Até logo tem sido uma expressão usada com frequência pelo técnico Paulo de Tarso nas últimas semanas.
— Eu estou deixando para trás 30 anos da minha vida, um relacionamento, amigos, atletas e a minha mãe para correr atrás do meu sonho. Esse é o preço que às vezes temos que pagar para alcançar algo grandioso — resume.
Professor de educação física e técnico de futebol americano com passagens por Porto Alegre Bulls, Restinga Redskulls e Carlos Barbosa Ximangos, além de criador da escola Kickoff, o treinador embarca em junho para o desafio mais ousado da sua carreira. Em Xangai e Pequim, na China, trabalhará no Great Stone Gridiron, um projeto privado local que tem por objetivo desenvolver para o futebol americano crianças de 3 a 12 anos. O plano, tirado do papel em 2012, tem centros de excelência voltados para o aprendizado do esporte e para o impacto que a modalidade traz à vida dos alunos. São 5 mil estudantes envolvidos — e os centros já receberam visitas de dois dos maiores jogadores da história do esporte, Peyton Manning e Tom Brady.
— Em 2016, um treinador amigo meu estava indo e me perguntou sobre a disponibilidade de ir também. Participei do inicio do processo seletivo naquele ano. Mas como tinha outros projetos aqui, inclusive de abrir a minha própria escola, acabei não dando seguimento. Este ano o convite voltou, fiz o processo seletivo e fui escolhido — explica Paulo, que foi eleito o melhor técnico do Campeonato Gaúcho de Futebol Americano de 2016, quando comandava o Redskulls. No Gauchão deste ano, trabalhou na equipe de Carlos Barbosa.
Desenvolvimento desde a base
Peyton Manning visitou as escolas da GSG em 2016, meses depois de anunciar a sua aposentadoria da NFL. O único quarterback a ser campeão do Super Bowl como titular por dois times diferentes deu orientações aos jovens alunos e garantiu:
— Quando mais você joga e treina, melhor você fica no futebol americano.
O plano dos asiáticos segue esta linha de raciocínio. Em vez de investir em astros mundiais como fez no futebol, o país prefere apostar nos pequenos no futebol americano. Em nível profissional, até existe a China Arena Football League, uma liga com seis times e em uma modalidade adaptada — são oito jogadores para cada lado, no modelo da americana Arena Football League. Mas o investimento em crianças é que dá a perspectiva a Paulo de Tarso. E as diferenças culturais não assustam o técnico, que vai se comunicar inicialmente em inglês, mas já tem um plano traçado para se aproximar dos locais:
— A China é muito aberta para o restante do mundo. Xangai é uma cidade com mais de 20 milhões de habitantes e acredito que vou conseguir me adaptar bem. Estou muito ansioso para entender os costumes para conseguir lecionar da melhor maneira possível.
Destaque internacional
Paulo de Tarso, natural de Porto Alegre, é o segundo técnico gaúcho que ganha espaço no cenário internacional do futebol americano nos últimos meses. Wesley Mota, de Caxias do Sul, vive a temporada do futebol americano na Itália. Ex-técnico do Juventude FA, é treinador de wide receivers e tight ends no Guelfi Firenze. Voltará ao Brasil no segundo semestre para comandar o Canoas Bulls.
Na avaliação de Paulo de Tarso, o cenário mostra que é possível evoluir na busca por conhecimento, mesmo em um esporte que não faz parte da cultura nacional.
— Hoje em dia, não temos mais desculpas sobre distâncias. Temos internet, livros, temos todos os materiais do mundo à nossa disposição. O que falta são pessoas que estão dispostas a pagar o preço de tentar chegar numa posição de excelência, perder alguns momentos de convívio social, estudar de madrugada, fazer scouts através de vídeos infinitas vezes. Essas coisas que demandam a posição. Estamos evoluindo cada vez mais e precisamos mostrar o nosso trabalho de qualidade que é feito aqui também — garante.
Crescimento sustentável
Com sua população numerosa, a China é mercado que desperta o interesse em qualquer ramo comercial. Se historicamente o futebol e o basquete são os esportes mais populares, o futebol americano aos poucos tem tirado proveito do interesse dos asiáticos. O Super Bowl, por exemplo, foi exibido na China nos últimos anos. A NFL já vê o país como um alvo na expansão internacional, junto com Reino Unido, Canadá, México, Brasil e Alemanha. Semanalmente, cerca de 1,5 milhão de pessoas veem a liga pela internet, um aumento de 1.000% em cinco anos.
Nas cinco edições da Copa do Mundo de futebol americano, a Ásia foi representada por Japão e Coreia do Sul — inclusive com dois títulos japoneses nas edições de 1999 e 2003, que não contaram com os Estados Unidos, e dois vice-campeonatos nas três edições que tiveram presença dos americanos desde então. A China nunca participou de um Mundial. Parece questão de tempo.