Depois de acompanhar o Ba-Gua 428, na manhã de domingo (5), fica ainda mais difícil entender como o futebol brasileiro sobrevive sem torcida. Um estádio vazio é um corpo sem alma. Claro que se compreende a restrição que o coronavírus impõe. Mas é inigualável o ambiente de uma partida com barulho da charanga, explosão do gol e até o silêncio que vem quando quem marca é o adversário.
O clássico de Bagé foi o primeiro jogo com público no Rio Grande do Sul desde março do ano passado, no início da pandemia. O confronto, válido pela sétima rodada da Divisão de Acesso, terminou empatado em 1 a 1. Tairone abriu o placar para o Bagé, e Rapha deixou tudo igual para o Guarany.
Depois de terminar em um Gre-Nal, o futebol de verdade voltou em um Ba-Gua. Por futebol de verdade, explica-se com algumas ilustrações que, de tão banais, nem pareciam estar longe da realidade atual. Conforme se aproximava a hora do jogo, as ruas que levam ao Estádio da Pedra Moura começaram a ver movimento de torcedores vestidos de amarelo e preto. Eram famílias, amigos.
Uma chuva fina caía, dando um ar ainda mais tradicional a mais um Ba-Gua. Quando um torcedor desceu de seu carro e ligou o alarme, veio o indefectível: "Bem cuidado aí!". Até o guardador de carro voltou. Nas arquibancadas, havia o reencontro com o time e com os companheiros de cimento gelado.
— Não tem nada melhor do que estar aqui. Venho à Pedra Moura desde a infância, e fez muita falta ficar todo esse tempo sem vir — disse a advogada Dani Barcellos, 29 anos, que, enrolada na bandeira jalde-negra, estava acompanhada dos amigos Alexandre Iserhardt Pinto, Vica Barreto, Camila e Everton Melo após um ano e meio de ausência.
O chefe de armazém Rubensmar Colvara não vinha ao estádio de seu time há, pelo menos, 34 anos. Natural de Bagé, ele se mudou há três décadas para Cruz Alta, no noroeste gaúcho. Foram mais de quatro horas e meia na estrada para percorrer os 368km que separam as duas cidades. Isso só na ida.
— Vinha aqui quando era pequeno. Não podia perder essa chance de voltar agora — declarou.
De diferente, as orientações do sistema de som. Além da tradicional "não jogue objetos no gramado", desta vez tinha também os pedidos para usar máscara e manter o distanciamento de um metro. Havia a preocupação de que, por ser um clássico, os nervos estariam à flor da pele, causando exageros e descumprimento de normas. Mas, no entendimento das autoridades, o comportamento dos torcedores atingiu as expectativas. Poucos ajustes foram necessários e, ao final, o clássico foi aprovado.
Claro que nem todo mundo atendeu a todos os pedidos durante todo o tempo. Houve quem não levasse a sério a necessidade de usar máscara, e também quem a tirava pontualmente, fosse para comer pipoca, tomar refri ou fumar. Jogo nervoso, afinal…
Integrantes da torcida organizada ficaram em pé, ainda que relativamente distanciados, durante um pedaço da partida. Mas, depois, houve a solicitação de que sentassem para atender as normas. E a curiosidade: os tambores poderiam seguir, mas instrumentos de sopro deveriam cessar. Ainda assim, apoiou-se o time durante todo o tempo.
— O comportamento foi acima das expectativas. O evento teve bom público, atendeu os protocolos sanitários, mantendo as exigências e regras de segurança. Os torcedores foram exemplares e ficaram felizes com o reencontro. Foi um domingo histórico para a comunidade de Bagé. Isso nos motiva a dar continuidade à abertura dos estádios — comentou o prefeito Divaldo Lara (PTB).
O presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Luciano Hocsman, completou:
— Para uma primeira partida, um clássico, tivemos saldo positivo. Alguns problemas pontuais aconteceram e foram ajustados pela equipe diretiva do clube mandante e pelo supervisor da FGF. Vamos avançando pouco a pouco.
Entre os profissionais, emoção pelo retorno. Os técnicos Fabiano Daitx (Bagé) e Badico (Guarany) pareceram ter consciência de que o jogo foi um marco para o futebol gaúcho.
— Estou feliz, orgulhoso de ser o técnico que recebeu a torcida. Fizemos um bom jogo, poderíamos ter vencido, mas tudo bem. O importante foi ter o pessoal de volta aqui. Até a cornetinha no final fazia falta — brincou Daitx.
Badico também comemorou a volta do público. Na quarta-feira, será sua torcida a estar presente, no Ba-Gua do returno, no Estrela D'Alva. Ele mandou um recado aos alvirrubros:
— Espero que tenham o mesmo comportamento dos torcedores do Bagé, que foram educados e nos receberam muito bem. Falamos que deveria ser um jogo limpo, pegado como é o Ba-Gua, mas só dentro de campo. Demos um belo exemplo.
E até quem poderia ter menos saudade da torcida garantiu que o sentimento era o exato oposto. Marcus Vinícius Gonçalves dos Santos, que apitou o Ba-Gua, assegurou que sentia falta do ruído das arquibancadas — mesmo que nem sempre fossem os elogiosos a si e a seus familiares. Ao final do confronto, o juiz, que veio de Porto Alegre para comandar o jogo, afirmou:
— Assim que apitei o início da partida, falei para os companheiros no comunicador: "Que saudade eu estava dessas torcidas". Sabemos que os cuidados precisam ser tomados, mas o barulho do público é bom demais. É de arrepiar a volta da torcida.
A sétima e oitava rodadas da Divisão de Acesso têm público liberado, com limite de 800 ingressos. A partir da nona, serão permitidos os 2,5 mil (ou 40% do total) autorizados pelo protocolo do governo do Estado.
O futebol de verdade está voltando. Aos poucos. Com cuidados. Mas está voltando.