No século 16, Maquiavel disse que os fins justificavam os meios. Trata-se de um pensamento que está proibido de entrar no Desportiva Manthiqueira, adversário do São José nesta sexta-feira (7) na Copa São Paulo de Futebol Júnior, às 13h. Geraldo Márgelo de Oliveira, o Dado, montou um time à imagem e semelhança de sua visão sobre o futebol. Como ganhar é mais importante do que a vitória em si.
Quando contrata jogadores para o time, Dado, ex-funcionário da Aeronáutica e filósofo de formação, entrega uma cartilha para cada atleta. Nela estão sete normas que devem ser seguidas. Entre elas estão a proibição de simular faltas e o treinador não deve ficar à beira do campo cantando jogadas.
Nada é óbvio ou ocorre da maneira mais lógica. A vontade de criar um clube-empresa surgiu em 2005, quando a filiação à Federação Paulista custava R$ 60 mil. O investidor que o ajudaria a quitar o valor desistiu do negócio. A ideia foi engavetada, mas seguiu pipocando na cabeça dele. O valor para inscrição aumentou gradativamente ano a ano. Chegou a R$ 600 mil. Seus amigos diziam que só se o Papai Noel faria o sonho se concretizar.
Em 2010, Dado recebeu um dinheiro que não esperava, e no ano seguinte a camisa laranja do Manthiqueira começou a desfilar pela quarta divisão do futebol paulista. Espirituoso, no centro de treinamento construiu uma capela com o nome de São Nicolau.
Na época, ele era o presidente. Sua primeira novidade foi contratar Nimara Alves para comandar o time. Ela ficou anos à frente do time. Foi mantida mesmo quando os resultados não eram os melhores. Depois que saiu, Dado penou com alguns treinadores que não se encaixavam na plenitude na filosofia de jogo. No fim do ano passado, decidiu virar treinador, deixando a presidência para o seu filho.
— Quem vem para cá tem de se adaptar. Se não se adaptar, vai para outro lugar. É a regra. Quero um futebol gostoso, a essência é o espetáculo. Trato futebol como arte — filosofa.
Sofrimento
O amor pelo jogo bonito surgiu do sofrimento. Dado brinca que é resultado da Síndrome de Estocolmo, quando a vítima desenvolve uma ligação sentimental com o abusador. No caso dele foi a Laranja Mecânica de 1974, responsável por eliminar o Brasil na Copa do Mundo daquele ano.
Daí vem a camisa laranja do Manthiqueira e a filosofia de jogo. Descartes, no século 17, sentenciou que o número é o regente das formas e ideias. Os números que definem as ideias de Dado são o 4-3-3, esquema tático do qual não abre mão.
— Achei a coisa mais linda (a Holanda). Aquela derrota foi um dos dias mais tristes da minha vida. Não aceitava de jeito nenhum. A derrota me fez procurar mais sobre a Holanda, e fui acompanhando. O sofrimento me levou à paixão — revela.
Garante, entretanto, que seus times não são engessados. Em campo, os atletas têm liberdade para arriscar. Seus treinos são formatados para incentivar a criatividade. Sua inspiração se apoia em jogadores como Falcão e o argentino Fernando Redondo, volantes que não abaixavam a cabeça.
Logo se confrontou com um problema nos treinamentos. A maioria dos jogadores só olhava para a bola. A solução foi a mais inusitada possível. Dado tirou a esfera de algumas atividades.
— Aí, entra o lado filosófico. No mundo de Platão, tudo é muito perfeito. Na nossa mente, tudo é muito perfeito. Então tirei a bola. Você não vai ter problema em dominar, errar o passe, acertar o gol. Tudo vai ser perfeito. Quero que olhem para o corpo inteiro, joguem de cabeça erguida. Olham muito para a bola e não estão tendo a leitura do jogo — esclarece, ressaltando que esse tipo de atividade é rara.
Para Pascal, a imaginação dispõe de tudo. A de Dado é bastante fértil.