Após cinco dias do ocorrido, não foram esclarecidas as circunstâncias que levaram Rai Duarte, torcedor do Brasil-Pel, a passar por três cirurgias e seguir internado na UTI no Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre. Ele permanece entubado, enquanto familiares e testemunhas do episódio suspeitam de PMs.
Condução do inquérito
Por outro lado, a BM afirma que abriu inquérito para investigar o comportamento dos policiais, bem como a briga nas arquibancadas, incidente que mobilizou o início da intervenção dos policiais após o jogo São José x Brasil, pela Série C do Brasileirão, domingo à noite, na Capital. A investigação foi iniciada pela Polícia Civil, mas foi repassada para a corregedoria da BM por conta do envolvimento dos policiais militares no caso.
— Como eles estavam trabalhando, fardados, a investigação é competência da Brigada Militar. Eu tomei o depoimento da mãe dele e encaminhei para a corregedoria da BM, que vai apurar os fatos — afirma Alexandre Vieira, delegado da 9ª delegacia de Polícia Civil.
O que os torcedores dizem
Relatos de detidos e torcedores do Brasil que estiveram no Passo D'Areia dão conta de momentos de violência física e psicológica, alegando uso de cassetete e gás de pimenta. Comandante-geral da Brigada Militar, coronel Cláudio dos Santos Feoli falou a GZH nesta quinta-feira (5) e disse que a corporação não tem compromisso com erros, caso a investigação aponte para os PMs.
Rai, 33 anos, foi levado ao hospital por policiais do 11º BPM. Um vídeo mostra que, pouco antes, Duarte foi retirado de um ônibus por dois PMs — o veículo levaria torcedores do Brasil para Pelotas. Responsável por uma das excursões dos xavantes para a partida, um torcedor relatou a GZH o que presenciou no lado de fora do Passo D'Areia enquanto os detidos estavam no estádio.
— Quando houve a confusão, saí do estádio. Eu sabia que a polícia ia dar porrada em todo mundo. Quando tentei voltar, já estava fechado. Percebi que estavam faltando torcedores. Entramos em desespero, tentamos diálogo com o comandante e fomos tratados como animais. Falaram que todos iriam presos, nos chamaram de vagabundos e lixo. Humilhação psicológica. Como a escolta iria sair, todos entraram nos ônibus. Saímos pela escolta pois não havia o que fazer — comenta o torcedor, que não quis se identificar.
A escolta com os torcedores do Brasil-Pel foi encerrada em Eldorado do Sul. Os ônibus estacionaram em um paradouro para aguardar o retorno dos detidos. Até então, não havia informação de onde estavam os torcedores que permaneceram em Porto Alegre.
— Nós não sabíamos que eles estavam machucados, só que tinham sido presos de forma normal. Conseguimos contato com um dos três que estavam no hospital. Um estava com braço quebrado, outro machucado e o Rai, que estava bem mal. Largaram ele como lixo. Foi aí que começamos a entender que eles estavam muito machucados. Por volta de meia-noite, os outros dois chegaram onde os ônibus estavam estacionados — disse o mesmo torcedor.
O tenente-coronel Luis Felipe Neves Moreira, comandante do 11º Batalhão de Polícia Militar, responsável pelo policiamento no local da partida, alega que as versões dos torcedores e dos policiais têm divergências. Por isso, foi instaurado o inquérito policial para apurar o que ocorreu após o jogo.
— O que posso dizer é que não sei exatamente o que aconteceu e como aconteceu. Os torcedores dizem uma coisa, os policiais que estavam lá relatam outra. Já foram ouvidos dois integrantes da guarnição. Alguns documentos, filmagens e outras provas periciais estão sendo coletadas para serem anexadas ao inquérito. Estamos correndo atrás para evitar que as pessoas desconfiem da nossa imparcialidade. Mas as coisas estão feitas de forma muito tranquila, porque não podemos errar neste inquérito. Temos de identificar o que aconteceu. Se houve abuso, excesso e o contrário também, se não aconteceu nada — destaca o comandante do 11º BPM.
"Torturaram o meu filho", diz mãe de Rai
Rai Duarte é acompanhado desde a última segunda por sua mãe, Marta Moraes Cardoso. Ela é quem visita o filho no hospital e recebe as atualizações dos médicos sobre o quadro.
— Já fui na Polícia Civil pedir providências. Espero que isso não caia no esquecimento. Isso foi uma tentativa de homicídio que fizeram com o meu filho (se emociona neste momento). Quando eu voltar a Pelotas, vou processar o Estado e quero que alguém me ajude. Que não seja só mais um. Eu não sei o porquê de tanto ódio e violência com o meu filho. Se ele fez algo, por que não prenderam ele? Meu filho já estava dentro do ônibus para ir para casa. Ele foi tirado, algemado e torturado. Torturaram o meu filho — comentou Marta.
Declarações oficiais
A Brigada Militar instaurou inquérito para apurar a conduta de policiais na abordagem aos torcedores do Brasil-Pel. A investigação tem 40 dias para ser concluída, mas pode ser prorrogada por mais de 20 dias. Depois de três dias sem expor detalhes, o tenente-coronel Luis Felipe Neves Moreira, comandante do 11º BPM, afirmou que há um vídeo de Rai Duarte em bom estado de saúde dentro do hospital. As imagens fazem parte da investigação.
— É um vídeo da segurança do hospital. Essa pessoa entra bem caminhando no hospital, algemado, como todos os outros 11 que foram detidos em razão da desordem que ocorreu no estádio. Ele foi levado para algumas salas no atendimento. Dura aproximadamente 40 minutos. A partir disso ele passa mal — afirmou.
O comandante-geral da Brigada Militar demonstrou preocupação com o caso.
— Essa ocorrência é um dos meus maiores pontos de preocupação. Nós colocamos a corregedoria para acompanhar todos os atos desse IPM. Vamos colocar mais de um oficial para trabalhar para o encarregado. Por quê? Temos várias pessoas que serão ouvidas em Pelotas, o encarregado vai a Pelotas. Ao mesmo tempo, a corregedoria acompanha as equipes em Pelotas e aqui em Porto Alegre, busca imagens de vídeo, imagens internas do estádio do Zequinha, do trajeto até o Hospital Cristo Redentor e as do próprio hospital para verificar em que condições ele chegou — destacou, quinta-feira (5), o coronel Cláudio dos Santos Feoli.