Surgido na década de 1990, o câmbio tem regras parecidas com as do vôlei, mas adaptadas para facilitar o jogo. Não demorou muito para que caísse ao gosto da turma da terceira idade, que curte, além da atividade física em si, a oportunidade de fazer novos amigos, o clima alegre e, não menos importante, a competitividade das partidas. Tanto que a Federação Gaúcha de Jogos Adaptados para Idosos (FGJAI) estima que o esporte tenha cerca de 5 mil adeptos no Estado.
O Diário Gaúcho acompanhou partidas, conversou com jogadores e ouviu histórias de quem ama o esporte. Em comum, a certeza de que o câmbio tem benefícios poderosos para quem já passou dos 60 – e mesmo para quem é mais jovem.
Uma nova perspectiva de vida
Com o fim do ano se aproximando, é normal que grupos de atividades esportivas diminuam o ritmo ou até façam recesso. Mas o time de câmbio do Parque Ararigboia, no bairro Jardim Botânico, na Capital, segue firme e forte.
Os cerca de 30 atletas ainda vão jogar, neste ano, um campeonato em Capão da Canoa, neste sábado, e outro no Ginásio Tesourinha, em Porto Alegre, no dia 15. Ao longo de 2018, eles participaram de 26 campeonatos.
Um dos componentes do grupo é o bancário aposentado José Albino Maciel, 80 anos, do bairro Petrópolis. Ele foi um dos primeiros a praticar o esporte no parque, e ajudou a divulgar para outros atletas.
– Toda a minha qualidade de vida eu devo aos exercícios que pratico. Aqui no parque, comecei no alongamento. Depois, entrei no câmbio e ainda faço musculação – conta.
Seu Maciel, como é conhecido, é um dos representantes da comunidade na Associação Comunitária do Parque Ararigboia, que ajuda a conservar as dependências do parque com o dinheiro pago por quem usa o local (R$ 10 por mês, 10 meses do ano). Além disso, é o presidente da Federação Gaúcha de Jogos Adaptados para Idosos (FGJAI):
– A federação surgiu pela necessidade assumir a organização dos Jogos de Integração da Pessoa Idosa, que ocorrem todos os anos, em Tramandaí. Até temos outros esportes cadastrados (como o basquete relógio e o handebol por zona), mas o câmbio é o que tem mais destaque.
Na praia, segue
O professor aposentado Celso Mayer Costa, 79 anos, que mora no bairro Partenon, da Capital, começou há jogar câmbio há 15 anos. Para ele, a melhor parte da prática esportiva é estar rodeado de pessoas.
– Aqui, é sempre esse clima de festa. A gente convive, conhece gente, interage. Acredito que, na nossa faixa etária, tem que saber que ainda existem coisas que o idoso pode desfrutar. É ter uma perspectiva, sabe? O que eu vou fazer amanhã, daqui a um mês...
Para ele, a perspectiva para os próximos meses é a melhor possível. Com a proximidade do Natal, seu Celso vai com a família veranear em Capão da Canoa. Entre os planos, é claro, jogar câmbio.
– E não é só isso (risos)! Eu jogo futebol, faço um churrasco...
Casal unido pela saúde
Operário aposentado, Claudio Gilberto Santos Lopes, 68 anos, do bairro Estância Velha, em Canoas, joga câmbio há três anos no Centro Olímpico de Canoas, no bairro Igara. Mas não foi fácil convencê-lo. Logo após se aposentar, ele passava muito tempo em casa. Resultado: começou a ficar desanimado, sem vontade de fazer nada. Foi a esposa, Ana Rosa, 62 anos, que insistiu para que seu Claudio iniciasse uma atividade física.
– Ele não queria, de jeito nenhum, só ficava em casa. Então, eu comecei a ir sozinha – conta ela.
De tanto ver a mulher ir e voltar contando sobre o jogo, Claudio decidiu tentar. Não se arrependeu:
– É bom demais. Já viajamos para várias cidades do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina para jogar campeonatos. Em janeiro, vamos para Foz do Iguaçu (no Paraná)!
Dona Ana Rosa enche os olhos de lágrimas só de lembrar da transformação do marido e de tudo o que o câmbio proporcionou para o casal:
– Bah, melhorou tudo! Primeiro, a saúde, né. Ele ficou muito melhor e me faz bem, também. Sem falar que a gente se diverte muito jogando. É fácil de aprender, todo mundo ajuda.
Além da diversão, eles não negam: gostam de pegar a estrada para um campeonato e voltar com uma medalha no peito.
– Cada troféu é uma conquista, uma alegria – diz Ana Rosa.
Esporte não é só para os vovôs
Engana-se quem pensa que só joga câmbio quem já chegou à terceira idade. É crescente o número de interessados pelo esporte na casa dos 50 e até dos 40 anos. Tanto que a modalidade é dividida em duas categorias: master (para pessoas entre 50 e 60 anos) e sênior (para quem tem mais de 60).
No dia da visita da reportagem ao treino do time do parque Ararigboia, a capitã do time na categoria master, Marilete Simonis, 56 anos, estava quase sem voz, devido ao campeonato que o grupo havia disputado um dia antes, em Pelotas. Mesmo assim, a chefe de segurança aposentada, moradora do centro da Capital, comemorava cada ponto, incentivava os companheiros e cobrava-os quando erravam.
– Nunca atuei na área, mas sou formada em Educação Física. Faço exercícios desde a infância. Comecei no câmbio em 2014, logo depois de me aposentar, em 2013. Eu sou apaixonada – conta ela.
Tudo começou na praia, quando Marilete conheceu o esporte. Depois, uma amiga sua falou sobre os treinos do grupo, e ela decidiu ir:
– Joguei em outros lugares, também, mas era light, sem competição. Eu gosto é de competir! Quanto mais difícil, melhor. É claro que a gente não vence sempre. Perder faz parte, mas vencer é um estímulo.
Saiba mais sobre o câmbio
Regras
/// O câmbio utiliza a mesma quadra, a mesma rede e a mesma bola do vôlei.
/// São necessários nove jogadores em cada time. Em jogos oficiais, se os times forem mistos, devem ser três homens e seis mulheres.
/// Um jogo tem 15 minutos ou vai até 15 pontos, o que ocorrer primeiro.
/// O jogador posicionado no centro da quadra arremessa.
/// O objetivo também é fazer a bola tocar a quadra adversária. A diferença é que, para o “toque”, o jogador deve prender ou dominar a bola. Depois de dominar, um time pode dar até três toques antes de passar a bola para o time adversário.
Fonte: Federação Gaúcha de Jogos Adaptados para Idosos, disponível em www.fgjai.com.br/MODALIDADES/
Origem e benefícios
/// O câmbio surgiu na década de 1990, no Rio Grande do Sul. É fruto de um trabalho coletivo de professores de Educação Física e de especialistas na área da Gerontologia.
/// O esporte contribui para o aprendizado de situações que remetem ao enfrentamento do processo de envelhecer, como aceitar a perda, buscar a vitória como consequência de esforço e aceitar limitações.
/// Possui impacto reduzido, mas não inexistente (exercícios com impacto ajudam a melhorar a densidade mineral óssea).
/// Possibilita a inclusão de idosos com diferentes capacidades físicas e diferentes experiências esportivas.
/// O engajamento em um grupo e a circulação por diferentes espaços resultam no aumento da sociabilidade.
Fontes: Luis Felipe Silveira, professor do curso de Educação Física da PUCRS, e Suzana Hübner Wolff, professora da Escola de Saúde e coordenadora Programa Pró-Maior, da Unisinos.