Por: Marcelo Medeiros Carvalho
Chegou o "Novembro Negro", mês para discutirmos com mais ênfase a desigualdade racial, o genocídio da população negra e as diversas formas com que o racismo se manifesta na sociedade brasileira. Uma delas é se você leu a primeira frase deste texto e pensou em algo ruim ao ver a palavra "negro" colada ao nome do mês.
No dia a dia, muitas pessoas reproduzem expressões racistas sem ter conhecimento histórico. E isso mostra o quanto o problema segue enraizado no Brasil. Afinal, precisamos pensar que algumas adjetivações foram criadas em cima de situações vividas por negros, principalmente na época da escravização, e que semanticamente estão ligadas a um tempo de dor e subordinação de homens e mulheres. Refletir sobre o uso de termos e palavras racistas é fundamental para a diminuição do preconceito, para a criação de uma sociedade antirracista.
Neste ano, o Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, completa 50 anos. Esta data foi criado por um grupo gaúcho em 1971, em contraponto ao 13 de maio.
Apesar da escolha de uma data para reflexão estar completando cinco décadas, a cada vez que o dia se aproxima, uma parcela da sociedade insiste em dizer que não precisamos de um dia da Consciência Negra, afinal não temos o dia dos brancos e que todas as vidas importam. E isso diz muito de um país onde o racismo é um crime perfeito: mesmo evidente, promove desigualdades, mas as pessoas ainda negam que ele exista.
Precisamos urgentemente pensar em políticas públicas que promovam a inclusão e a diversidade – não podemos mais aceitar um país tão desigual. Não podemos mais aceitar que cerca de 14 milhões de pessoas em idade de estar trabalhando estejam desempregadas. Não podemos dormir tranquilos tendo conhecimento da volta da pobreza extrema e da fome que afeta parcela cada vez maior da sociedade. E tudo isso está ligado ao racismo: cerca de 75% dos mais pobres são negros.
Em um país onde 56% da população se declara preta ou parda, não podemos continuar achando normal que negros e negras não ocupem postos decisórios. Não pode mais ser indiferente aos nossos olhos que, em determinados locais, pessoas negras só estejam ali para servir, jamais como consumidores, espectadores ou usuários. Não é mais aceitável que a simples presença de uma pessoa negra em um local onde geralmente os frequentadores sejam brancos alguém se sinta autorizado a retirar a humanidade de um ser humano, sendo nesse caso imediatamente animalizados e atacados, para que voltem às posições subalternas.
O Brasil se estruturou em bases racistas. Ou seja, os insultos, os xingamentos e as ofensas são apenas uma parte do problema. Este tipo de racismo, caracterizado por Silvio Almeida como racismo individual, é mais fácil de ser identificado, por ser geralmente praticado em público. Nestes casos, identifica-se um indivíduo, mas não todo o problema, pois, mesmo em casos flagrantes de discriminação, dificilmente o autor vai preso – e na cadeia fique, como determina a Lei 7.716/89 ("A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão").
E a prisão, mesmo quando há flagrante, não costuma ocorrer muito porque quem julga não são negras, não são pessoas que sentem na pele a dor da ofensa e da injúria. Não sentem na pele a indiferença do olhar e o desprezo do entrevistador numa entrevista de emprego. Não sentem a raiva que gera ser humilhado por conta da cor da pele e não ter suporte para denunciar o agressor. Não sente na pele o que é carregar as marcas de ser suspeito sempre, mesmo sem a existência de um crime.
Não podemos mais cair na falácia que o povo negro não está em condições melhores por falta de esforço, afinal a meritocracia dá a todos a mesma oportunidade. Não temos as mesmas oportunidades e nunca teremos, seja por conta da brutal disparidade de condições de educação, seja porque quem dá as oportunidades não nos enxerga como capazes, ainda que tenhamos currículos e experiências iguais a uma pessoa branca.
Neste 20 de novembro não pergunte a negros como é ser de fato um antirracista. Leia, pesquise, se informe. Não pense que só negros podem falar de racismo. Você que não é negro também pode, principalmente quando estiver em um espaço onde piadas racistas sejam reproduzidas. Busque tornar os ambientes mais diversos, promova a inclusão. E lembre-se que o "Novembro Negro" não é ruim, assim como não é ruim quando algo esteja se tornando preto ou quando for algo realizado por pessoas pretas.
Pense e repense o seu vocabulário. Não use mais expressões e palavras racistas, e você vai estar dando um grande passo para combatermos essa chaga que assola a sociedade brasileira.
E nunca esqueça que o racismo, mesmo disfarçado de opinião, piada ou comentário, leva a uma grave consequência: a morte de seres humanos simplesmente por terem a pele preta.