Em um 2020 sem coronavírus, o esporte olímpico estaria atingindo nesta quarta-feira (24) uma marca emblemática na contagem regressiva para os Jogos de Tóquio. Neste 24 de junho, faltaria um mês para a abertura do evento que reuniria mais de 10 mil atletas no Japão. Nos primeiros dias de julho, havia previsão de desembarque dos primeiros representantes brasileiros em terras japonesas. Até o final da primeira quinzena, as nove bases montadas pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) estariam ocupadas por quase 600 pessoas, entre atletas, membros de comissões técnicas e equipes de apoio. Seria a etapa final de preparação para as disputas de 46 modalidades que se estenderiam até 9 de agosto.
Mas a covid-19 colocou o mundo de pernas para ar, impactando em especial o esporte. Antes mesmo da decretação de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), da determinação de medidas de distanciamento social e do fechamento de fronteiras, teve início a série de adiamentos e cancelamentos de diferentes disputas - primeiro na Ásia, depois em efeito dominó pelos outros continentes até o anúncio, em abril, da mudança de datas dos Jogos de Tóquio. Em vez de 30, agora faltam 393 dias para a Olimpíada.
Nos últimos 100 dias, a paralisação do calendário esportivo no Brasil afetou principalmente quem ainda buscava a classificação para Tóquio. Até março, o COB já havia preenchido 177 vagas de um total de 270 a 280 atletas que integrariam a delegação na Olimpíada - os critérios de classificação serão respeitados para o evento em 2021. Portanto, cerca de cem brasileiros ainda precisam obter índices ou ranking para viajar ao Japão. Modalidades como natação (provas individuais), judô e boxe, entre outras, ainda terão de definir seus representantes em meio à incerteza da retomada das disputas.
A suspensão das competições também frustrou a comunidade esportiva do Rio Grande do Sul. Em maio, depois de quatro décadas, a Sogipa voltaria a ser palco do Troféu Brasil de atletismo, um dos mais tradicionais campeonatos interclubes da América do Sul. Mais de 700 atletas de 110 agremiações de todo o país estariam reunidos de 7 (quinta-feira) a 10 (domingo) do mês passado no estádio José Carlos Daudt, encravado no coração do clube de Porto Alegre, para uma espécie de degustação olímpica às vésperas dos Jogos. Nomes como o de Thiago Braz (ouro no salto com vara nos Jogos do Rio 2016), Darlan Romani (esperança de medalha no arremesso de peso) e de Almir Júnior (vice-campeão mundial indoor no salto triplo e atleta da casa) eram esperados no evento.
Agora, a expectativa é de que a competição seja mantida em Porto Alegre em 2021.
— Estudantes de educação física já haviam reservado nove ônibus para viajar até Porto Alegre para acompanhar as provas. Viria gente de Criciúma e até de Presidente Prudente, no interior de São Paulo. Não seria uma competição para nós, e sim um acontecimento — lamenta José Haroldo Loureiro Gomes, o Arataca, técnico de atletismo da Sogipa e da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt).
Mentor e técnico de Almir Júnior e um dos idealizadores e maiores entusiastas do evento na Capital, Arataca diz que, até o avanço do coronavírus, tudo conspirando a favor da realização do Troféu Brasil na Sogipa:
— Tínhamos fechado todos os patrocínios e até conseguido verba do governo estadual, o que não é fácil. Mas o vírus abortou esse sonho.
O Troféu Brasil não seria a primeira nem a última chance de conseguir a classificação para a Olimpíada — o atletismo brasileiro já tem 24 vagas em Tóquio. Para Fernanda Borges, no entanto, o evento teria um significado especial. Gaúcha radicada em São Paulo desde 2008, a atleta de 31 anos contava os dias para competir diante de amigos e da família, que se deslocaria de Santa Cruz do Sul. Sexta colocada no lançamento de disco no Mundial de atletismo de 2019 e praticamente assegurada na equipe brasileira pelo ranking (é a 10ª colocada na lista da World Athletic, nova denominação da Iaaf), Fernanda havia estabelecido uma meta para a competição:
— Estava me preparando para bater o recorde sul-americano (65m98cm, da também brasileira Andressa de Morais) em casa.
Assim como Arataca e Fernanda, os sonhos e os objetivos nos esportes olímpicos ficaram em suspenso nos últimos 100 dias. No Estado, no Brasil e no mundo.
Vagas do Brasil em Tóquio
- Futebol (36)
- Atletismo (24)
- Vôlei (24)
- Handebol (14)
- Natação (12)
- Rúgbi 7 (12)
- Vela (11)
- Vôlei de praia (8)
- Hipismo (7)
- Tênis de Mesa (6)
- Ginástica artística (5)
- Surfe (4)
- Luta Olímpica (3)
- Taekwondo (3)
- Canoagem slalom (2)
- Canoagem velocidade (2)
- Maratona aquática (1)
- Pentatlo Moderno (1)
- Tênis (1)*
- Tiro com Arco (1)
- Total: 177 vagas
- Estimativa do COB - 270 a 280 vagas
- *João Menezes precisa estar entre os 300 do ranking mundial.
COB enviará mais de 200 atletas à Europa a partir de julho
Focado nos detalhes finais da complexa operação de levar cerca de 600 pessoas _ dos quais 280 atletas — ao Extremo Oriente, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) se viu forçado a renegociar contratos nos últimos três meses. Das nove sedes de aclimatação e treinamento que receberiam as equipes brasileiros em cidades próximas à capital japonesa a partir de julho até a companhia aérea (Air Canada) que havia vencido a concorrência para transportar a delegação, todos os acordos foram mantidos para 2021. Até mesmo contêineres com equipamentos já estavam a caminho do país-sede do evento — pelo menos uma remessa, com barco da vela, já havia sido entregue.
Mas a principal preocupação do comitê, diz Marco Antônio La Porta Jr, o chefe de missão na Olimpíada de Tóquio, foi de transmitir tranquilidade aos atletas nesse período sem competições.
— Primeiro, eles estavam angustiados com a possibilidade de não conseguir se preparar adequadamente para a competição. Com a decisão de adiamento dos Jogos, uma medida que o COB defendia, isso passou. Depois, com as restrições, veio a ansiedade de voltar a treinar. É difícil para atletas de alto nível ficar tanto tempo sem competir — explica La Porta.
Mesmo que ainda falte mais de um ano para a Olimpíada, agora os brasileiros estão preocupados com a defasagem na preparação, já que atletas de outras nacionalidades em melhor situação no combate à covid-19 começam a voltar aos treinos.
— O dano já ocorreu, estamos atrasados em relação a alguns países que já retomaram as atividades. Isso é uma desvantagem — reconhece La Porta, que vê mais prejuízos para os esportes coletivos.
Para reduzir essas limitações, o COB está prestes a deflagrar a chamada "Missão Europa, com a previsão de treinamentos em países do Velho Continente entre julho e dezembro. A ideia é oferecer a volta aos treinos com segurança aos brasileiros já classificados ou perto da vaga para os Jogos que agora foram reprogramados para ocorrer de 23 de julho a 8 de agosto de 2021. Até o momento está previsto o envio de 207 atletas de 15 modalidades (vinculadas a 11 confederações).
Ao lado da vela, que treinará em Cascais, no litoral de Lisboa, a equipe de judô deverá ser uma das primeiras modalidades a embarcar, em 9 de julho, com 28 atletas (dos quais nove da Sogipa) para treinos em Coimbra. Na sequência viaja a delegação de boxe, com 22 pugilistas. Ainda entre os maiores contingentes estão a natação (22) e o atletismo (29). A principal base do Brasil em Portugal deverá ser o centro de treinamento de Rio Maior, distante 75km de Lisboa. Em acordo com autoridades portuguesas, o COB estabeleceu um protocolo rigoroso de prevenção ao coronavírus. Todos os integrantes da delegação serão testados até 72 horas antes do embarque, e só viaja quem apresentar resultado negativo para o PCR. Ao chegarem a Portugal, os membros da equipe seguirão diretamente para o CT, onde serão novamente testados e ficarão em isolamento por 48 horas, até sair o resultado da sorologia. Só então serão liberados para atividades esportivas.
— Vim de uma temporada (2019) de evolução e aprendizado. Estava muito bem preparada, com a meta de ficar entre as três primeiras colocadas (na prova de lançamento de disco feminina) em Tóquio. Agora, vou ter de começar tudo de novo — diz a gaúcha Fernanda Borges, que deve embarcar para treinos na Europa em agosto.
Os números da Missão Europa
- 180 dias de treinos, de julho a dezembro
- 207 atletas (número ainda pode aumentar)
- 15 modalidades
- 11 confederações
- 4 bases (Coimbra, Cascais e Sangalhos)
- R$ 13,7 milhões de investimento do COB na logística
Modalidades com mais atletas
- Atletismo (29)
- Judô (28)
- Boxe(22)
- Natação (22)
- Handebol feminino (18)
- Handebol masculino (18)
- Rúgbi feminino (15)
- Lutas (10)