Dois rebaixamentos, um acesso inesperado e a necessidade de uma reconstrução após o trágico acidente há cinco anos fizeram com que a Chapecoense tivesse altos e baixos após 2016, ano que mudou a história do clube que se firmava na elite do futebol brasileiro. Apesar de um recomeço promissor, com o título catarinense e um oitavo lugar no Brasileirão de 2017, os problemas administrativos e financeiros rebaixaram a equipe à Série B em 2019.
Antes disso, porém, o cenário era de completa reestruturação. Mais do que a contratação de um novo time, muitas das pessoas que haviam colocado a Chapecoense em uma posição de destaque morreram no acidente. Foi preciso se refazer dentro e fora de campo.
— A Chapecoense perdeu seu principal ativo, que eram seus colaboradores. Perdemos quase que integralmente. E perdemos a parte cerebral, também, que eram os nossos dirigentes — diz Ilan Nazário, atual vice-presidente jurídico da Chapecoense.
Para 2017, o então presidente do Conselho Deliberativo do clube, Plínio David de Nês Filho, foi aclamado como o novo mandatário. Ivan Tozzo, que assumiu interinamente a presidência após a morte de Sandro Pallaoro no acidente, voltou a ser vice-presidente. Rui Costa, com passagem pelo Grêmio, foi escolhido para ser o diretor executivo, e Vagner Mancini, atual técnico gremista, assumiu o cargo de treinador no recomeço da equipe catarinense.
No elenco, jogadores como Douglas Grolli, Fabrício Bruno, Reinaldo, Luiz Antônio, Rossi e Wellington Paulista fizeram parte do time no primeiro ano após a tragédia. Os resultados foram expressivos para uma equipe em reconstrução. O problema, de acordo com o atual presidente da Chape, Gilson Sbeghen, foi o desequilíbrio nas finanças do clube.
— A tragédia impactou muito. Em 2018, pagamos um preço muito caro para permanecer na Série A. Em 2019, também gastamos demais. Nossa dívida saltou, com acordos e pendências. Em dois anos foi a R$ 80 milhões. Não tínhamos nada de dívida, havia até reserva de caixa — relatou Sbeghen em entrevista a Leonardo Oliveira, colunista de GZH, em outubro.
O repórter Rangel Agnolin, do canal Mais Sports e da Rádio Oeste Capital, de Chapecó, explica que essa tentativa de manter a Chape na Primeira Divisão a qualquer custo teve um preço alto a ser pago. Mas teve como razão, em especial, o medo da Segunda Divisão.
— Em 2018, as contas começaram a desandar. Foi feito um esforço para o clube se manter na Série A, porque aqui (em Chapecó) tinha-se um medo grande da Série B. Muita gente achava que, se caísse, o clube iria terminar — relata o jornalista.
A queda à Série B, em 2019, foi o primeiro rebaixamento do time catarinense em um campeonato nacional na sua história. Mas o clube não acabou, como alguns temiam. Pelo contrário, no ano passado, um inesperado título e, consequentemente, o retorno à Primeira Divisão fizeram com que o clube, ainda sem a estrutura necessária para voltar à Série A, encarasse a dura missão de estar novamente na elite do futebol brasileiro em 2021.
— Principalmente, pela situação da pandemia, não tínhamos no nosso planejamento voltar neste ano à Série A. Como os resultados apareceram, chegamos. Sabíamos das dificuldades que enfrentaríamos em 2021. Nosso orçamento é o menor de todos os clubes. Não tínhamos capacidade de investimento — explicou o presidente da Chape.
De acordo com ele, a folha salarial da equipe é de cerca de R$ 2,2 milhões mensais. As dívidas com as famílias dos mortos no acidente de 2016 também causam um impacto profundo nas finanças da Chapecoense. Em cinco anos, o clube gastou cerca de R$ 50 milhões em despesas de auxílio e indenizações.
— Temos os acordos com as famílias, que foram formalizados no início de 2018 e 2019. Levaremos 10 anos para pagar. Hoje, nos consome R$ 460 mil por mês. É um valor considerável para um clube com o nosso orçamento. Mas é uma responsabilidade que a Chapecoense está assumindo. Embora ainda lutemos por justiça, assim como todos os familiares. Temos ações contra o governos boliviano e colombiano, a extinta companhia aérea e seguradoras. Pelo menos, queremos que assumam a responsabilidade, assim como a Chape assumiu e não deixou as famílias desassistidas — disse Sbeghen.
O acidente aéreo corresponde a cerca de 40% da dívida atual da Chapecoense, de aproximadamente R$ 120 milhões. Ainda existem 11 acordos, com familiares de sete vítimas, que não foram firmados por conta da crise financeira do clube.
— Não conseguimos chegar nos valores ainda. O problema é que tivemos dificuldades no ano passado, com a queda. Não conseguiríamos honrar esses compromissos, pagá-los em dia. E não quisemos fechar acordos que não conseguíssemos cumprir — justifica o vice jurídico.
Neste meio do caminho, o clube ainda sofreu com a morte do presidente Paulo Magro, em dezembro de 2020, por conta de complicação da covid-19. Sbeghen era seu vice-presidente administrativo e financeiro e ficará no cargo apenas até o fim deste ano. Portanto, o futuro da Chapecoense ainda é incerto. No ano que vem, espera-se uma redução para uma folha salarial inferior a R$ 1 milhão para que o clube possa seguir honrando seus compromissos. Será mais um recomeço, de tantos que a instituição já passou.
— A situação financeira é difícil. No ano passado, foi feito milagre para manter os pagamentos em dia. Em 2021, melhorou, pena que o futebol não correspondeu e descemos de novo. Claro que prejudica, porque o orçamento diminui em seis vezes. A próxima gestão terá um desafio bem grande e dependeremos do apoio de todo mundo. A Chapecoense tem solução, mas temos de andar pelo mesmo caminho. Temos de unir forças — apela Ilan Nazário.
Força, essa, que um clube que passou por um dos capítulos mais tristes da história do esporte brasileiro já demonstrou que tem. E contará com a ajuda de uma torcida, ainda que nem tão numerosa, mas apaixonada por uma relação forjada na dor, que espera voltar a sorrir em breve.