O mês de maio será inesquecível para milhares de surdoatletas, entre eles 199 brasileiros. O mundo estará nas mãos de cada um deles. Para quem dedica a vida ao esporte, será como o acordar em um sonho e desfrutar presencialmente cada segundo. A partir de domingo (1) até o dia 15 de maio, Caxias do Sul será aquecida pela chama olímpica, pois começa oficialmente a 24ª edição das Surdolimpíadas, a maior competição voltada para pessoas surdas ou com perda auditiva.
O brilho dos metais desejados de uma Deaflympics é a materialização do abstrato, de anos de lutas e emoções para fazer o que amam, o esporte. E foi necessário quase um século para essa oportunidade chegar na terra de um gigante pela própria natureza. Caxias do Sul entrará para a história com o maior evento poliesportivo que o Rio Grande do Sul já acolheu.
— Queremos fazer um agradecimento a tantas pessoas que nos ajudaram a conquistar esse grande evento para Caxias do Sul. É a primeira vez que acontece na América Latina. Convidamos todos os caxienses e comunidade em geral para prestigiar os Jogos, que prometem ter o maior número de atletas dos 100 anos de existência. É um momento emocionante, diversas delegações já chegaram, e a partir do dia 1º, Caxias do Sul vai respirar e viver Surdolimpíada — disse o prefeito de Caxias do Sul, Adiló Didomenico.
O líder do sonho surdolímpico tem nome: Gustavo Perazzolo. O caxiense é o atual presidente do Comitê Internacional de Esportes para Surdos (ICSD). Inicialmente, a competição estava prevista para ocorrer em 2021. No entanto, a pandemia mudou o planejamento. Sete países desistiram de ser sede. Assim, Perazzolo viu a oportunidade de Caxias do Sul abraçar o megaevento.
— Tinha sido escolhido um outro país, e foram sete cancelamentos. Naquele momento, estava como vice-presidente do ICSD e percebi que tinha essa negação de alguns países e fiquei pensando: sou caxiense e participei de muitas modalidades como triatleta, de sul-americanos, pan-americanos, mundiais, todos aqui em Caxias. Com muita coragem, conversei com o pessoal da UCS e começamos a desenvolver esse movimento. Não tínhamos dinheiro, nada. Iniciamos do zero — explicou Perazzolo.
Desde 27 de setembro de 2019, a cidade da Serra sabia que sediaria a Deaflympics. Nos anos seguintes, muitas dificuldades foram deixadas para trás. Brasília e Rio de Janeiro tentaram tirar os Jogos do Rio Grande do Sul. Depois de superar as adversidades, a poucas horas da abertura oficial, o CEO da Surdolimpíada, Richard Ewald afirma tudo valeu a pena:
— Construímos uma organização muito grande. Temos bastante coisa de detalhes para resolver nessas últimas horas. A recepção das equipes e delegações exige um cuidado muito grande. São países diferentes que precisam se adaptar aos hotéis e a nossa organização. Exige muito de nós. É o momento mais complicado. Depois começa a fluir na logística, alimentação.
A cerimônia de abertura será neste domingo (1º), às 18h, no Ginásio do Sesi. O espetáculo terá duas horas de duração e será restrito a convidados, pois a capacidade é para 5 mil pessoas, quase o número total de participantes. O evento contará com o desfile das delegações, pronunciamento de autoridades e uma programação artística denominada de "Mãos que falam".
Para o secretário de Esporte e Lazer de Caxias do Sul, Gabriel Citton, o município se tornará referência no esporte surdo. Ficará um legado para a cidade de investimentos em infraestrutura, como a nova pista de atletismo do Sesi, que poderá receber provas internacionais. Além disso, no ciclismo, o Giro de Garavaggio deve entrar para o calendário do exterior. O Ginásio Vasco da Gama ganhou um piso novo.
— A pista de atletismo do Sesi poderá receber qualquer evento nacional e alguns internacionais. Caxias tem 15 quadras 40m por 20m, medida oficial do futsal e handebol. Na nossa natação, também ficará com um legado ter uma das maiores praças do Rio Grande do Sul. No país, somos referência no esporte surdo, pois em 2015 sediamos os Jogos Sul-Americanos, em 2018 veio o Campeonato Mundial de Handebol e, agora, a Surdolimpíada. Muitos campeonatos nacionais de surdos acontecem em Caxias desde 2012 — relembrou Citton.
SONHO EM CASA
A última edição das Surdolimpíadas foi na Turquia, em 2017. Na ocasião, a Rússia ficou com o primeiro lugar no quadro de medalhas com 199 conquistas: 85 de ouro, 53 de prata e 61 de bronze. Contudo, após a invasão à Ucrânia, o ICSD decidiu excluir o país dos jogos deste ano, medida que foi estendida à Belarus. A delegação russa viria com 456 integrantes e Belarus com cerca de 100.
Durante os 98 anos dos Jogos, o Brasil não participou de todas as edições. Aliás, a história brasileira nas Surdolimpíadas é recente. A primeira vez em que o país esteve nos Jogos foi em 1993, em Sófia, na Bulgária. Foram dois surdoatletas participando da competição, um no masculino e outro no feminino.
Em sete participações, o Brasil já conquistou 10 medalhas, sendo uma de ouro, uma de prata e oito de bronze. A única vez que o hino nacional foi tocado e interpretado em Libras foi com o nadador Guilherme Maia, 32 anos. Em 2017, ele conquistou o ouro nos 200m livre. Agora, ele celebra o fato de ter a família ao seu lado assistindo as provas.
— Sou o único medalhista de ouro, recordista e campeão olímpico e mundial do nosso Brasil. Mas temos muitos jovens se destacando. Logo teremos mais pódios. Isso para mim representa muito, pois era um sonho da minha mãe desde pequeno, quando diagnosticaram a minha surdez. Eu consegui dar esse ouro para ela. Agora, ela vai poder me assistir. Sem ela, teria desistido muito cedo — relatou Maia.
Natural de Erechim, a surdoatleta Stefany Krebs, 23 anos, esteve na conquista da primeira medalha do esporte coletivo brasileiro. Na Turquia, a seleção feminina de futebol faturou o bronze inédito. Após a conquista, Stefany ganhou destaque também no futsal e chegou a ser contratada pelo Palmeiras para participar do time feminino formado por ouvintes.
— A experiência foi maravilhosa, aprendi muita coisa, pois antes eu era atleta de futsal, comecei a jogar no campo com mais tempo. Foi um desafio para mim. Estou feliz e posso compartilhar as experiências com as meninas, assim vamos aprendendo juntas — relatou a jogadora da seleção brasileira de futebol para surdos.
Será um momento especial para os surdoatletas, mas também uma grande oportunidade para Caxias do Sul e o Rio Grande do Sul darem um exemplo de inclusão, receptividade e valorização do esporte.
SURDOLIMPÍADA EM NÚMEROS
77 Países
4.203 Participantes
199 Surdoatletas brasileiros
45 Surdoatletas gaúchos
259 Ucranianos (maior delegação)
20 Modalidades
11 Locais de provas
56 Hotéis credenciados
8 Cidades envolvidas
1.370 Medalhas
250 Voluntários
30 intérpretes