Em 1972, após viver um romance proibido em sua cidade natal, Pouso Redondo (SC), o filho de imigrantes italianos Francisco Novelletto Neto desembarcava em Porto Alegre. Aos 17 anos, acompanhado da namorada de 15, carregava apenas um saco com roupas e uma quantia em dinheiro que estima ser hoje algo em torno de R$ 1 mil. Sem emprego ou lugar para ficar, abordou os primeiros taxistas que encontrou. Com a ajuda deles, conseguiu um emprego como garçom em um hotel e um quarto para ficar no centro da cidade.
Décadas depois, tornou-se um empresário. Só com a rede Multisom, chegou a faturar R$ 500 milhões por ano. Investiu em restaurante, hotéis, fazendas e imóveis. Em outra frente, aproximou-se do futebol. Primeiro, assumiu o São José, clube da zona norte da Capital e, mais tarde, a Federação Gaúcha de Futebol (FGF), entidade que presidiu por 16 anos, até o começo deste mês. Fã de Donald Trump, apoiador de Jair Bolsonaro e hoje um dos oito vice-presidentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Novelletto falou com GaúchaZH por duas horas sobre negócios, futebol e política. Confira a seguir.
Como foi sua chegada a Porto Alegre?
Saí meio na madrugada. Eu namorava a mãe das minhas duas primeiras filhas (tiveram um relacionamento que durou 15 anos). A família dela era alemã e protestante. Eu, católico e italiano. O pai dela não me aceitou. Tivemos um relacionamento, e o pai dela registrou na polícia, ela tinha 15 anos. Comprei a passagem, a guriazinha descobriu e fez um escândalo. Convidei ela para vir junto. Dois dias depois, viajamos. Em Pouso Redondo, havia só um táxi. Quando cheguei aqui e olhei aquela fila de carros, pensei: “Jesus, o que é isso?”. Me apresentei aos taxistas, pedi uma luz. Foram anjos da guarda na minha vida.
Como foi a entrada no mundo dos negócios?
Já tinha no DNA, no sangue, eu era muito rápido. As pessoas falavam: “O Chiquinho vai dar alguma coisa na vida”. Não comparando, tu vendo um treino de um guri de 10, 11 anos, tu vê que vai dar jogador. As pessoas que me conheciam me colocavam para cima. Estudei até o quarto ano primário, mas, antes de entrar no primeiro ano, atendia no balcão do boteco e somava tudo muito rápido. Eu era um crânio. Depois, trabalhei por cinco anos como recepcionista em um hotel. Aquilo foi uma faculdade. Tinha contato com pessoas de todos os níveis, médico, político, advogado. Isso me abriu a cabeça. Cinco anos depois, conheci o Félix, diretor de uma gravadora que viajava o Brasil inteiro. As filhas dele tinham a mesma idade das minhas. Falou que iria pedir demissão e me indicaria para a filial que abriria em Porto Alegre. Era uma multinacional. Foi minha segunda universidade.
Vamos acabar com o politicamente correto. Tem que ser Bolsonaro, tem que ser Novelletto, Trump. Tem que ser honesto, fazer as coisas certas e mandar a (palavrão). Não tem que saber falar; tem que saber fazer.
Por que o senhor resolveu empreender?
Para crescer nessa empresa em que eu trabalhava, tinha que ir para São Paulo. Eu tinha duas filhas, uma de quatro e outra de seis anos. Fiz um acordo, peguei o dinheiro da rescisão. Ia abrir um restaurante, era a época da crise de 1986, mas conhecia todos os clientes da indústria fonográfica. Pensei: “Vou explorar o que sei”. As pessoas falavam: “Tu é maluco de abrir uma distribuidora, está todo mundo quebrando, o disco (de vinil) está em decadência”. Mas resolvi dar um peitaço. Tinha um Chevette, ia no Carrefour e na Mesbla, enchia de vinil e ia de Porto Alegre a Caxias vendendo. Mais tarde, abri um atacado na minha casa, na Vila Santa Isabel. Aí, é aquela coisa de ter estrela, estar no lugar certo, com a pessoa certa. Dois atacadistas muito fortes pediram concordata. Comprei todos os veículos deles com o estoque. Foi quando aluguei uma sala na Galeria Santa Catarina. Fiquei dois ou três anos com a distribuidora e comprei um depósito na Avenida Mauá. Lá, fiquei até 1996. Aí, senti que o vinil iria acabar e resolvi que partiria para a loja. Abri a primeira na Salgado Filho e comecei a botar outros produtos: corda de violão, radinho de pilha, instrumentos musicais. E comecei a abrir uma loja atrás da outra. Em 2014, cheguei a 134 lojas, em três Estados. Depois, fechei 22 e vendi 30. Hoje, infelizmente, principalmente no meu segmento, loja física já era. O e-commerce tomou conta. Só os tios velhos como o Novelletto ainda vão comprar nas lojas físicas.
Sua família tem imobiliária, construtora, fazenda e 10 hotéis. como é ser empresário no Brasil?
Muito difícil. O problema é a mudança de comportamento, as coisas acontecem muito rápido. Tu não acompanha a mudança. É aquela história do Pelé: eu soube a hora de parar, não fiquei devendo um centavo para ninguém. Poderia ter tocado em frente, não iria quebrar (a Multisom). Meu faturamento por mês era de R$ 25 milhões. Não vendi por desespero, mas tenho 65 anos, deu para mim. Não me envolvo mais diretamente com os negócios. Quando me envolvi, não acompanhei o crescimento dos meus filhos. Me dediquei de corpo e alma ao trabalho. Filme acho que assisti a 10 em toda a vida. Nunca li um livro, nunca fui ao teatro. Não tive tempo. Agora, vou fazer isso.
Qual a sua opinião sobre o governo Bolsonaro?
Está começando agora, pegou um país quebrado, como o nosso Estado está quebrado. A máquina está inchada, só se aumenta imposto, é quase impossível uma empresa sobreviver. Uma empresa hoje tem 50 tipos de impostos. Ainda mais quando o país era comandado pela esquerda. A esquerda odeia empresário, pois ela está assegurada no governo, mas quem paga a conta do governo é o empresário. Acham que o dinheiro cai do céu. Bolsonaro está melhorando muito, tem credibilidade, é a favor do empresário. Vamos acabar com o politicamente correto. O Novelletto é meio Bolsonaro, fala muita besteira. Hoje em dia, infelizmente, quem manda nos políticos é o assessor de imprensa. Eu tive um assessor que demiti em 15 dias, queria mandar no que eu vestia, no que eu deveria falar. Tira a identidade do ser humano. Tem que ser Bolsonaro, tem que ser Novelletto, tem que ser Trump. Tem que ser honesto, fazer as coisas certas e mandar a (fala um palavrão). Não tem que saber falar; tem que saber fazer. Vocês da imprensa também têm grande culpa. Caem de pau no Bolsonaro, mas é o estilo dele. Antes, não se errava um S, não se falava nada errado e era uma esculhambação, uma roubalheira.
O senhor se identifica com Bolsonaro, então.
Totalmente. A única coisa que eu não me identifico é que ele gosta de brigar, e o Novelletto não sabe brigar. Ganho na conversa.
Com quais políticos o senhor tem boa relação?
Com todos, inclusive com os da esquerda. O último que tirei da esquerda foi o Jairo Jorge (candidato a governador pelo PDT em 2018, agora está no PSD). Ele, na verdade, não era de esquerda. O (José) Fortunati (ex-prefeito de Porto Alegre), enchi tanto o saco que roubei ele da esquerda (Fortunatti foi do PT e do PDT e, atualmente, está no PSB). Mas não sou filiado a nenhum partido. E não tenho intenção de concorrer a nenhum cargo político. Vim para o Rio Grande do Sul para não morrer de fome. Não tenho esse sonho. Nunca tive a pretensão de ser político, mas eu tenho dívida de gratidão com Porto Alegre. Fiz minha vida na cidade, criei minhas filhas aqui. Agora, se for intimado, as coisas podem mudar.
Tenho boa relação com todos os políticos, inclusive com os da esquerda. O último que tirei da esquerda foi o Jairo Jorge. Ele, na verdade, não era de esquerda. O José Fortunati, enchi tanto o saco que roubei ele da esquerda. Mas não sou filiado a nenhum partido.
Se for intimado a concorrer a prefeito, por exemplo?
Evidentemente, teria de ser um cargo no Executivo. Legislativo nunca, não nasci para ser mandado. Nasci para mandar. Se fosse prefeito, estaria às 5h30min na rua para conferir se a obra foi feita. Sou meio maluco assim.
Por que o senhor entrou no futebol?
Devo tudo ao São José, por isso resolveram trocar o nome do estádio Passo D’Areia para Francisco Novelletto Neto. Acho que foi uma forma de gratidão daquele pessoal. Entrei no São José em 1993, 1994, o clube ia fechar o departamento de futebol, estava na Terceira Divisão. Fiz um arrendamento, fiquei sozinho por 10 anos. Renovei toda a parte social, fiz aquele estádio para 10 mil pessoas. Deixei um grande legado no clube.
O senhor presidiu a Federação Gaúcha de Futebol por 16 anos. Que legado entende que tenha deixado?
Sabe que nunca criei nada. Copiava e melhorava. No São José, fui dando um tratamento diferenciado aos dirigentes de outros clubes, chamava para o camarote, assistíamos aos jogos juntos tomando cerveja, uísque, naquela época podia. Mudei muitas coisas. Quando o (Emídio) Perondi resolveu deixar a presidência da Federação (em 2003), os presidentes, principalmente dos clubes do Interior, pressionaram para eu assumir, diziam que eu tinha ideias novas. Quem me ajudou muito foi o Wesley Cardia. Ele me ajudou a implantar o profissionalismo no futebol gaúcho. Me encostei em quem tinha experiência. De futebol, ele não entendia nada, mas, no marketing, era o cara. Começamos a trazer patrocínios de empresas. E, como está no meu DNA, peguei uma experiência com ele e toquei. Conhecia o outro lado, a realidade dos clubes, não tínhamos incentivo, dinheiro de TV, patrocínio, pagávamos 10 taxas diferentes. Na Federação, trabalhava para os clubes e, com meu tino empresarial, a gente fez grandes negócios. Começamos com o Big, hoje temos a Ipiranga. A tacada de mestre foi buscar um patrocinador para o naming rights do prédio novo da FGF (construído na Avenida Ipiranga). Um prédio imponente, sem dinheiro público, sem dinheiro dos clubes. Isso aí é um grande legado.
Porto Alegre vai receber a final da Copa Libertadores algum dia?
Com toda a certeza. Não tenho dúvida. Infelizmente, fui criticado pelo Grêmio em 2018 (no episódio da eliminação na semifinal da competição, para o River Plate). Quiseram a minha cabeça porque eu quis trazer a final logo depois daquela eliminação. Mas aquele era um momento. Deu a confusão na final entre River e Boca Juniors, e eu me aproximei do presidente da Confederação Sul-Americana (Conmebol). São duas coisas que eu não sei fazer: pensar pequeno e brigar. Tomei um pau por pensar grande. Mas sigo pensando. Aquela final (River x Boca), se eu insisto um pouco mais, eu consigo trazer para cá. A bola ficou quicando, e eu ia botar para dentro. Imagina se vem para o Rio Grande do Sul? Em momento algum eu desrespeitei o Grêmio.
Há chance de trazer outra decisão, no futuro?
Sim. Traremos. Não passa de cinco anos. Estamos muito perto. Quem joga as finais? Os brasileiros, os argentinos e os uruguaios. A final no Peru foi um tiro contra do Alejandro Domínguez. Daqui a pouco, virá para cá. Temos dois estádios padrão Fifa.
Como é a sua relação com o presidente da CBF, Rogério Caboclo?
Excelente. Sou uma pessoa muito franca e tenho porta aberta com todo mundo. Não vou dizer que ele entende de futebol, mas ele é executivo. É um administrador. Todo mundo falava mal do Ricardo Teixeira (ex-presidente da CBF), que era um bom vendedor. Falavam que ele sabia administrar, que a CBF tinha bons patrocínios. Entrou o Caboclo e isso triplicou. O Teixeira não investia no futebol. Com o Caboclo, no balanço do ano passado, foram R$ 420 milhões investidos no futebol. Isso a mídia não fala. Ainda continuam batendo na velha CBF. A CBF, hoje, organiza 22 campeonatos. Sou a única pessoa que poderia ter inveja, pois eles copiaram tudo que eu fiz no Rio Grande do Sul. Eles bancam avião, estadia, alimentação para 22 campeonatos nesse país que é um continente. No futebol feminino, tem campeonato adulto, tem sub-18, sub-16, tem Copa do Brasil.
O que o senhor acha mais viável: ser presidente da CBF, da Conmebol ou do Inter?
Eu não acho nada. Assim que assumi como um dos vices da CBF, um colega de vocês disse que eu estaria abrindo caminho para virar presidente. Fui oposição a vida inteira. Vou dar corda para esse colega? Então, para despistar, eu disse que talvez pudesse ir para a Conmebol. Mas o meu objetivo nunca foi esse. Foi um despiste. Não queria arrumar confusão. Agora, eu acho que o Brasil merece ter um presidente da Conmebol. O futebol sul-americano é reconhecido mundialmente 80% pelo Brasil. Mas eu não tenho essa pretensão. Se Deus achar que é algo bom, acontece, mas correr atrás não vou.
Na FGF, começamos a trazer patrocínios. Com meu tino empresarial, a gente fez grandes negócios. A tacada de mestre foi o naming rigths do prédio da Federação. Isso aí é um grande legado.
Quais as tarefas o senhor tem como vice-presidente da CBF?
Fui designado para cuidar dos assuntos das categorias de base. Discutir o futuro, treinadores. Contratações, o que é melhor, o que é pior para desenvolver a base.
Qual é o seu nível de influência no processo de escolha do técnico da Seleção Brasileira?
Antes, eu tinha influência. Agora não, porque eu tenho ética. O presidente Caboclo não me chamou para trabalhar na Seleção principal. Antes, quando eu não era ninguém lá dentro, botei dois treinadores. Claro que tive ajuda, mas coloquei duas vezes o Dunga. O Emídio Perondi estava junto. A primeira vez foi em 2006, na Alemanha. Ficamos até de madrugada tomando uísque. Eu, Perondi e o Ricardo Teixeira. E começamos a falar que tinha que ser o Dunga. Não deu outra.
Quem são os seus grandes amigos?
É mais fácil perguntar quem não é meu amigo. Não tenho inimigo. Não sei brigar. Sobre os amigos, eu sou um homem do WhatsApp, tenho 5 mil na agenda. Tem jogadores, técnicos, governadores, prefeitos, deputados, senadores, presidentes de todas as federações, empresários. Tenho contato com todo mundo.
Como era a sua relação com Fernandão, ídolo do Inter?
Não era relação. Era como pai e filho. Aconteceu um episódio muito forte na vida dele. Ele “perdeu” o pai, quando descobriu, com 33 anos, que quem ele conhecia não era o pai verdadeiro dele. Imagina o choque. Me ligou do Catar e disse que queria me ver. Veio aqui para casa, fizemos um churrasco. Daqui a pouco, ele disse que não tinha mais pai e que eu seria o pai dele. Passaram-se alguns anos, e ele continuou me tratando como pai. Abrimos uma empresa, compramos imóveis. Ele é meu sócio até hoje. Tenho contato com a família dele direto. Vão na minha casa. Minhas filhas são íntimas da família dele. A gente dá o maior suporte. É uma coisa que não se explica. Ele comprou uma casa ao lado da minha nos Estados Unidos (em Boca Ratón, na Flórida).
Não tinha nada (sobre os processos trabalhistas que sofreu). Foi clubístico. Por eu ser conselheiro do Inter e o Grêmio não estar ganhando o Campeonato Gaúcho, o culpado era eu. É o meu Estado, mas infelizmente há coisas assim no Rio Grande do Sul. Há uma grenalização.
O senhor foi acusado de descumprir normas trabalhistas com funcionários. O que aconteceu?
Foi um absurdo de um conselheiro do Grêmio, que era também procurador do Trabalho. Ele achava que eu roubei do Grêmio e entrou na minha empresa, entrou no São José, na Federação. Aplicou R$ 3 milhões de multa para o São José. Mas a denúncia que ele fez não deu nada. Ele próprio assinou várias denúncias. Lá em Brasília, viram que era perseguição.
Nos anos 1990, a Federação teve de pagar multa pelo não registro de 300 funcionários.
Foi o seguinte. Em 1993, 1994, havia muita evasão das rendas dos jogos. Era roubo e mais roubo. Então, nós, da Federação, contatamos a Polícia Civil. Em um jogo entre Caxias e Grêmio, foram vários presos. Aí, a sugestão foi de criar uma auditoria externa, como se fosse a federação, para inibir os funcionários dos clubes. A Federação nunca pagou nenhum centavo para ninguém. É o clube que paga. Mas esse procurador fez a denúncia que a Federação tinha que registrar esses 300 funcionários. Só que a cada jogo era um rodízio. Na conta dele, deixamos de pagar imposto que gerou uma multa de R$ 600 mil. Mas não tinha nada. Foi clubístico. Por eu ser conselheiro do Inter e o Grêmio não estar ganhando o Campeonato Gaúcho, o culpado era eu. É o meu Estado, mas infelizmente há coisas assim no Rio Grande do Sul. Há uma grenalização. Esse procurador deve ter ambições. Hoje, é conselheiro, mas, se derruba o Novelletto, vira presidente. Essa foi a intenção dele.
A Federação emprestou dinheiro para o empresário Fernando Otto, o que abriu um debate sobre esse tipo de relação no futebol.
Desde 2010, o Fernando Otto andou por quatro ou cinco clubes. Ele terceirizava os departamentos de futebol. Como eu o conhecia, peguei um cheque de garantia. Muitas vezes, ele pagava o cheque. Em outras, descontava da verba do clube. Tem clube que pega 30 empréstimos por ano. A pessoa física do presidente faz empréstimo. É assim. E a Federação está para ajudar. O Otto sempre pagou. No último empréstimo, ele brigou com o clube (Guarani-VA) e foi embora. Deixou dois salários sem pagar. O Guarani-VA tinha jogo valendo vaga para a Série A. E os jogadores falaram que não iam jogar. Eu sabia que ele não ia me pagar, pois foi embora. E o clube também não ia pagar. Eu peguei R$ 70 mil da Federação Gaúcha e dei. Porque iria denegrir a imagem do futebol gaúcho. Valendo uma vaga para a Série A dar W.O... Seria pior. O Brasil de Pelotas, se não fosse o Novelletto, teria feito que nem fez o Figueirense (que perdeu um jogo por W.O. na Série B do Brasileirão quando os jogadores se negaram a entrar em campo devido ao atraso de salários). Tem 50 empréstimos e já pegou dinheiro para o outro ano.
Como funciona o Instituto Francisco Novelletto?
É com o dinheiro que eu recebia da CBF (como presidente da Federação Gaúcha). É uma ONG. Quando fiz as pazes com o Marco Polo Del Nero (ex-presidente da CBF), ele me disse que eu tinha que passar a receber salário. É uma ajuda de custo, porque realmente se gasta. Toda hora se paga uma janta, um almoço, então eles dão R$ 25 mil para cada um. Eu disse que tinha um instituto e perguntei se teria algum problema se eu repassasse para o instituto. Ele disse que não. Então, o dinheiro entra na minha conta e, no mesmo dia, a minha secretária transfere para o instituto. Eu faço doação de pouco mais de três toneladas de massa por mês para 53 entidades. Tem R$ 5 mil que vão para uma ONG de animais.
Contraponto
A partir das manifestações do ex-presidente da FGF Francisco Novelletto Neto na entrevista acima, relativas à acusação de descumprimento de normais trabalhistas nos anos 1990, o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio Grande do Sul – PRT 4ª Região, enviou a GaúchaZH os seguintes esclarecimentos:
1) O MPT tem como atribuição fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista quando houver interesse público, cabendo ajuizar ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados direitos sociais constitucionalmente garantidos aos trabalhadores.
2) Em janeiro de 2011, foi instaurada investigação em face da Federação Gaúcha de Futebol no Ministério Público do Trabalho tendo como objeto fraudes para descaracterizar a relação de emprego, por representação da 17º Vara do Trabalho de Porto Alegre, que remeteu cópia de ação trabalhista ajuizada contra a FGF (Inquérito Civil nº 000124.2011.04.000/3).
3) Em fevereiro de 2014, foi ajuizada a Ação Civil Pública n. 0020230-91.2014.5.04.0016 em decorrência das investigações. Em maio de 2016, veio a sentença de 1º Grau condenando a FGF e, em maio de 2017, o TRT da 4ª Região manteve a condenação por considerar fraudulenta a contratação de empresas terceirizadas por parte da FGF, impondo a condenação de multa e indenização por dano moral coletivo. Em abril de 2018, foi iniciada a execução provisória da condenação.
4) Em fevereiro de 2019, em decisão liminar do Min. Alexandre Luiz Ramos, do TST, em Brasília, ocorreu a suspensão da execução provisória, com fundamento nas teses jurídicas firmadas pelo STF quanto à licitude da terceirização pelas recentes disposições da Lei nº 13.429/2017 e da Lei nº 13.467/2017. Em nenhum momento a decisão liminar foi baseada em suposta “perseguição” do MPT. Atualmente o processo é conduzido pelo procurador do Trabalho Marcelo Goulart.
5) Em novembro de 2008, foi instaurada investigação em face do Clube São José tendo como objeto irregularidades na contratação de atletas mirins e também condições de segurança dos alojamentos. Houve desmembramento do Procedimento Originário, iniciado em 2007, em relação a cada um dos quatro clubes de futebol profissional então sediados na cidade de Porto Alegre, Esporte Clube Cruzeiro, Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e Sport Club Internacional. A atuação preventiva em relação à segurança dos alojamentos busca evitar acidentes do trabalho como ocorreu no Centro de Treinamento Ninho do Urubu, no Rio de Janeiro, que vitimou dez jovens atletas.
6) Em setembro de 2013, foi ajuizada a Ação Civil Pública n. 0001239-80.2013.5.04.0023 em decorrência das investigações. Em outubro de 2014, veio a sentença de 1º Grau condenando o Clube São José. Não houve recurso e os autos tramitam no Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas - CEJUSC-JT (1º Grau) da Justiça do Trabalho para tentativa de conciliação quanto ao cumprimento da sentença. Atualmente o processo é conduzido pela procuradora do Trabalho Marlize Souza Fontoura.
7) O MPT não tem atribuição para aplicar multas administrativas. Todas as multas aplicadas em face da FGF e do Clube São José decorreram da atuação da Superintendência Regional do Trabalho, do Ministério da Economia, ou de condenação judicial, por parte da Justiça do Trabalho.
8) Assim como ocorre nos processos judiciais no Poder Judiciário, as denúncias no MPT são distribuídas a todos os procuradores do Trabalho de forma aleatória, eletrônica e imediata, não havendo possibilidade de instauração de investigação pelo próprio membro que irá conduzir o processo.
9) O procurador do Trabalho Philippe Gomes Jardim foi o responsável pelo ajuizamento de ambas as ações acima. Apenas em 28 de setembro de 2019, Philippe Jardim foi eleito conselheiro efetivo do clube Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. No dia seguinte, em 29 de setembro, o procurador declarou sua suspeição para atuar nos autos da ACP n. 0020230-91.2014.5.04.0016 e da ACP 0001239-80.2013.5.04.0023, deixando de ter qualquer atuação administrativa ou judicial em face da FGF ou do Clube São José após sua eleição.
10) Não há nenhuma incompatibilidade do membro do Ministério Público ou do integrante do Poder Judiciário participar de Conselho Deliberativo de clube de futebol, sendo situação corriqueira em todo o Brasil, desde que respeitadas as regras processuais de impedimento e suspeição para atuação judicial.
11) O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul repudia qualquer insinuação de que seus membros atuam com motivações estranhas às atribuições previstas na Constituição da República e nas Leis do país, bem como assegura a confiança de que os demais órgãos do sistema de Justiça como o Ministério Público Federal e a Polícia Federal seguirão com as investigações de natureza criminal já iniciadas desde 2019 em face do Sr. Francisco Novelletto Neto.
Mariana Furlan Teixeira
Procuradora-Chefe do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul