Vem aí a Geração Rayssa. Nas últimas semanas, após o Brasil conquistar três medalhas de prata na estreia do skate nas Olímpiadas, as pistas da região metropolitana de Porto Alegre foram tomadas nos finais de semana por crianças que sonham em aprender as manobras que consagraram Kelvin Hoefler, Rayssa Leal e Pedro Barros em Tóquio.
Uma delas é Breno, 10 anos. Depois de vibrar com os skatistas brasileiros nas madrugadas olímpicas, o menino de Novo Hamburgo apaixonou-se pelo esporte e pediu para a mãe o matricular em uma escola de skate.
— Eu adorei ver a Rayssa. Ela foi a minha maior inspiração porque ela andava nas Olimpíadas como se estivesse em uma pista no parque se divertindo. Ela tem só 13 anos e ganhou a prata, enquanto outras mulheres bem mais velhas não chegaram nem ao pódio. O skate é um esporte que não tem idade e foi isso que me motivou a andar — conta Breno.
A mãe, a assistente social Cristiane Reuter, 41 anos, não só ficou feliz com a empolgação do filho como prontamente estimulou que o garoto praticasse a modalidade.
— Acredito que o esporte canaliza a energia da criança para coisas positivas. Durante as Olimpíadas, a gente ficava quase toda a madrugada assistindo às provas. O Breno via os skatistas caindo, se concentrando e depois acertando a volta seguinte e se inspirou nisso. Hoje eu o levo direto para andar e vejo que o skate o ajuda a entender que o corpo alcança aquilo em que a mente acredita — explica.
O skate já faz Breno ser sucesso entre os amigos:
— Logo depois da Olimpíada, teve na escola o dia da profissão. Como o meu sonho é ser professor de skate quando crescer, levei meu skate e meu capacete. Os colegas acharam muito legal, e a professora até deixou eu andar um pouco na sala.
Quem também aderiu à nova moda foi a pequena Alanis, 7 anos. Mesmo tão jovem, a estudante já consegue se equilibrar na prancha e sonha no futuro em realizar as manobras de Rayssa Leal.
— Foi muito espontâneo. Ela pegou o skate da amiga e já começou a andar sem cair. Quando a levei na loja, já saiu de lá andando de skate. Nas Olimpíadas, ficou impressionada com a Rayssa. Quando acabou a competição, ela me perguntou se tinha mais. E, no outro dia, já estava na rua tentando imitar a Fadinha — conta a mãe, a designer Tatiana Abreu, 44 anos.
Breno e Alanis não são os únicos garotos que começaram a se aventurar no skate nas últimas semanas. Após o sucesso do Brasil nas Olimpíadas, o professor e presidente da Federação Gaúcha de Skate (FGSKT), Régis Lannig, 42 anos, registrou um aumento de quase 80% no seu número de alunos.
— Logo após a primeira medalha conquistada pelo Kelvin, antes mesmo da Rayssa, já tinha gente me procurando querendo marcar aulas. Depois das medalhas da Rayssa e do Pedro (Barros), vimos aumentar a procura por aulas de forma muito significativa. Além disso, várias escolas particulares, grandes clubes de Porto Alegre e muitas prefeituras começaram a nos procurar interessados em iniciar projetos — explica.
Ao mesmo tempo em que comemora o crescimento meteórico do skate, Régis manifesta preocupação com o crescimento na oferta de aulas da modalidade por professores sem a capacitação necessária.
— Cresceu a demanda, mas também aumentou o número de pessoas dando aulas sem a devida qualificação. A iniciação é um período muito importante na prática esportiva. Uma primeira aula malsucedida pode fazer com que o aluno perca o interesse no esporte. Por isso, é importante que os pais pesquisem sobre o currículo e a experiência dos professores. Estamos preparando formas de qualificar os instrutores para eles atuarem no mercado. Acreditamos ainda que, com as Olimpíadas, vai aumentar a pesquisa e a produção científica sobre skate, o que vai ajudar bastante — completa Lannig.
Embora ainda não haja uma estatística oficial sobre o números de novos praticantes depois das Olímpiadas, o aumento de interessados é percebido nas praças e pistas públicas.
— Nunca vi tantas crianças andando com os pais quanto agora. Foi só saírem as primeiras medalhas, e os pais começaram a trazer os filhos para a pista. Nos finais de semana, às vezes a gente nem consegue andar. A procura pelo skate está muito grande e isso é muito legal, pois a galera que já anda há mais tempo aceita todos. O skate não tem idade, nem gênero, nem classe social e nem preconceito — afirma o empresário Adu Marzo, 43 anos, frequentador assíduo desde os anos 1990 da pista do Parque Marinha do Brasil.
Aumento nas vendas
O boom no skate é comemorado também pelos comerciantes que trabalham com produtos relacionados à modalidade. Segundo o empresário Fernando Ledur, 30 anos, proprietário de duas lojas especializadas no Vale dos Sinos, as vendas aumentaram em 30% após os Jogos.
— Foi um aumento bem expressivo. Percebi principalmente um aumento no público feminino. Apareceram nas nossas lojas muitas meninas querendo andar de skate. Sinto que muitos pais tinham preconceito com o esporte, pois achavam que era coisa de homem, e a Rayssa Leal quebrou um pouco esse paradigma — avalia Ledur.
A maior presença feminina nas pistas de skate é comemorada pelas mulheres que já praticam a modalidade há mais tempo.
— É mais legal e divertido quando tem mulheres junto. Quando eu comecei a andar, não me sentia muito confortável, pois 90% das pessoas nas pistas eram homens. Às vezes, eu demorava uma hora para descer a rampa. Se existissem mais mulheres andando, teria sido mais fácil. Depois que comecei a ver mais meninas andando, fui me enturmando e me habituando — explica a estudante de biologia marinha Rafaela Siqueira, 22 anos, que pratica o esporte há quase 10 anos.
Já a estudante de biologia Camila Flores, 24 anos, anda de skate há oito anos e participa do coletivo Girls Skate Power, grupo de skatistas fundado em 2015 que tem como objetivo tornar o ambiente nas pistas mais agradável para o público feminino.
— As mulheres sempre foram minoria no skate. O nosso grupo surgiu da necessidade de unir as gurias que praticam o esporte, pois é sempre muito inspirador para uma mulher ver uma outra mulher andando. Agora, com as Olimpíadas, cada vez mais mulheres têm começado a praticar, e várias amigas estão me pedindo para ensiná-las a andar. É muito legal ver mulheres depois de adulta criando coragem para começar um esporte novo — comemora Camila.
Na pista do Marinha, a reportagem de ZH encontrou vários praticantes que aprenderam a andar de skate depois de adulto. O contador Paulo Boeira, 47 anos, por exemplo, começou em fevereiro deste ano.
— O skate não tem idade. Sempre gostei de esportes, mas, com a pandemia, as academias foram fechadas. Então, comecei a andar de skate por ser um esporte ao ar livre. A pessoa só tem que ter disposição e respeitar os limites do corpo. No skate, só dependemos da gente para evoluir. Como o tombo faz parte do aprendizado, o esporte acaba sendo um sinônimo da nossa vida. Quando cai, tem que se levantar — explica.
Já a administradora Roberta Barata, 40 anos, também ingressou na modalidade há menos de um ano e garante que não é difícil de aprender.
— Comecei a praticar durante a pandemia. Foi uma grata surpresa, é muito legal. Andar em linha reta no asfalto é muito tranquilo de aprender. Só tomei dois tombos até agora — comemora.
Apesar de estimular o corpo, trazer benefícios a saúde e ter uma estrutura profissional de competições, o skate é considerado pelos praticantes algo maior do que uma simples modalidade esportiva.
— O skatista é uma espécie de artista, além de ser questionador e revolucionário. O skatista transforma o banco da praça em um ponto de manobra e ressignifica o mobiliário urbano. O skate sempre esteve ao lado do movimento punk e hip hop. A modalidade transcende o universo esportivo e transita no universo político — observa Lannig.
União entre os praticantes
Em Tóquio, uma característica que chamou atenção do público foi a união entre os skatistas. Mesmo disputando uma medalha importante, os atletas vibravam com as manobras bem executadas dos adversários. Nas pistas da Capital, o ambiente é parecido.
— Foi muito legal ver o skate nas Olimpíadas, mas acho que os narradores viajavam quando torciam para os skatistas estrangeiros caírem. A vibe do skate não é essa. Somos todos amigos. Não tem graça só tu acertar e os outros não. Quando alguém faz uma manobra legal, todos vibram junto — critica o estudante Luca Macchi, 13 anos, que também costuma andar no Marinha.
Apesar de trazer mais visibilidade para a modalidade, a entrada do skate no programa olímpico não foi unanimidade entre os skatistas.
— Muitos esportes têm a competição como um fim. No skate, a finalidade é a superação pessoal. Alguns skatistas optaram por não participar das Olimpíadas, pois acreditavam que os Jogos poderiam descaracterizar o skate como um estilo de vida. Já eu penso que foi justamente esse estilo de vida que atraiu o skate para as Olimpíadas. E acho que conseguimos preservar isso, tanto que essa amizade entre os atletas chamou atenção da mídia. E acredito que toda essa visibilidade pode trazer mais atenção do poder público, o que trará como consequência a construção de pistas melhores — avalia Lannig.
Os praticantes relatam ainda que o skate ajuda no combate à ansiedade e aos problemas emocionais, pela adrenalina que desperta e principalmente pela socialização que o esporte promove.
— Quando eu ando de skate, esqueço dos problemas e entro em contato com a natureza e comigo mesmo. É um esporte individual, mas que também é coletivo, pois estou sempre andando com os meus amigos. Uma tarde de skate é para mim como se fosse uma ida ao psicólogo — resume o estudante de administração Artur Jobim, 25 anos.
Já Rafaela Siqueira conta que o skate a ajudou a superar seus medos.
— No início, eu não conseguia descer as rampas e paredes. Tinha medo de cair. Mas eu não descansei enquanto eu não desci. Tem muitas coisas que nós deixamos de fazer na vida pelo medo de dar errado. E o skate me ensinou a ver o quanto muitas dessas coisas na verdade são bem simples. Temos que tentar. Só tentando vamos saber se vamos conseguir. E o skate é assim. O skate estimula que a pessoa vença as suas dificuldades — conta.
A estudante relembra ainda que, quando começou a andar, aos 13 anos, teve dificuldade para convencer o seu pai a lhe comprar um skate. Porém, ele acabou cedendo, ao perceber o quanto o esporte lhe fazia bem.
— O meu meu pai tinha medo que eu me machucasse. Então, eu andava no skate da minha amiga. Ela gostava de andar na frente do menino que ela gostava para ser notada por ele. Então, eu esperava ela terminar de andar e aí ficava até o final do dia me divertindo com o skate dela. No final, a minha amiga conquistou o menino e eu convenci o meu pai a me dar um skate. Desde então, nunca mais parei de andar — relembra a skatista:
— A verdade é que, quando tem skate envolvido, todo mundo sai feliz — resume.
Veja cinco dicas para iniciar no skate:
- Adquirir o skate em lojas especializadas na modalidade.
- Procurar um professor ou instrutor e pesquisar sobre o currículo do profissional
- Usar equipamento de segurança: capacete, joelheira, cotoveleira e protetor de pulso.
- Respeitar os limites do corpo.
- Tolerar os erros e os tombos. Eles fazem parte do aprendizado.