Os organizadoras da Copa Docelina de tênis afirmam que a discrepância de nível técnico entre os participantes motivou a diferença abismal na premiação para as classes masculina e feminina no torneio, disputado em Santa Maria no mês de março. Para a campeã da primeira classe feminina, Raquel de Martini, a lógica é inversa. A campeã, primeira colocada no ranking gaúcho, garante que uma premiação maior — e equilibrada com a chave masculina — motivaria a visita ao Rio Grande do Sul das principais atletas do país.
A atleta tem 26 anos e joga tênis há duas décadas. Não representa nenhum clube atualmente, não conta com patrocinadores e dá aulas de tênis para compensar os custos das competições. Para jogar em Santa Maria, por exemplo, ela estima que investiu R$ 400 — mais do que a premiação como campeã, que foi de R$ 250.
Raquel elogiou as iniciativas da Federação Gaúcha de Tênis na tentativa de fomentar o esporte, mas diz que já cogitou inclusive jogar torneios masculinos para buscar um nível maior de competição e premiações que compensem os custos — no entanto, nunca conseguiu liberação.
A diferença nas premiações entre homens e mulheres é recorrente nos torneios?
Do Brasil, não posso dizer, porque tem torneios em São Paulo em que a premiação feminina é um pouco maior. Não sei a diferença para a masculina, mas o prêmio feminino é por volta dos R$ 2 mil. Aqui, o único que paga mais é o Mercosul Open de Tênis em Santo Ângelo. Eu fiz um pedido ao diretor do torneio e eles fixaram a premiação em R$ 800.
O que você pensa desta diferença?
De certa forma os organizadores estão certos, porque as meninas realmente não se inscrevem. Mas eu penso que a lógica seja inversa. Paga que as meninas se inscreveriam. Fica um jogando a bola para o outro, e com certeza teria que partir deles (organizadores). Para trazer uma menina de fora do estado, já que aqui no Rio Grande do Sul não tem tantas meninas na primeira classe, teria que pagar mais. Tem custos de viagem, hospedagem. Não posso chamá-las para que depois comecem a pagar, porque elas têm um custo para vir. Em São Paulo, tem meninas de alto nível. Se inverter, colocar R$ 7 mil para as mulheres e R$ 250 para os homens, também não terá inscritos.
Quanto você investiu para jogar a Copa Docelina?
Não calculei. Mas por cima, foram R$ 50 de alimentação por dia, a diária do hotel não baixou de R$ 80, além de inscrição e gasolina. Foram uns R$ 400. (O prêmio) Não cobre, mesmo sendo a campeã.
Você consegue se manter no tênis?
Eu jogo torneios tanto aqui no Estado quanto Futures, com certeza conseguiria me manter se pagassem melhor. Atualmente, também dou aulas de tênis.
Essa é a média das premiações aqui no Rio Grande do Sul?
R$ 300 é a média. Só Santo Ângelo que paga mais. Ano passado, foi R$ 200, e eu fui conversar com o diretor. Eu creio que um pessoal da Argentina virá. O estado realmente não tem muitas meninas primeira classe, e isso parte da falta de incentivo dos clubes.
Você tem também esse papel de promoção do esporte.
Da minha geração, sou uma das únicas que permaneceram. A gente gasta muito e não é recompensada financeiramente. Eu não jogo para ganhar dinheiro, jogo porque eu amo. Tu gasta pra jogar. Muitas tentaram jogar profissionalmente e pararam. Eu sou uma das mais velhas do estado que joga primeira classe. Então eu tento incentivar, são as minhas parceiras de treino, de clube. Tento dar uma incentivada.
Você acredita que isso pode ter interferência no momento do tênis feminino brasileiro?
Eu consigo acreditar que sim. Porque temos meninos, primeira e segunda classe, desde o infanto-juvenil, eles sempre tiveram torneios pagando alguma coisa. Mesmo na segunda classe dá uns R$ 600. Nós, nem a primeira paga isso. A gurizada, por mais que não queira seguir no caminho do profissional, pode querer ir para a universidade. Eu sempre tive a meta de jogar tênis profissional. Por mais que eles não tenham essa meta, ao longo da vida têm como jogar. Todo mundo vai em busca dos R$ 600, que seja da segunda classe. No feminino, tem muitas que treinam para universidade ou lazer, mas não têm esse incentivo. Nem técnico, nem financeiro.
Tem algum benefício público específico para o tênis ou só os benefícios para esportes olímpicos?
O bolsa-atleta é bem difícil para o tênis. Eu já li a respeito, eu poderia ter o nacional, mas é complicado. A grosso modo, tênis não tem terceiro lugar, tu tens que comprovar tantas vitórias e títulos por ano. É um esporte difícil, não é muito fácil ficar sempre em primeiro ou segundo lugar. Tem a lei do incentivo ao esporte, é a única forma mais usada, eu nunca consegui uma empresa. É o único meio que qualquer um pode ir atrás. Ou cada um com o seu patrocínio. É muito complicado, só as três ou quatro primeiras do Brasil conseguem.
Algumas pessoas que defendem a diferenciação argumentam que os torneios masculinos têm melhores resultados comerciais. No caso dos Grand Slams, também porque os jogos são melhor de cinco. O que você pensa sobre isso?
Lógico que sempre vou defender o meu lado. Mas fisicamente falando, os homens não tem comparação, são mais fortes. Só que não foi a Serena que optou por jogar três sets. Assim foi o sistema. Ao meu ver, o rendimento, o bonito do jogo cai em cinco sets. Perde a alta intensidade. Se perde isso, por que tem que ser em cinco sets? Os grandes sacadores ficam só sacando, cai muito a beleza do jogo. Aguentar cinco sets eu aguento, mas vou me arrastar. Isso que eu tenho 26 anos, treino todo dia. Quanto à mídia, eu discordo um pouco, porque já ouvi os dois lados. E a moda? Para questões de marketing, na moda o feminino é mais rentável.
Você já cogitou jogar torneios masculinos?
Já tive essa ideia, desde o ano passado. A Federação Gaúcha tem bons profissionais, mas eu não sei que alcance eles têm de poder. Já criamos grupos com ideias para fomentar o tênis feminino, mas nunca sai. Tirando alguém que incentive isso financeiramente falando, ou que seja com premiação diferente, com joia, que chame o público. Então falei uma vez com o pessoal da federação para me deixar jogar no masculino. Em Santa Maria, por exemplo, joguei dois jogos que não eram de primeira classe. É bom que as meninas tenham se inscrito porque o torneio saiu, mas não era um torneio de primeira classe na prática. Tecnicamente, não me acrescenta muito, não vou só pelo dinheiro. Preciso de bagagem de torneio. Então, eu sugeri que eu jogasse na segunda classe masculina. Eu treino com muitos e sai jogo duro. Às vezes ganho, às vezes perco. Poderia ser competitivo. Um rapaz da federação disse que o pessoal não iria aceitar, mas eu sei que não se chegou nem a propor. Tem esse certo machismo de não poder perder pra mulher, mas há pessoas que topam. Não teria ranking, mas seria importante para mim pelo nível de disputa.