A dupla Gre-Nal terá dois goleiros feitos em casa em 2019. A casa, ressalve-se, é a do Flamengo, de cuja categoria de base surgiram Paulo Victor e Marcelo Lomba, titulares de Grêmio e Inter para a Libertadores. Os dois grandes da Capital rompem a histórica tradição de forjar quem veste sua camisa 1, casos de Danrlei, Marcelo Grohe, Muriel e Alisson, e apostam em jogadores identificados por muitas histórias em comum ao longo da carreira.
Como profissionais, Paulo Victor e Lomba atuaram juntos no Flamengo em 2010, época em que reinava Bruno, hoje preso. Difícil, portanto, sonhar em tomar o espaço do goleiro que, um ano antes, havia sido um dos sustentáculos do time campeão brasileiro. Tanto que Lomba saiu pouco depois, emprestado ao Bahia. Paulo Victor, entre altos e baixos, seguiria até 2016, ano em que foi emprestado ao Gaziantepspor, da Turquia.
— Os dois foram meus goleiros do sub-20, na formação, e chegaram ao profissional logo na sequência — lembra o atual preparador de goleiros do Flamengo, Wagner Miranda, que dá detalhes sobre os caminhos trilhados no clube por cada um deles a partir de então. — Primeiro, subiu Lomba ao profissional, depois o Paulo Victor. Lomba saiu, emprestado ao Bahia, e Paulo Victor se firmou, jogando em alto nível no Flamengo, como goleiro referência.
Por terem a mesma idade – o goleiro do Grêmio completa 32 anos neste sábado (12), os dois galgaram praticamente todas as categorias do Flamengo juntos. Marcelo como titular e Paulo Victor em sua reserva. Foi assim nas conquistas do bicampeonato carioca de juniores de 2005 e 2006. Aprenderam a ganhar e a esperar juntos.
— Nós não temos só a preocupação da formação técnica. Nos preocupamos em prepará-los para a vida, e não passamos que tudo vai dar certo. Ensinamos que a oportunidade vai chegar, mas se tiver dedicação e paciência — emenda Miranda, direto de Orlando (EUA), onde o Flamengo faz a pré-temporada.
Paciência poderia ser considerado o nome do meio de Lomba. Suas temporadas nem sempre terminaram como a do ano passado, com direito a troféu de melhor goleiro do campeonato, segundo a CBF, depois de ter virado titula do Inter a partir da lesão de Danilo Fernandes. Já no Flamengo e à sombra de Bruno, viu um outro nome ser alçado como titular e soube esperar. Diego, também da base flamenguista, sentiu na pele a ingratidão da profissão. Sofreu uma goleada de 4 a 1 no clássico com o Fluminense e tornou sua permanência no clube inviável. A vez de Marcelo havia chegado em meio à prisão de Bruno pelo sequestro e morte de Eliza Samúdio, em julho de 2010. Com sequência e confiança, tinha tudo para abrir a temporada de 2011 em alto estilo. Mas esbarrou em Vanderlei Luxemburgo, que não colocou Marcelo Lomba em seus planos.
— Você vê o que é a vida hoje. Marcelo conseguiu dar a volta por cima naquele momento. Treinou separadamente dos demais, e acabou negociado para o Bahia. Cheguei lá depois de um mês, e ele já era um sucesso. Até outdoor dele tinha pela cidade. Marcelo é paciente. Sei que todo momento na reserva é difícil. Mas conquistou o seu espaço no Inter com lealdade — lembra Ruben Lomba do Nascimento, pai do goleiro.
No caso de Paulo Victor, filho do ex-atacante Vidotti, companheiro de Sócrates, Casagrande e Zenon entre 1982 e 1983, época da democracia corintiana, só em 2014 os caminhos do Flamengo se abriram para sua passagem. Até então, em número de jogos disputados, ele ficava atrás de Filipe, que sairia pouco depois para o Figueirense. A melhor temporada de Paulo Victor foi a de 2015, com 44 partidas, o que lhe abriu caminho para a Turquia.
Ao chegar ao Grêmio, em julho de 2017, sabia que disputaria posição com uma lenda. Só ao ser abatido por duas fraturas nas costelas e uma lesão no punho direito na noite de 30 de outubro, a da derrota para o River Plate, que eliminou o Grêmio da Libertadores, Marcelo Grohe abriu espaço no time do Grêmio para Paulo Victor. O ex-flamenguista atuou nos sete jogos restantes da temporada, sofreu apenas dois gols e passou aos torcedores a certeza de que era confiável.
— Consegui ter uma sequência. Sempre esperei por ela e foi importante para mim. Não adianta ter ansiedade, pois muitas vezes ela elimina algumas oportunidades em nossa vida — entende o goleiro.
A agenda apertada de Grêmio e Inter não permite encontros entre os dois, o que não afeta uma amizade que, conforme o carioca Marcelo Lomba, nasceu quando ambos tinham 17 anos e os mesmos sonhos de vida.
— Vivemos praticamente no mesmo período toda aquela expectativa de menino de subir ao profissional do Flamengo. Um sempre respeitou ao outro como amigo e concorrente de posição — lembra, ao mesmo tempo em que projeta um 2019 repleto para os dois. — Depois da saída do Flamengo sempre nos encontramos em confrontos pelo Brasileirão e agora vamos ter bons jogos pela frente.
O paulista Paulo Victor viaja no tempo e lembra as asperezas vividas ao lado de Lomba entre 2005 e 2011, compensadas pelas conquistas de títulos na base.
— Ele defende o lado dele e eu o meu. Mas é um cara que respeito muito e está vivendo essa ótima fase pelo profissional dedicado e qualificado que ele é — elogia.
O Flamengo, de onde saíram os goleiros titulares da dupla Gre-Nal, precisou pagar ao Valencia 300 mil euros (R$ 1,2 milhão em valores de hoje) para ter Diego Alves, seu camisa 1 em 2019. Ironias do futebol.