanto, ainda precisa se tornar mais competitiva no arco e nas maças.
—É uma pena não ter prova isolada da fita. Quanto aos demais, é um pouco mais difícil. Cada aparelho tem sua peculiaridade, a sua dificuldade. O mais complicado de todos é a bola. Quase todas as atletas têm alguma dificuldade com ela. É meio perigoso. Bateu, vai longe — explica a atleta.
O desafio, contudo, não intimida a atleta, que começou sua trajetória esportiva na ginástica artística aos cinco anos. Mas logo mudou para a rítmica por seu perfil físico: ela é mais alta que a média (1,67m) e se considera menos forte fisicamente que as colegas da ginástica artística. "E também teve a música", diz Bárbara, ao justificar a mudança de modalidade. "Eu era muito musical desde pequena. E isso acabou me chamando muito a minha atenção. Gosto das coreografias. É um esporte que tem dança e música", comenta.
Evoluindo a cada ano nos aparelhos, Bárbara enfrentou seu maior desafio em 2021, quando foi submetida a uma cirurgia no quadril direito.
— Eu já tinha esta lesão há quatro anos. Me incomodava muito e consumia muito do meu tempo de treino. Fiquei seis meses afastada no ano passado. Só voltei a competir no segundo semestre de 2022— revela, justificando a surpresa com os bons resultados já no primeiro semestre deste ano.
Enquanto se prepara para tentar a vaga olímpica, Bárbara concilia a rotina de treinos, que atingem facilmente as oito horas diárias, com as aulas na faculdade de Educação Física à distância. A atleta, contudo, avisa que o seu projeto de pós-carreira é o Direito, que até começou a estudar, mas trancou devido à rotina pesada de treinos.
MELHOR MOMENTO DA GINÁSTICA RÍTMICA DO BRASIL
Os bons resultados individuais de Bárbara foram conquistados num contexto de maior desenvolvimento da modalidade no Brasil nos últimos anos. Hoje as atletas conseguem viver da ginástica por causa dos benefícios do Bolsa-Atleta, das diferentes esferas de governo e do apoio da Confederação Brasileira de Ginástica. É o caso de Bárbara e também de outras atletas que vêm se destacando nas disputas individuais da ginástica rítmica, como Maria Eduarda Alexandre e Bárbara Galvão.
No Mundial do ano passado, disputado na Bulgária, o Brasil alcançou seu melhor resultado geral da história, com o quinto lugar. Deixou para trás rivais de tradição e até equipes medalhistas em Olimpíadas. Neste ano, já são dois resultados de relevância mundial. Em março, na etapa de Atenas da Copa do Mundo, a seleção obteve o bronze na prova geral - foi a primeira medalha da história da modalidade nacional num evento deste nível.
E, no domingo, a equipe formada por Giovanna Silva, Maria Eduarda Arakaki, Nicole Pircio, Sofia Madeira e Victória Borges faturou o ouro na prova de cinco arcos na Challenge Cup de Portimão, em Portugal. Um novo feito. "Este é o melhor momento da história da ginástica rítmica do Brasil. Construímos isso", diz Bárbara, confiante na classificação para Paris-2024 também na disputa por equipes.
—Com certeza o Brasil tem chances de obter a vaga olímpica por equipes também. Temos dado muitos resultados positivos no individual e no coletivo nas competições. Antigamente se dizia que a ginástica era basicamente feita na Europa. Hoje em dia a gente vê que há espaço para todo mundo, cada com sua diferença e dificuldade. Estamos criando o nosso espaço — afirma a ginasta.