Começo de temporada é aquele período do ano em que a gurizada merece atenção especial no futebol. O calendário normalmente reserva para essa época algumas das principais competições de jovens do país, como as copas São Paulo e Santiago e o Efipan, disputado em Alegrete. Mas em 2021, a pandemia fez os campeonatos serem suspensos, trazendo a frustração pela falta desses torneios mas gerando uma nova oportunidade: agora, os guris estão recebendo chances ainda mais cedo no time principal.
Do grupo do Grêmio que encara o Aimoré, pela quinta rodada do Gauchão, na sexta à noite, apenas o lateral Bruno Cortez não passou por Eldorado do Sul, onde está o CT Hélio Dourado. Os demais relacionados estiveram em alguma categoria de base do clube. Uns desde a infância, outros já chegaram ao sub-20. Mas todos atuaram por pelo menos um time que não fosse o principal.
Léo Chu é um exemplo dos "veteranos". Quando chegou ao Grêmio, há 11 anos, apresentou-se no CT do Cristal, para as escolinhas. Passou por todas as categorias, foi emprestado e agora retorna ao clube para receber as primeiras oportunidades no time de cima.
— É jogando que os garotos vão melhorando. Se eles estão escalados, é porque têm minha confiança. O Grêmio respira com a base — declarou Renato Portaluppi recentemente.
No Inter não tem sido diferente. Nas três primeiras rodadas do Gauchão, o espaço foi aberto às "crias do Celeiro". Na estreia e no segundo jogo, o time que venceu o Juventude e o que empatou com o Pelotas foi representado por 100% dos profissionais formados em Alvorada, sede do CT Morada dos Quero-Queros. Até o técnico, Fábio Matias, era do sub-20. Ele comandou também no terceiro compromisso, e contou com reforços de Yuri Alberto e Maurício.
A nova direção assumiu como compromisso de campanha ter pelo menos 40% do grupo formado por jogadores oriundos da base, sendo quatro titulares. Foi assim que se abriu espaço para Lucas Ramos, no clube há praticamente uma década, mostrar seu futebol.
— A primeira troca do treinador tem de ser um jovem. Isso permite que a diretoria contrate jogadores de alto nível, e não alternativos. Os alternativos têm que ser da base. Esse é o objetivo — disse o novo coordenador da categoria de base colorada, Gustavo Grossi.
A seguir, veja as histórias de Léo Chú e Lucas Ramos e suas décadas esperando a oportunidade de jogar pela dupla Gre-Nal.
Léo Chú e a década no Grêmio
Leonardo Alves Chú Franco era o melhor do time de guris do Bairro Parque dos Maias, zona norte da Capital. Isso que tinha nascido dois anos depois do que seus colegas de time. Percebendo o talento do filho, Cristiano Chú o levou para fazer teste no São José. Aprovado, viu o filho vestir a camisa do Zeca e ter bom desempenho nos campeonatos. O suficiente para chamar a atenção de Grêmio e Inter.
— Por sorte, o Grêmio nos quis. Somos todos tricolores, então imagina — diz o pai de Léo Chú, atual atacante da equipe de Renato Portaluppi.
O menino Léo tinha 10 anos quando começou a treinar no CT do Cristal. Dependia da carona do pai para atravessar a cidade.
— Eu era motoboy. Daí dava um tempo nas corridas para buscar o Léo e levar até o CT. Um dia o pessoal do Grêmio me disse que era perigoso demais. Ainda bem que ele era maiorzinho e conseguia ir de ônibus — recorda Cristiano.
Quando atingiu a idade mínima para morar na concentração, o guri aceitou o convite do clube. Teria saudade de casa, é claro, mas evitaria os deslocamentos e garantiria refeições balanceadas e mais regras que serviriam ao futebol profissional.
Foi do fim do período mais penoso de Léo, que escreveu em seu Instagram sobre os primeiros dias, sem chuteira, às vezes levado por seu avô, gremista fanático. "Tinha o sonho de viver esse momento. Tenho certeza que de onde ele estiver vai estar se orgulhando de mim", postou o jogador, prestes a completar 21 anos, após a primeira aparição no profissional.
Da parte do pai, o orgulho é público:
— Somos gremistas de coração, sempre vimos os jogos. Agora quem está lá é o meu filho. Não consigo nem descrever o que estou sentindo. No dia da estreia, nos abraçamos e choramos. Espero que ele receba oportunidades porque qualidade e entrega sei que não vão faltar.
Lucas Ramos e a década no Inter
— Quando percebi que meu filho seria jogador? No primeiro dia que ele chutou uma bola.
A frase é de Emerson Silveira, 40 anos, pai de Lucas Ramos, meia do Inter e principal destaque do time de guris que jogou nas três primeiras partidas do Gauchão. Natural de Sarandi, a promessa colorada, garante a família, sobrava na cidade de quase 25 mil habitantes, localizada na região norte do Estado:
— Com seis anos, já disputava torneio de futsal e com sete foi campeão. Levou torneio municipal, copa escolar... Ganhou tudo aqui em Sarandi.
Esse destaque todo o fez sair das quadras e ir fazer teste nos gramados. Foi para a Escolinha do Gringo e, aos 10 anos, foi chamado para o Ipiranga. Em um amistoso, despertou a atenção dos olheiros do Inter, que o convidaram para trocar de cidade, de região e de clube.
Sua história se confundiu com a de centenas de outros guris de idades aproximadas, que deixaram de ser os craques de suas localidades para buscar um espaço no clube maior. Foi resiliente, resistiu aos problemas e às carências da adolescência, subiu degrau por degrau, cavou seu espaço e aguardou as oportunidades. Quando apareceram, conseguiu se destacar.
Por isso, não poupou a emoção quando teve a chance no grupo principal. "Realizei meu sonho de criança, estreei como profissional pelo meu time de coração e ainda por cima com vitória. O Inter é a minha casa, sou colorado desde que nasci, estou aqui desde meus 10 anos e como torcedor e apaixonado pelo clube quero deixar minha marca registrada", escreveu nas redes sociais.
— Ele não realizou só o sonho dele. É também do pai, da mãe, de toda a família. Meu pai, de 78 anos, disse que se partisse hoje, estaria realizado por ter visto o neto jogar no Inter — resume Emerson.