Nos últimos dias, Larri Passos deixou o calorento verão da Flórida (EUA), onde mora há dois anos, para uma missão no inesperado veranico de julho em Porto Alegre: lapidar Guilherme Clezar para uma série de torneios na Europa e na América Latina.
O tenista de 24 anos, que já foi 156º do ranking e hoje está em 280º, buscou mais do que a consultoria técnica do conterrâneo que formou uma histórica parceria com Gustavo Kuerten. Com o treinador de 59 anos, Clezar ganhou doses extras de motivação para uma retomada na carreira.
– Treinar feliz para jogar feliz. É isso que procurei resgatar com o Gui – disse Larri na quadra de saibro do Diezte Tennis, na Capital.
Confira trechos da entrevista concedida a ZH nesta quinta-feira (13):
Como você vê o momento do tênis brasileiro? O Brasil continua sem uma estrutura de formação em massa de jogadores, com preços acessíveis, como em outros países?
O pessoal reclama muito, mas não dá para comparar o Brasil com a França, com a Austrália, os EUA, que têm os Grand Slams. O Grand Slam traz uma receita muito grande, que chega a US$ 100 milhões por ano, para investir no tênis. Recentemente eu estive na França para uma consultoria. Eu chego lá e encontro um centro, bolas, quadras, sala de ginástica, tenho tudo para treinar. E tudo subsidiado pela Federação Francesa, porque tem um Grand Slam. Hoje estou vivendo nos Estados Unidos, é incrível, a diferença é muito grande. Lá, o esporte é fundamental na formação do indivíduo. O governo investe no esporte para gastar menos em hospitais. Você sai na rua e vê quadras de tênis, de basquete, todas as escolas têm um ginásio, mesmo as escolas públicas têm condições incríveis para as crianças se desenvolverem. Aqui o esporte é tratado como coisa de elite.
Qual é a sua expectativa em relação à gestão do novo presidente da Confederação Brasileira de Tênis, o catarinense Rafael Westrupp? Você o conhece bem, já o treinou, certo?
O Rafael treinou na academia (de Camboriú), foi sparring do Guga. Ele tem uma vivência muito grande no tênis. Espero que ele faça uma gestão transparente e que consiga buscar de novo os apoios que tínhamos. As empresas estão pensando hoje em sobreviver. A insegurança vem da área política, estamos hoje em uma encruzilhada. Espero que se consiga solucionar esses problemas para a gente voltar a investir. Eu tenho uma academia bacana, bonita, com uma estrutura maravilhosa, mas eu só trabalho hoje com a escolinha e com o projeto social. Eu não posso mais investir, do meu bolso, para fazer atletas de tênis. Temos de começar do zero, praticamente.
Quando chega ao profissional, o tenista brasileiro em geral tem dificuldade de se consolidar no circuito. Por que isso ocorre?
Não dá para generalizar, mas vejo que a maior dificuldade do brasileiro é a transição (do juvenil para o profissional). É complicado. Quando chega aos 18, 19, 20 anos, o jogador começa a ter dúvidas. Vemos o caso do Thiago Monteiro (100º do ranking). Quando tinha 15 anos, ele queria parar de jogar tênis. Então conversei com ele, falei sobre o amor que tinha pelo tênis... O caso da Beatriz Haddad, que começou lá na academia. Hoje é top 100. Ela é diferenciada, está no caminho certo. A gente conversa muito, sou meio guruzão dela. Ela teve um momento muito difícil no ano passado, estava na Europa e não conseguia os resultados. Eu me sacrifiquei muito pelo tênis brasileiro. Eu pegava os garotos juvenis e ia com eles para os torneios futures na Europa, para formá-los. Eu já viajei com a Bia por oito semanas, dirigindo carro, sendo motorista, psicólogo, preparador físico, treinador. Isso é uma formação que não tem preço, e eu não ganhava um centavo. Mas não posso mais fazer isso. Esse idealismo acabou. Essa transição está muito difícil de fazer no Brasil sem apoio.
O gaúcho Orlando Luz (que treinou dos 11 aos 17 anos na academia de Larri e hoje tem 19 anos), está vivendo justamente essa fase de transição. Qual é o potencial que você vê no Orlandinho?
O Orlandinho tem potencial, mas não depende só do técnico, da estrutura. Depende do jogador. Se o Orlandinho quiser crescer, ele vai ter de pagar o preço. Vai ter de ficar na Europa por três meses, como o Guga fez. É um sacrifício muito forte. Tu vais para a Europa, fica três ou quatro meses lá, volta outro jogador. Cresce. Porque lá é muito pesado. Tem de ver se o Orlandinho quer pagar esse preço. Porque talento, ele tem. Essa transição é complicada, o sul-americano demora um pouco mais (a conseguir bons resultados). Eu vejo que ele pode chegar (ao grupo dos melhores do mundo), mas não pode achar que só com o talento vai chegar.
Você construiu um nome de respeito no circuito como técnico do Guga. Está mais difícil para os tenistas contratarem você para ter o mesmo tipo de dedicação exclusiva?
Eu nem quero. Hoje eu tenho uma tranquilidade, vivo um momento muito legal com a minha família, com a minha esposa (a jornalista baiana Carla França Passos), com meus filhos. Isso não tem preço. Uma das minhas filhas (Sofia) tem nove anos, a outra (Bettina) tem 12 e tenho outro filho (David) de 20 anos, que está na faculdade. Depois elas vão crescer e vão "desaparecer", e eu já tenho quase 60 anos. Eu amo o tênis, mas eu não posso hoje ser mais (técnico) full time. É uma opção minha.
Mas você recebe muitos convites para treinar tenistas?
Hoje (quinta-feira) de manhã já recebi uma mensagem pelo WhatsApp do meu manager. Ele disse que precisava de mim, que um jogador queria treinar comigo. Eu disse que estava aqui (em Porto Alegre) com o Guilherme (Clezar). É uma loucura. É muito difícil encontrar uma pessoa que vá para quadra e que dê essa energia. Mas hoje em dia eu não abro mão de jogar o meu golfe, de ter as minhas semanas livres, de ficar com a minha família, de curtir as minhas filhas e bater bola com elas no tênis e jogar golfe com elas. Nenhuma proposta hoje me tira do meu sossego. Não quero ficar preso a um contrato.
Mas você não sente falta da correria de viagens e torneios do circuito?
O que eu colhi do circuito foram as amizades. Neste ano me encontrei na Austrália com o (José) Perlas (técnico espanhol), com o (Carlos) Moyá (ex-tenista espanhol que foi número 1 do mundo), fomos para a piscina de gelo com o (Rafael) Nadal (espanhol que detém 15 títulos de Grand Slams). Ficamos dando risada, o Nadal conversou comigo sobre golfe. Esse respeito no circuito é muito bacana. Quando encontro jogadores como o (Novak) Djokovic (sérvio que já conquistou 12 títulos de Grand Slam), o carinho que recebo é impressionante. Isso me dá muita segurança. Pô, eu fiz alguma coisa no tênis, né?
Por que você optou por morar nos EUA?
A opção? As duas meninas (risos). Eu costumava alugar casa lá, para passar um tempo, estudar inglês. Chegou um momento que as minha filhas falaram: "Pai, a gente quer morar aqui". Elas eram pequenas, mas me botaram na parede. Os americanos acharam que seria legal eu morar lá, então consegui o green card em seis dias (risos). Sempre viajei bastante para os EUA, desde 1979. Os americanos são espertos, me receberam de braços abertos. Eles viram o meu currículo, um treinador do valor que eu tenho, e falaram: "Queremos que você more aqui".
E como é o seu trabalho lá?
Eu tenho à disposição quatro quadras de tênis na minha comunidade (na Flórida). O jogador vai lá, faz duas ou três semanas de treinos e depois viaja (para disputar torneios). É uma consultoria para fazer ajustes (nas técnicas do tenista), é um trabalho muito bacana.
Como avalia declarações preconceituosas sobre o tênis feminino como as de John McEnroe (o ex-tenista americano e comentarista disse que a Serena Williams não venceria o 700º colocado do ranking masculino)?
Depende como você encara o tênis feminino. É claro que se vê jogos de 6/1, 6/1, jogos rápidos, mas basicamente o tênis feminino está muito competitivo. Antigamente, colocar uma jogadora como número 100 do mundo era rápido, muito fácil. Hoje, não. tem um público que gosta muito de ver tênis feminino. Essa declarações do John... Não dá para levar muito a sério porque o John é muito doido. Ele fala uma coisa hoje e amanhã outra. Ele sempre foi assim, de vez em quando escapa essas frases malucas. Eu tenho um respeito muito grande pelas meninas, vejo o quanto elas sofrem para chegar ao topo. Eu trabalho com o tênis feminino desde 1987. Eu trabalhei com a Tamira Paszek (austríaca que se tornou uma das tenistas mais jovens a conquistar um título profissional, aos 15 anos), com a Daniela Hantuchova (eslovaca que já foi Top 5 do mundo), eu sei o quanto é duro para as meninas, a solidão delas viajando. Falar mal, é muito feio. Tênis, para mim, não tem diferença.
Qual foi o legado olímpico do Centro de Tênis?
Zero. Estão usando (a quadra) para jogar vôlei. É uma vergonha. Eu tenho uma academia de tênis e sei o que custa manter uma estrutura. É muito dinheiro. Fui contra a Olimpíada e a Copa do Mundo, e eu estava certo. Em 2011, eu falei: é impossível o Brasil fazer dois eventos como a Copa e a Olimpíada. Fui contra e todo mundo caiu em cima de mim. E o que aconteceu? Fui convidado por uma emissora para cobrir a Olimpíada, mas não aceitei. Sou um cara ético. Estamos sofrendo hoje. Quanto dinheiro foi desviado?
*ZHESPORTES