Ao ser questionado por jornalistas europeus, sempre com um cigarro acesso entre os dedos da magra e longa mão esquerda, o legendário Johan Cruyff (1947-2016) citou o nome do seu jogador favorito dos anos 1990, da irreversível virada do Século 21. O cérebro do carrossel holandês nem esperou finalizar a frase. Apontou.
– Zidane.
Quando outra geração de cronistas esportivos se aproximou do campeoníssimo Carlo Ancelotti, 56 anos, talvez um dos três melhores treinadores do planeta, e pediu que o italiano indicasse uma promessa, alguém que estaria no topo da relação dos melhores técnicos, ou perto dele, nos próximos anos, ele falou:
– Zidane.
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O ex-craque, um dos melhores jogadores de todos os tempos do continente europeu, estava certo na sua afirmação. O professor arriscou. E o torcedor?
– Zidane, claro – digo eu, longe da torcida, mas de olho dobrado nas redes sociais e na mídia da Espanha.
O fã do Real Madrid, que venerou o ambidestro Zidane com a bola nos pés entre 2001 e 2006 (cinco títulos) e é classificado com o torcedor mais exigente do mundo, aprovou o francês de roupa nova. Hoje, Zinedine Zidane (mesmo nome da biografia escrita por Jean Philippe e Patrick Fort, Editora Sá, 256 páginas, R$ 30), nascido em Marselha, é um homem de 43 anos, sério, introspectivo e de sorrisos protocolares. É de poucos amigos, só fiéis. Não oferece abertura nem aos que atuam nas vitrines de jornais e sites. Fala em coletivas. Trabalha no clube desde 2013, andou pela base, circulou pelo time B, atuou como assistente do antecessor Rafa Benítez.
Fazia algum tempo que o torcedor do Madrid não curtia uma lua de mel tão intensa com o adorado time, um dos três mais populares do mundo. Ele, você sabe, não se contenta com a vitória. É preciso ganhar, jogar bem e ousar, trio palavras que sustentam a mística do Estádio Santiago Bernabéu, mas que não apareciam regularmente nas cartilhas de Ancelotti, apesar do título da Liga dos Campeões 2013/2014, de José Mourinho e de Benítez – todos defensivos demais para o gosto dos ofensivos seguidores do Madrid. Os merengues não se iludem com craques, muito menos com treinadores. É preciso reverenciar o super craque, um Cristiano Ronaldo da vida, um Zidane, sem dúvida. Gareth Bale é na classificação local apenas bom. Nem a pérola colombiana James Rodríguez é unanimidade. Ronaldo Fenômeno conheceu a vaia na capital espanhola.
No banco de reservas, depois de 19 partidas, 16 vitórias, dois empates e uma derrota, tudo emoldurado com 61 gols – mais de três a cada 90 minutos –, Zidane tem agora um breve currículo, uma prova de sucesso, a certeza do vidente Ancelotti. Em La Liga 2015-2016, a distância com o Barcelona encostou nos 12 pontos semanas atrás. Neste sábado, na última rodada (Deportivo La Coruña e Madrid, Granada e Barcelona), a diferença é de um mísero, porém decisivo, fundamental, ponto, 87 a 86 pró-catalães.
– É a bola. É com ela por perto que você controla, domina e vence.
A frase é um mantra de Zidane perto ou longe dos microfones. Nas entrevistas, quando mistura o francês nativo, o italiano dos tempos de Juventus (1996-2001) e o espanhol do dia a dia, ele é zen. Não ataca. Defende. Passa ao largo da arbitragem. Prega a paz nos bons e maus momentos. É um agregador.
– Ele deixou o elenco mais relaxado, isolou as más influências e estabilizou o grupo – relatou Alfredo Relaño, diretor do diário esportivo espanhol As.
– Ele nos ajuda e nós o ajudamos. Eu o admiro como treinador e como pessoa – declarou Cristiano Ronaldo.
– Zidane chegou tarde, na metade da temporada, mas a partir daí as coisas se transformaram – elogiou Mourinho numa recente entrevista no México.
Mesmo com os jogadores, Zidane não se abre como acontece regularmente com um ex-jogador que abraça nova carreira. Não oferece lado. Não é o paizão nem o superprofessor. Mas está próximo de todos. Faz questão de passear pelo vestiário depois do treino. Faz uma longa escala entre os comandados e depois entra na sua sala reservada. Ouve mais do que conversa. Ele é naturalmente silencioso. Em campo, quanto número 10, flutuava.
Dos bastidores do gigante Madrid, brotam informações de que ele trabalha o pré-jogo à exaustão e detesta os improvisos no sagrado momento das palestras, sempre no hotel, nunca no calor do estádio. Vê o adversário no detalhe. Nunca escolhe 11. Trata com 16, reservas fazem parte da partida. Desenha a movimentação de cada atleta. Depois das palestras manda os mapas táticos aos jogadores, que recebem os desenhos detalhados da missão via WhatsApp.
É fácil perceber o que mudou na equipe pós-Zidane, quatro meses depois. Os atletas estão soltos e tranquilos. As ordens são simples e diretas. Ninguém questiona o comando do treinador. O sistema de jogo foi discutido com o grupo. As responsabilidades estão divididas. A tesão voltou.
Se perder o Campeonato Espanhol, terá a final da Liga dos Campões contra o vizinho Atlético de Madrid, no próximo dia 28, em Milão. O futuro só começou.
*ZH ESPORTES