O Maracanã estava quase lotado, havia um clima de solenidade, todo mundo queria testemunhar o gol histórico, o milésimo confirmado pelas próprias súmulas da Fifa. Havia jornalistas esportivos de toda parte.
Os narradores das rádios iriam gritar “Mil” em vez de gritar gol, como veio a acontecer. Era uma primaveril noite de quarta feira aquela de 19 de novembro de 1969. Jogavam Santos e Vasco da Gama pelo Torneio Robertão, precursor do atual Brasileirão.
O gol foi de pênalti, cometido sobre o próprio Pelé. O goleiro Andrada não teve qualquer chance de defesa. Pelé cobrou, buscou a bola na rede e a beijou. Em seguida, foi envolvido por uma multidão de repórteres e fotógrafos, invasores da grande área. Os jogadores do Santos mantiveram-se imóveis em seus lugares por alguns instantes, num impressionante gesto de respeito àquela incomparável façanha do Rei do Futebol.
O saudoso narrador Milton Jung, na cabine da Rádio Guaíba, e eu, repórter à beira do gramado, descrevíamos aquelas cenas inéditas enquanto Pelé iniciava uma volta olímpica carregando a bola, seguido por dezenas de repórteres detentores de aparelhos portáteis.
Eu, desprovido de tais facilidades, apenas empunhava um microfone plugado a um cabo com fio de não mais de 15 metros. Naquela circunstância, aflito para não perder o pronunciamento que se previa que Pelé iria fazer, só tinha uma alternativa: conter o craque na sua trajetória.
Foi o que fiz. Ao vê-lo se aproximar, saltei nele, abraçando-o no pescoço e colocando o microfone perto de sua boca. Ali, quase gravateado, e logo cercado por incontáveis repórteres que chegavam da volta olímpica, Pelé, ofegante, fez a surpreendente conclamação aos brasileiros para que ajudassem as criancinhas pobres do Brasil.
Poucos dias depois, reunindo fotografias dos jornais, inscrevi a proeza e venci o Prêmio Ari de Jornalismo daquele ano com a história do gol que tomou ares de lenda, hoje com meio século de existência.
No episódio, cada um com seu protagonismo. Guardadas as proporções, é claro.
*Atual senador pelo Podemos era repórter esportivo e tinha 27 anos naquela noite