Douglas Costa de Souza, 31 anos, natural de Sapucaia do Sul, região metropolitana de Porto Alegre, é o terceiro entrevistado da série Nossa Voz. O camisa 10 do Grêmio conheceu diversas realidades em sua carreira, que teve passagem por Ucrânia, Itália e Alemanha. Viu de perto o preconceito e a luta de cada país. Conscientizou-se da importância do debate e de abordar o tema.
Na semana passada, antes de treinar no CT Luiz Carvalho, ele conversou com a reportagem do Grupo RBS. Revelou seus ídolos da causa, comparou as situações de cada país e apresentou suas ideias no combate antirracista.
O que é racismo para você?
Baseado em toda a história e em tudo que acontece, o racismo é quando as pessoas acabam discriminando somente pela cor pele. Tenho visto mudar no decorrer dos anos porque pessoas como eu, como o Taison, como a Daiane dos Santos, atingiram um nível importante no esporte e conseguem ser ídolos de diversas pessoas que não são negras. Quebramos várias barreiras, e isso ajuda outros jovens negros também a sonharem e saberem que as coisas vêm mudando. Claro que a luta continua. Vimos Barack Obama no poder, o que não acontecia antes. Isso realmente incentiva jovens a lutar pelos seus ideais e saber que não é somente pela cor da pele que se refere uma pessoa.
Vê alguma evolução na luta contra o racismo?
Acredito que o racismo ainda é muito forte, mas vem mudando de uma maneira positiva. As crianças estão entendendo que a cor da pele não difere uma pessoa. Passei por países como Alemanha, Itália e Ucrânia, onde realmente muitas pessoas são bastante racistas. Fomos lá e mostramos que essas coisas não interferem no nosso dia a dia. Acho que o Taison sofreu alguma coisa de racismo lá na Ucrânia, o Alex Teixeira também. Eu nunca sofri, então não posso afirmar coisas que não passei. Mas eu sou um cara que sempre vai brigar, até pela importância que tenho, me vejo na obrigação de brigar por esse assunto. Acho que meus filhos sabem muito bem sobre isso, precisam ter atenção. Talvez as pessoas não tenham o mesmo grau de inteligência deles ou a base familiar que eles estão tendo, para não ofender uma pessoa ou sujar uma imagem em relação à cor da pele.
Você viveu algum episódio nítido de preconceito?
Não sofri diretamente, mas como negro eu indiretamente sofri, e acredito que é uma merda. As pessoas te julgam pela tua cor, e não pelo teu caráter, pela tua índole, e isso se tu não tiveres, como eu disse, uma boa base familiar e uma cabeça boa... essas coisas mudam teu dia a dia, teu rumo, teu modo de pensar. A mim de fato não afeta por ter tudo isso que mencionei, e a minha família ser meu alicerce em meio a todas essas confusões.
Na Europa o racismo é mais latente do que aqui?
Acredito que sim, até porque aqui temos mais pessoas negras do que nos outros países, então estamos mais acostumados a ver isso. O que mais me assusta é quando os brasileiros são racistas, porque já são habituados a conviver com todos os tipos de cor da pele. Na Europa, não passando a mão na cabeça de ninguém, mas lá eles foram educados de outra maneira, totalmente irracional.
O que mais me assusta é quando os brasileiros são racistas, porque já são habituados a conviver com todos os tipos de cor da pele.
DOUGLAS COSTA
Falando sobre racismo no país
Com você não ocorreu nada?
Acho que comigo isso nunca aconteceu até porque nunca foquei nisso. Sou um cara que entra no campo e esquece todos os problemas. Tento resolver de uma maneira mais coletiva e jogando futebol. Nunca vivenciei isso diretamente, só vi meus companheiros. Na vez que aconteceu com o Alex (Teixeira) eu nem estava no campo, estava no banco de reservas, bem longe, só vi o burburinho. Acho que foi um lance parecido com o do Daniel Alves, o cara jogou uma banana e ele jogou de volta.
Que punição merece alguém que faz isso?
O torcedor que tem esse tipo de atitude não deve mais frequentar um estádio, porque ele não sabe se comportar perante o público e perante suas emoções. E, no caso de um jogador fazer a ofensa, acredito que também ele deve sofrer as mesmas punições. Uma pessoa que entra em um jogo com milhões de pessoas assistindo em todo o mundo não pode ser um exemplo negativo.
Considera justas as punições dadas aos racistas no futebol?
Acho que são corretas, porque não só nos estádios como em qualquer parte das nossas vidas não pode ocorrer o racismo. Mas quando ocorre, tem de tomar as medidas preventivas que vêm sendo tomadas.
Quais são seus ídolos negros?
Barack Obama é um dos caras que mudaram realmente o rumo do povo negro. Me interesso por diversos filmes e documentários sobre o racismo, sobre a consciência negra. No esporte, me fascino quando vejo uma história vencedora, ainda mais quando é um negro.
No futebol, além dos jogadores, quais são suas referências em outras funções, como treinador, dirigente, imprensa?
Gosto bastante do que faz o Cesar Fabris (repórter) que é gaúcho, é negro e representa muito bem. Acho que o Roger (Machado) também é um treinador importante. São pessoas negras fazendo sucesso, vibro muito, porque é nessa tecla que eu bato: nós, como negros, às vezes temos uma dificuldade um pouco maior. Mas não me coloco como vítima da situação e tento ajudar da melhor maneira possível.
Que ações podem ser feitas para combater o racismo?
É uma pergunta extremamente difícil, até porque existe isso há anos e por mais que tenham sido abordados diversos assuntos tentando gerar uma solução, ninguém conseguiu resolver isso. Então, não existe um antídoto, um remédio. Acho que começa nas escolas, de onde vem a base de tudo. Não tenho uma resposta completa sobre isso porque é um tema muito complexo.
Como você pode ajudar nessa luta?
Acredito que temos muita força nas redes sociais. Tento entender a melhor maneira de debater, ajudar, compartilhar. Quanto mais pessoas importantes se indignarem de uma maneira positiva para poder ajudar a consciência de todos, melhor. Entrego minha imagem, minha figura e todo o enredo que tenho para poder ajudar.