Nenhum programa de rádio se mantém tanto tempo no ar sem que tenha conquistado o coração dos ouvintes. Para comemorar os 50 anos do Sala de Redação, GZH ouviu cinco pessoas que ajudaram a ilustrar por que o debate esportivo da Rádio Gaúcha se tornou uma referência em suas vidas. O primeiro deles é Athos Filippon.
Quando o programa foi ao ar pela primeira vez, em 14 de junho de 1971, ele era um jovem de apenas 25 anos, que morava em Bento Gonçalves, na Serra gaúcha. Apaixonado pelo Inter, por sua coleção de selos e de discos, recorria ao rádio para acompanhar as notícias do dia.
— Eu sei como iniciou o Sala de Redação. O Cândido Norberto, com um microfone solto, dentro da redação do jornal, conversava com os repórteres e perguntava sobre o assunto que estavam tratando na hora. Era muito interessante — recorda.
Apesar de ter acompanhado os primeiros programas, ele admite que só se tornou um ouvinte assíduo a partir da nova formatação, em 1978, quando os debates esportivos ganharam espaço de vez.
— Eu passei a acompanhar mais quando vieram para a Gaúcha o “professor” Ruy, o Lauro Quadros... Para mim, um jogo de futebol, independente de ser do Grêmio ou do Inter, só termina depois que eu ouço o Sala de Redação. Aí completa também a jornada esportiva — destaca.
Ao longo dos anos, Athos transformou sua paixão em um ritual acompanhado por toda a família — principalmente pela esposa Delfina e pelo filho Diogo.
— Nós almoçávamos, subíamos para o quarto do meu pai e deitávamos para ouvir o programa. Só que a rádio ainda era AM. E aí, quando o vizinho ligava o televisor, dava uma interferência absurda no nosso aparelho. Não escutávamos nada. Quando o Inter fez 5 a 2 no Gre-Nal de 1997, a gente foi na casa dele e pediu: "Ó, hoje tu não vais ligar a TV, porque queremos escutar o Sala de Redação". O detalhe é que o vizinho era gremista — conta Diogo, de 38 anos.
— Ele aprendeu a ouvir o Sala junto comigo. Era meu companheiro — diz o pai, orgulhoso.
Nos últimos tempos, porém, a vida pregou uma peça no patriarca da família Filippon. Diabético, ele perdeu a visão do olho direito e só conseguiu recuperar parte do esquerdo graças a um tratamento cuidadoso. Assim, aquele homem ativo, que trabalhou em fábrica e foi chefe de escoteiros, teve de se reinventar.
— Não cuidei muito do meu diabetes e tive sangramentos na retina. Em casa, não uso bengala. Só na rua. Dentro de casa, eu sei onde estão todas as coisas. Antes de ficar deficiente visual, minha maior dedicação era colecionar selos, ouvir discos e rádio. E hoje o que mais faço é ouvir rádio. E o Sala de Redação é o meu programa favorito — completa.
Independente da dificuldade vivida, Athos só perde o sorriso quando precisa enxugar as lágrimas que correm pelo rosto. Emotivo, chora com frequência enquanto as recordações transbordam na mente.
— Teve uma época em que trabalhei em uma fábrica e na hora do almoço íamos para o galpão e eu ficava com o meu “radinho”. Ultimamente, eu almoço e vou para o meu quarto. Fico um pouquinho sentado na minha cadeira, depois eu deito. De vez em quando, dou umas cochiladas no meio da história — conta ele às gargalhadas.
Para mim, um jogo de futebol, só termina depois que eu ouço o Sala de Redação
ATHOS FILIPPON
ouvinte do Sala de Redação
Com 75 anos de idade, Athos teve de se adaptar a uma rotina bem diferente. Por exemplo, já não tem mais a companhia do filho ao seu lado, na cama, para acompanhar os debates esportivos. Porém, independentemente da distância que possa existir, os dois continuam em sintonia. Literalmente.
— A paixão pelo Sala veio através do meu pai. Durante a pandemia, meu companheiro foi o rádio. Minha esposa brinca: “Tu fica mais com os caras da rádio do que comigo”. Eu escuto enquanto estou no banho, fazendo comida ou lavando louça. E hoje meus filhos estão sempre por perto de mim, escutando também. Eles são bem pequenos, mas a gente tenta passar a sementinha dessa cultura que é bonita — conta Diogo, que é pai dos pequenos Maria Antônia e João Alfredo, de quatro e dois anos de idade.
E assim a paixão pelo Sala de Redação continua, de geração para geração. De Cândido, para Ruy e para Pedro Ernesto. De Athos, para Diogo e para Maria Antônia e João Alfredo.