O Santa Cruz voltou ao seu lugar, entre os grandes. Um dos clubes mais populares do Nordeste completou sua via sacra pelas quatro divisões brasileiras. Depois de 10 anos, voltará à Série A. Para orgulho de uma legião apaixonada, de veia essencialmente popular.
E quando se fala em paixão está longe de ser exagero. Ou você conhece alguma torcida que, quando o time desceu ao pântano da Série D, ocupava o estádio para assistir à colocação do novo gramado?
A torcida do Santinha fazia isso. E comemorava quando alguma máquina roncava mais alto e abria uma valeta no piso. Essa prova desmedida de amor foi em 2008. O clube recém havia caído para a Série D. Parecia que tinha chegado ao fundo. Mas não. Havia mais alguns andares no subsolo da crise.
Depois de três anos na Série D, em 2011, o Santa Cruz engatou lomba acima até o acesso à Série A. No cenário local, predominou sobre os rivais Sport e Náutico. Com você sabe, Recife é uma Capital abençoada por três clubes fortes. Que disputam cada centímetro de espaço, seja na areia da Boa Viagem ou nas ruas coloniais do Recife Antigo. Pois nesse cenário, o Santa Cruz ganhou quatro dos últimos cinco estaduais.
Festa da torcida do Santa no Recife
Foto: Antonio Melcop/Divulgação
O salto neste ano veio, por ironia, com um presidente estranho ao mundo do futebol. O advogado Alírio Moraes, 51 anos, assumiu em janeiro. Na gestão anterior, cuidava das finanças. Renegociou dívidas que consumiam 60% a 70% das receitas mensais e viu o dinheiro das rendas de jogos sair direto para as mãos de oficiais de Justiça. Hoje, o passivo trabalhista de R$ 60 milhões está equacionado. Há outros R$ 32 milhões em dívidas tributárias refinanciadas em programas fiscais do governo. Moraes estima a dívida total em R$ 110 milhões. Uma babilônia para um clube com apenas 12 mil sócios.
Folha salarial de todo o clube é de R$ 1,2 milhão
O presidente levou para o Arruda a mentalidade gerencial aplicada em seu escritório de advocacia. Profissionalizou as vice-presidências de finanças, administração e social. No futebol, manteve os nomes da gestão anterior, de resultados satisfatórios. A política de investimentos foi austera. A folha mensal é de R$ 1,2 milhão. Incluindo aí os 200 funcionários.
Mesmo com folha salarial modesta, Moraes padece para quitá-la. Os jogadores comemoraram o acesso sem o salário de outubro no bolso. Os prêmios por vitória e pela volta à Série A serão pagos em parcelas que entrarão janeiro.
- Não sou do futebol, acho estanha essa prática instituída de pagar salários com atraso. Isso me incomoda muito e sempre tratei de forma transparente com os jogadores - conta o presidente.
Esse diálogo teve em Danny Morais o principal interlocutor. O zagueiro formado no Inter chegou ao Arruda em janeiro, levado pelo técnico Ricardinho, aquele ex-meia do Corinthians e reserva no Penta. Vinha de uma temporada na Arábia Saudita e buscava chance para reaparecer no Brasil. Topou de primeira quando Ricardinho, seu técnico no Bahia, o convidou para jogar no Santa Cruz.
Jogadores foram recebidos em caminhão de bombeiros
Foto: Genival Paparazzi/Agência O Globo
Articulado e mais maduro pelos 30 anos e pela paternidade de Bernardo, dois anos, e Matheus, um ano e meio, Danny logo virou liderança do time. O presidente, pouco afeito ao ambiente de vestiário, percebeu no guri criado no Jardim Lindoia, na Capital, o canal para negociar com os jogadores. Danny assumiu e virou voz do vestiário.
Em Recife, há quem diga que a arrancada do Santinha se iniciou quando Ricardinho saiu, na sétima rodada, em 18º lugar, e o clube contratou Marcelo Martelotte, ex-goleiro do clube e técnico campeão estadual em 2013. Outros apontam que salto foi com a chegada de Grafite. Sua contratação começou em encontro casual com o presidente em um restaurante.
Grafite foi o principal reforço tricolor na Série B
Foto: Antonio Melcop/Divulgação
O centroavante jogou no clube em 2000, antes de vir para o Grêmio. Tempo suficiente para casar e entrar numa família de torcedores do Santa. Aproveitava as férias em seu apartamento luxuoso perto da praia, depois de rescindir com o Al-Sadd-CAT, quando encontrou Alírio. O convite veio na hora e virou contrato três reuniões depois. Grafite desceu de helicóptero no Arruda, com salários pagos por conselheiros ricos. Estreou com gol sobre o Botafogo e virou o símbolo deste Santa Cruz que agora está grande. Como sempre foi.
Danny Moraes: "Não temos noção no Sul do que é o Santa Cruz"
Como tem sido a festa da torcida com a volta à Série A?
Não temos noção no Sul do que é o Santa Cruz. É fora do comum a paixão dessa torcida.
Quando você recebeu o convite, houve receio pelo histórico de atrasos do clube?
Tinha voltado de um ano na Arábia. Precisava aparecer. Apostei que seria uma boa vitrina.
O presidente do clube o elegeu como líder do vestiário.
Meu currículo era mais rico do que o da maioria. E sempre tive essa postura de líder.
Como foi conviver com salários atrasados?
Não foi fácil, pelo desgaste. Mas a conquista assim é mais saborosa. Para mim, vale o mesmo que a Sul-Americana, com o Inter.
Mesmo com o Grafite você seguiu como liderança?
Foi muito legal contar com ele. Agregou muito, portou-se igual a todos. Aos 36 anos, pode jogar em qualquer clube.
Você seguirá no Santa Cruz?
Surgiram alguns interessados, mas antes vamos ouvir o Santa.
João Paulo: "O Santa é o clube do povão"
Como chegou ao Santa Cruz?
Sofri duas artroscopias no joelho no Goiás, o que me fez perder boa parte de 2014. Apostei em jogar na Série B para recuperar espaço. Acabou sendo um ano fundamental para mim.
Também por que era último ano de contrato com o Inter?
Também por isso. Precisava jogar depois de um ano ruim.
Você foi destaque de um time popular. Como é o assédio da torcida? Dá para sair à rua?
O Santa é o clube do povão, cerca de 80% é formada por pessoas muito humildes. Foi muito legal a festa pelo acesso, com carro de bombeiros. Inesquecível.
Você virou volante no Santa?
Com o Ricardinho, passei a atuar pela esquerda, em um losango. O Marcelo Martelotte veio e manteve. Como o Daniel Costa jogava pela direita e saía muito, eu guardava mais posição. Gostei muito, aprendi uma nova função.
Você agora é um jogador livre. Qual o seu futuro?
Meu contrato com o Inter acaba ao final da Série B. Como fui bem, apareceram interessados. Antes, quero ouvir o Santa Cruz.
*ZHESPORTES