Marco Aurélio de Oliveira, o Marcão, é um dos poucos técnicos negros na elite do futebol brasileiro. Aos 49 anos, efetivado no comando do Fluminense, clube que defendeu também enquanto atleta — no Rio Grande do Sul, jogou pelo Juventude, em 2007 —, tornou-se também uma referência na causa racial. Debate o assunto com outros profissionais e até fora do futebol.
Após um dia de trabalho em seu clube, ele atendeu, por vídeo, a reportagem do Grupo RBS para falar sobre a luta antirracista.
Como está o futebol brasileiro na causa racial?
Sempre falamos que o futebol é uma ferramenta pedagógica, de transformação social. Mas nós, negros, somos maioria nos gramados, temos o Rei do Futebol e não temos tanta representatividade fora de campo. Não falo só dos treinadores, mas também dirigentes, empresários. Precisamos que se facilite o acesso, de mais oportunidades. É uma causa justa, nobre. Temos de falar, tratar com cuidado. Vemos o que faz o Lewis Hamilton, é um ativista, está sempre lutando, mostrando as ações. É isso o que precisamos fazer.
Houve alguma evolução desde seu tempo como jogador?
Até teve, mas ainda assim precisamos falar sempre, toda vez que estamos nesta posição. Temos um grupo até fora do futebol para falar sobre isso. Damos atenção à Taça das Favelas. São pessoas que tratam a causa do racismo com muito cuidado. As pessoas que moram na periferia conhecem a causa dos negros. Muitas pessoas passaram por discriminação e ainda não vi nenhuma solução. Por isso temos de levantar o tema quando temos oportunidade. Preciso dizer também que meu clube, o Fluminense, é maravilhoso em relação a isso. Vejo o Bahia também participativo neste tema. Todos deveriam falar mais, até por isso não vejo aquela evolução como deveríamos ter.
Já sofreu algum episódio mais explícito de racismo durante alguma partida?
Dentro de campo, o futebol acaba diminuindo essa diferenciação por cor de pele. Nos tratamos com mais igualdade. Mas já vi outros passarem, e é um momento muito, muito ruim. Por isso não basta só não ser racista, precisa ser antirracista. Quando vemos algo assim acontecer, todos temos de agir. Muitas vezes esperam que um negro reaja, mas é missão de todos. Tem de brigar, dar voz de prisão, repreender. Precisamos exercitar tudo isso para, em algum momento, acabar de vez com o preconceito.
Você se sente mais pressionado em seu trabalho por ser negro?
Na verdade, sendo bem sincero, me sentia mais pressionado no início. Mas por ser o início mesmo. Como tinha sido como jogador. Mas sempre temos a impressão de que temos de fazer fazer tudo em dobro. Estou em um clube maravilhoso, mas sei que preciso trabalhar muito para ter sucesso. Precisa estar sempre antenado em todas as questões, viver 24 horas o futebol, para se colocar na cadeira com sua competência e não ser diferenciado por conta da sua pele ou por outras questões. A sociedade em si não vai demitir e dizer que é por causa da cor, e não falo só no futebol, em todas as profissões. Mas sabemos que isso existe.
Na Série A, tem você e o Jair Ventura como treinadores negros. Aqui no RS, tivemos Roger Machado e o Valmir Louruz, já falecido. Por que tão poucos?
Vocês falaram de duas pessoas maravilhosas. Roger é meu grande amigo, esteve aqui em casa há pouco tempo. Tive a oportunidade de conhecer o Valmir aí Juventude, uma pessoa de muita inteligência, com grande capacidade de raciocínio. Acho que precisamos nos especializar cada vez mais. É dessa forma que poderemos avançar. E é algo que o Hamilton faz nos projetos sociais, capacita pessoas para que possam atingir em um lugar no topo da sociedade lá na Inglaterra. Felizmente consegui fazer o curso da CBF, pude ir para a Europa ver os melhores campeonatos. Essa é a solução, estarmos cada vez mais preparados. Fazer um trabalho de excelência vai ajudar a diminuir a distância.
Que tipo de punição considera justa em um ato racista?
Tem de ser uma forma muito forte de punição. Nossas discussões e debates não adiantam muito se não tiver punição severa. Senão a pessoa acha que vale a pena. Precisa ser algo que faço as pessoas sentirem, que passe a mensagem adiante e não aconteça mais.
Você se considera uma referência para os meninos negros, que lhe veem fazendo sucesso, comandando um time na Série A?
Semana passada encontrei uns meninos que vêm de onde vim e pude ver o brilho no olho daquelas pessoas. Eles mandaram mensagem agradecendo porque, mesmo com tanto envolvimento com o trabalho, conseguimos ir lá encontrá-los. Teve um amigo que me falou: "Toda vez que vejo você na TV, falo para o meu filho que se o Tio Marcão conseguiu, então você pode conseguir". Isso dá uma responsabilidade e um orgulho tão grandes que nos faz continuar tentando, melhorando. Precisamos fazer o certo inclusive para essas pessoas.
De que forma os clubes podem ajudar nesta luta?
Devem fazer como o Fluminense, o Bahia. Sempre que tiver oportunidade, falar sobre essa questão. Educar e socializar. Os clubes podem aumentar o engajamento dos torcedores. Mostrar o problema, dar voz a esse tipo de questão. Preparamos uma homenagem para o 20 de Novembro no Fluminense, isso vai movimentar. Toda vez que posso, converso com o pessoal sobre isso.
Felizmente consegui fazer o curso da CBF, pude ir para a Europa ver os melhores campeonatos. Essa é a solução, estarmos cada vez mais preparados. Fazer um trabalho de excelência vai ajudar a diminuir a distância.
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Percebe divergência dentro do próprio movimento em temas específicos como cotas por exemplo?
Cada um tem um tem um posicionamento. E vamos mudando também de acordo com o que aprendemos. Por isso insisto que temos de criar um movimento organizado. Em algum momento, pensamos que não seriam necessárias cotas, mas depois entendemos que, sim, precisávamos. Muitos saem de condições muito adversas, inclusive financeiramente. Por isso precisamos de oportunidade.
Você tem mais ódio ou pena de um racista?
Tenho exercitado muito a empatia. O mundo está muito louco e não só nesta questão. Vimos aquele torcedor do Santos (Bruninho, 9 anos) que foi ameaçado pelos próprios santistas por causa de uma camiseta. Está nos faltando amor, na verdade. Ódio eu não tenho. Tento me colocar no lugar do outro. Acredito nas pessoas. Se vejo alguma coisa errada, vou lá falar com ela e mostrar. Às vezes alguém pode não saber, não ter uma clareza. Mas se mesmo depois disso tudo, continua com esse comportamento, bem, daí passo a ter pena mesmo.