A investigação do Ministério Público sobre a gestão Piffero detectou depósitos rotineiros de empresários na conta do ex-vice-presidente de futebol do Inter Carlos Pellegrini no período entre o começo de 2015 e junho de 2016. Esse assunto se junta aos resquícios da maior crise da história do Sport Club Internacional.
E tudo isso nos leva a um pensamento: quando o Ministério Público abrir a Caixa de Pandora dos clubes de futebol, todo tipo de surpresa poderá vir à tona. Há décadas, muitos dirigentes temerários ou de ações suspeitas tomaram conta de clubes em todo o Brasil e se aproveitaram desse poder para locupletar suas já polpudas contas.
Importante ressaltar que no meio disso tudo sempre existiram — e existem ainda — os dirigentes honestos, de conduta ética ilibada e que trabalham para o bem das instituições. O fato da corrupção no futebol ser comum e antiga não a torna uma doença generalizada. Há muita gente decente no esporte e eles precisam se empoderar cada vez mais nos processos.
Isso porque criou-se uma dependência muito grande dos empresários e representantes de atletas. Claro, desses também há os corretos e os não tanto assim, e, muitas vezes, o dirigente fica na mão de pessoas que querem apenas a felicidade dos seus próprios bolsos. Nada contra gostar de dinheiro, a questão é a ética com que esses procedimentos acontecem.
Dirigentes e empresários: relação perigosa
Para entender melhor, vamos exemplificar: treinador consolidado no clube, dono do vestiário, consegue liderar sua equipe anímica e taticamente. Além disso, conseguiu boas vitórias e títulos. Esse treinador tem o seu representante, que também cuida da carreira de outros atletas.
O representante, aproveitando-se do bom momento de seu representado (treinador), empurra para os dirigentes desse clube seus próprios atletas. Combina com o treinador para dar o aval a essas contratações. Exige valores absurdos do clube. Dirigente termina cedendo e contrata atletas que eram totalmente desnecessários (mas pedidos pelo treinador), dispensando uma quantia que poderia servir para outras negociações mais importantes.
Outro exemplo bem comum no futebol brasileiro: dirigente de clube grande combina com empresário de colocar vários dos seus jogadores no grupo. Alguns desses atletas são de qualidade técnica duvidosa ou estão jogando em times pequenos no interior do Interior. Para esse atleta, ir para um clube grande é um salto na carreira. A vitrine que ele sempre sonhou.
Seduzido por essa oportunidade de vida, ele aceita entregar por fora parte dos seus salários ao dirigente — ou diretamente ao empresário, que divide ou passa integralmente para o dirigente depois.
Essas atividades raramente são tipificadas como proibidas ou até mesmo como crimes. Mas se trata de condutas éticas questionáveis e que podem, sim, ferir regimentos internos dos clubes. E, principalmente, colocar em risco a situação da entidade frente ao Profut (lei que busca garantir responsabilidade fiscal dos clubes de futebol), seus patrocinadores e seus sócios.
Faz parte da natureza humana corromper-se, buscar atalhos para ganhar mais e melhor do que os outros, mesmo que isso custe reputações. Vale para qualquer profissão e atividade. Mas o futebol, durante décadas, foi uma caixa hermética onde ninguém ousava tocar e muitas coisas suspeitas aconteciam e carecia-se de uma investigação mais profunda por parte das autoridades.
Espera-se que isto esteja mudando para melhor, com os conselhos dos clubes tornando-se cada vez mais fortes e autônomos, com sócios elegendo representantes éticos e corretos, com empresários e intermediários jogando cada vez mais limpo nas transações. Talvez venha por aí um caminho mais reto. Pois esperar atitudes da Confederação Brasileira de Futebol, Conmebol e Fifa talvez seja um sonho utópico. Mas sonhar é preciso. E eu gosto.