Há exatos oito anos, em 7 de julho de 2014, a Seleção Brasileira sofria a maior derrota de sua história. Em uma semifinal de Copa do Mundo, no próprio país, foi goleada por 7 a 1 pela Alemanha no Mineirão. À beira do campo estava Felipão, um dos técnicos mais vitoriosos (se não, o mais) do futebol brasileiro. A maior responsabilidade por aquele fracasso foi colocada às suas costas.
Após o trauma, não sossegou. Seguiu trabalhando, entre altos e baixos. Foi tricampeão da Superliga Chinesa, em 2015, 2016 e 2017. Voltou ao Brasil e foi campeão nacional com o Palmeiras, em 2018, mas amargou trabalhos sem resultados nos últimos anos. Não conseguiu subir o Cruzeiro da Série B, em 2020, e no trabalho mais recente não evitou a queda do Grêmio à Segunda Divisão, no ano passado.
Mas, oito anos depois do 7 a 1 e uma temporada após o fracasso no Tricolor, o professor encontrou novos alunos. E o Athletico-PR está "Scolarizado". Se você fizer uma busca nas redes sociais de torcedores do clube paranaense, encontrará este termo para definir o momento da equipe. A referência é o sobrenome de Luiz Felipe Scolari, que assumiu o time em maio deste ano para ser diretor técnico, mas acumulou a função de treinador e tem alcançado resultados expressivos neste início de ciclo no Furacão.
São 16 jogos desde que chegou ao Athletico-PR, com 11 vitórias, quatro empates e apenas uma derrota. A equipe não perde desde 14 de maio, na derrota por 2 a 1 para o Fluminense no Maracanã, pela 6ª rodada do Campeonato Brasileiro. O aproveitamento com Felipão é de 77%, superior ao do líder Palmeiras (64%).
Na noite de terça (5), garantiu classificação às quartas de final da Libertadores ao empatar em 1 a 1 com o Libertad, no Paraguai. Segue vivo nas oitavas da Copa do Brasil, na qual venceu a partida de ida contra o Bahia por 2 a 1, fora de casa, e decide a vaga na Arena da Baixada na próxima terça-feira (12). E, na rodada passada, assumiu a vice-liderança do Brasileirão, com 27 pontos, apenas dois atrás do Verdão. Uma campanha e tanto, que tem empolgado a torcida.
— O Felipão conquistou o torcedor, a gente vê todos falando que estão "scolarizados". Hoje, na visão da torcida e até mesmo da imprensa paranaense, o Felipão ressuscitou o Athletico e colocou o time com força nas três competições. Está brigando por Libertadores, Brasileiro e Copa do Brasil. O objetivo do Athletico-PR nesta temporada é, com certeza, conquistar um grande título — relata o jornalista Eduardo Demeterco, que acompanha o dia a dia do clube no portal C+ Esportes.
Se os números mostram resultados expressivos, o ambiente interno também é apontado como um dos trunfos de Felipão desde que assumiu a equipe. Na passagem pelo Grêmio, em 2021, havia insatisfação com os métodos de treinamento e a postura defensiva do time nos jogos. Agora, no Athletico-PR, o treinador organizou o sistema defensivo sem abrir mão de um ataque agressivo, o que tem agradado aos atletas.
— O Felipão conseguiu arrumar o sistema defensivo do Athletico-PR, que era uma coisa preocupante. Com Alberto Valentim e Fábio Carille, o time vinha sofrendo muitos gols. O Felipão conseguiu arrumar a casa. E a equipe tem jogado para frente, propondo jogo. Em momentos estratégicos, para segurar o resultado, até pode recuar. Mas, no geral, tem sido um time bem ofensivo — garante Demeterco.
O currículo multicampeão e a vasta experiência de Felipão ajudam, claro. Em entrevista aos canais ESPN, o zagueiro Pedro Henrique, capitão do time, afirmou que a chegada do treinador tirou dos jogadores parte da pressão que havia em cima do grupo. Também elogiou a receptividade do comandante com os atletas:
— Felipão nos deixa à vontade para falar o que pensa e nos comunicar. Ele agrega muito. O que ele ganhou representa tanto para o futebol nacional, quanto mundial. Ele quer ganhar títulos aqui e veio com essa mentalidade. Estamos comprando a ideia dele para coroar no final do ano com título.
Apesar da grande campanha, após a vitória sobre o Palmeiras na última rodada, Felipão rechaçou a briga por título no Brasileiro. Segundo ele, há equipes "mais bem preparadas".
— A campanha é muito boa, mas brigar pelo Brasileirão é um pouco mais difícil. Temos equipes mais bem preparadas do que a nossa. Podemos continuar fazendo esse trabalho para ver se conseguimos seguir em frente. Não estamos brigando por título, mas por uma recuperação do Athletico em todos os sentidos — disse Scolari.
Na comissão técnica, está acompanhado dos auxiliares Paulo Turra e Carlos Pracidelli — os mesmos que trabalharam com ele no Grêmio no ano passado. Os demais profissionais são da comissão fixa do Athletico-PR. E, assim como na passagem mais recente pelo Tricolor, chama atenção o protagonismo de Turra nos treinamentos, ainda que Felipão tenha papel importante na gestão do grupo.
— No dia a dia, como vem sendo nos últimos trabalhos dele, o Turra tem o protagonismo nos treinamentos. O Felipão, claro, dá os pitacos dele, faz essa gestão de grupo, de liderança, de referência, mas pelas informações que temos é o Turra quem orienta os treinos — explica Daniel Piva, comentarista da Rádio Transamérica de Curitiba.
Outro ponto importante, segundo ele, tem sido a recuperação de atletas que não vinham sendo utilizados ou estavam rendendo abaixo do esperado. O Athletico-PR investiu, apenas nesta temporada, cerca de R$ 70 milhões com as contratações de Vitor Roque, Tomás Cuello, Canobbio, Hugo Moura e Bryan García, e Felipão tem conseguido aproveitar o que de melhor o elenco do Furacão tem a oferecer.
— O Carille ficou pouquíssimo tempo, mas não tinha time base, uma referência. O Felipão definiu time titular e foi dando sequência. A partir daí o time começou a ganhar uma cara. Ele definiu o tipo de marcação, o jeito que iria atacar. Entendeu o que se passava e depois foi implementando o estilo dele, respeitando o que o elenco tem — ressalta Piva, que completa:
— O mérito dele é que recuperou alguns jogadores como Pablo, que era questionado pela torcida, e passou a fazer gols. O Tomás Cuello era banco com o Carille, às vezes nem banco, pela limitação de estrangeiros, e agora é titular. O Nico Hernández era reserva e Felipão devolveu ao time titular. Foi ganhando primeiro na confiança, respeitando as lideranças antigas do elenco e recuperando outros atletas, nomes importantes que estavam em baixa.
Assim, 20 anos após o maior feito de sua carreira, o penta com a Seleção, em 2002, oito anos depois de seu maior fracasso, o 7 a 1 em 2014, e na temporada seguinte ao insucesso na missão de livrar o Grêmio do terceiro rebaixamento de sua história, a estrela de Felipão voltou a brilhar em Curitiba. O treinador tirou o Athletico-PR da 16ª posição na tabela do Brasileirão e o levou ao segundo lugar, além de seguir firme e forte nas copas. É um novo momento na carreira. O momento é de "Scolarizar".
Os números de Felipão
Na Seleção Brasileira, em 2013 e 2014
- 29 jogos
- 19 vitórias
- 6 empates
- 4 derrotas
- 1 título (Copa das Confederações)
- 7 a 1 diante da Alemanha, nas semifinais da Copa de 2014
- 72,4% de aproveitamento
No Grêmio, em 2021
- 21 jogos
- 9 vitórias
- 3 empates
- 9 derrotas
- 22 gols marcados (1,1 por partida)
- 23 gols sofridos (1,1 por partida)
- 47,6% de aproveitamento
No Athletico-PR, em 2022
- 16 jogos
- 11 vitórias
- 4 empates
- 1 derrota
- 33 gols marcados (2,06 por partida)
- 13 gols sofridos (0,81 por partida)
- 77% de aproveitamento