Com temperatura próxima dos 10ºC, o engenheiro Jaime Aramayo, 31 anos, de Arica, no Chile, se encolhia de frio enquanto avançava com amigos pela Voluntários da Pátria em direção à Arena do Grêmio para assistir à semifinal entre a seleção de seu país e o Peru, na noite de quarta-feira, o último dos cinco jogos da Copa América realizados em Porto Alegre.
Para ir até o Humaitá, pediram um Uber que pegou tranqueira perto do destino e os deixou a pelo menos meio quilômetro distante do estádio, onde agentes de trânsito mandavam os carros retornarem. Como milhares de outros turistas e brasileiros, o torcedor chileno caminhou, sem demonstrar muita animação, pela via em nada decorada para a competição — e que por si só já passa longe de ter uma iluminação convidativa —, tendo como paisagem as ruelas enlameadas da Vila Farrapos, uma das regiões mais pobres da cidade. Também se preocupava com a violência:
— Sempre perguntamos para o motorista sobre segurança. Ele nos disse que, daqui para dentro, não é seguro.
A primeira impressão de turistas como Aramayo sobre a Copa América em Porto Alegre não foi das mais positivas. No caso do chileno, ele até gostou de conhecer a cidade — seu grupo admirou a arquitetura e considerou a comida acessível —, mas teve quem pegou pesado nas críticas.
Os enviados da rádio Cadena 3, a mais ouvida de Córdoba, na Argentina, publicaram no site da emissora suas impressões sobre a capital gaúcha com o seguinte título: "Porto Alegre mostra sua pior cara". No vídeo de um passeio pela cidade, mais especificamente pela Cidade Baixa e pela região da Redenção, os repórteres apontaram calçadas quebradas, sujeira, grama alta, água parada, pichações, buraqueira, vazamentos e vandalismo.
O Secretário de Comunicação do governo municipal, Orestes de Andrade, rebateu as críticas na sua página no Facebook, destacando que "é possível fazer vídeos bons e ruins sobre qualquer cidade do mundo, especialmente as capitais" e "todas têm belezas e problemas". Ele fez ainda referência à menina dos olhos do governo: "Certamente, os hermanos não visitaram a Orla Moacyr Scliar".
Vencida a Voluntários da Pátria, os torcedores que foram até a Arena em dias de jogos encontraram um cenário animado na frente do estádio, embalado por pagode em caixa de som ou banda ao vivo. A exceção na trilha sonora ficava por conta do bar do Mario Amaral, 60 anos, com Gaúcho da Fronteira a todo o volume, alegando que "os chilenos gostam".
Ele é um exemplo de porto-alegrenses que não acreditavam no potencial da Copa América. Relata que não abriu seu estabelecimento em dois jogos — Venezuela x Peru e Uruguai x Japão — e deixou de faturar alto com a venda de quentão, enroladinho, pastel e cerveja.
— Achei que não ia dar movimento. Devia ter aberto.
A alguns metros dali, o único arrependimento da assadora de churrasquinho Elisa Martins, 35 anos, era não ter colocado mais pão e salsichão sobre a brasa nos jogos anteriores — descobrira tarde demais que argentinos e uruguaios adoram.
Conta que, com um vocabulário limitado basicamente a "holla!", "cómo estás?!", "Diez, ten", conseguiu se comunicar com a clientela gringa — estima que vendeu pelo menos mil espetinhos durante a competição. Mas, de lição, ficou a vontade de melhorar seu atendimento:
— Tenho que me aperfeiçoar na língua.
Presidente do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de POA e Região (Sindha), Henry Starosta Chmelnitsky relata que hotéis tiveram boa ocupação — alguns grandes, como Ritter, Plaza São Rafael e Continental Business, chegaram a lotar, segundo ele. Mas também reflete sobre o que poderia ter sido diferente, ideias que podem servir para a categoria e para poder público para atender os turistas nos próximos eventos.
— Não teve planejamento de ônibus que passasse nos hotéis — exemplifica.
O comentarista Eduardo Gabardo lembra que a Copa América não tem uma dimensão de Copa do Mundo, mas diz que ficou claro que a competição tinha potencial turístico, principalmente com argentinos e uruguaios, e poderiam ter sido pensadas mais medidas para criar um clima envolvente na cidade:
— Talvez um "caminho do gol" mais organizado, entre o DC Shopping e a Arena, pudesse ser uma boa alternativa, com decoração de Copa América. Criar o clima da competição e fazer a população entrar no ambiente da Copa América é responsabilidade dos organizadores. Já as autoridades públicas poderiam ter criado melhores alternativas para os turistas.
Acesso é uma das principais críticas
Há nove meses como motorista da Uber, Amílcar Cesar Chagas alertou a repórter de que a viagem seria longa até a Arena na noite de quarta-feira. Ele fizera esse mesmo trajeto em outros dias de jogos e disse que chegou a levar três horas para ir e voltar à região central no dia de Uruguai x Japão e Catar x Argentina.
Já o administrador Marcio Baroni, 42 anos, gastava os minutos que antecediam o jogo entre Chile e Peru para discutir com o amigo como fariam para voltar para casa depois. E isso que são daqui e gremistas, já estão acostumados a ir à Arena.
— Isso não devia ser um problema — queixa-se.
Há importantes obras de infraestrutura no entorno da Arena que nunca saíram do papel — a obrigação de fazer melhorias no entorno da Arena era originalmente da OAS, empreiteira responsável pela construção do estádio que entrou em recuperação judicial na esteira da Operação Lava-Jato. Está prevista a duplicação da Avenida A. J. Renner, a duplicação da Avenida Padre Leopoldo Brentano e a reformulação de trecho da Avenida Pedro Boessio, entre outras obras.
A Procuradoria-Geral do Município (PGM) informa que, em abril, a empresa Karagounis (que tem participação no empreendimento Liberdade e com quem a prefeitura está negociando a retomada das obras desde 2018) apresentou as garantias para que seja firmado novo acordo para a execução das obras. Em audiência de conciliação na 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, foi estabelecido prazo de 90 dias para que a empresa consultasse seu conselho gestor. Após a anuência do conselho, deverá ocorrer a assinatura de novo termo de acordo e o reinício imediato das obras.
Na opinião de Henry Chmelnitsky, a região do Beira-Rio tem no entorno mais belezas naturais e melhor infraestrutura para receber eventos de potencial turístico — além disso, os shows das Fan Fests do campeonato ocorreram no Anfiteatro Pôr do Sol, que fica perto.
O peruano Ernesto Antonio Gonzales Torres, 44 anos, vendedor, que veio para a Copa do Mundo e para a Copa América, teve a experiência em ambos os estádios. Ele até concorda que a logística é melhor no entorno do estádio colorado, mas, como gremista de coração, gostou mais da Arena como edificação. Com um grande sombreiro, a bandeira peruana e uma manta tricolor, ele era só sorrisos em um dos bares do Humaitá antes do jogo, enquanto previa, com maestria, como seria o desfecho da noite:
— A festa vai ser bonita mesmo quando acabar: vamos estar todos aqui na frente, borrachos.